Grupos de Trabalho (GT)
GT 005: Antropoceno, Colonialismo e Agriculturas: resistências indígenas, quilombolas e camponesas diante das mutações climáticas
Coordenação
Josiane Carine Wedig (UTFPR), Sergio Baptista da Silva (UFRGS)
Debatedor(a)
João Daniel Dorneles Ramos (USP), Patrícia Binkowski (UERGS)
Resumo:
As mutações climáticas, provocadas por ações antrópicas, decorrentes do extrativismo de florestas, mineração e avanço das monoculturas, são nomeadas como Antropoceno/Plantantionoceno e outras designações. Para a compreensão dessas questões, é imprescindível considerar as consequências do colonialismo, que expropriou territórios e tornou a terra mercadoria, provocando genocídio, escravização e eliminação de práticas e conhecimentos de diversos povos. A plantation, base desse padrão de poder, não se limita a agricultura, mas remete a uma forma de habitar colonial que provoca a destruição da sociobiodiversidade; acarreta desigualdades raciais, de gênero, sociais e outras; e esgota as condições de vida no planeta. Em contraposição, ocorrem resistências indígenas, quilombolas e camponesas, por meio de composições cosmopolíticas que criam outros modos de fazer agriculturas e de se relacionar com a terra, envolvendo diferentes seres que nela coabitam, constituindo relações multiespécies. Assim, este grupo de trabalho se propõe a acolher pesquisas que abordam conhecimentos, práticas, memórias e modos de vida desses coletivos que fazem retomadas de seus territórios, cultivam refúgios, criam ressurgências diante das catástrofes e propõem outras formas de habitar.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Brendo Henrique da Silva Costa (UFV), Maria Alice Fernandes Corrêa Mendonça (UFV)
Resumo: Ao caminharmos por propriedades agroecológicas na região da Zona da Mata mineira, presenciamos as relações multiespécies entre os agricultores e os não-humanos (plantas, insetos, animais, solos etc.) que compõem suas paisagens. Essas relações, reconhecem os papeis e contribuições de cada ser nos espaços (Van Dooren, Kirskey e Münster, 2016), onde uma planta de café é considerada um “grande amor” e as larvas da mosca das frutas são reconhecidas como “indicadores de uma produção de qualidade”, não como inimigas. Essa concepção onde os não-humanos não se resumem a recursos é o que diferencia essa agricultura, para aquela praticada nas plantations (Tsing, 2019).
As plantations surgiram com a colonização da América, simplificando as paisagens e as relações multiespécies através da diminuição da biodiversidade e estabelecendo a mercantilização de humanos e não-humanos. Para Haraway et. al (2016), essas relações estabelecidas a partir das plantations permitem pensar as questões climáticas atuais, ela denomina esse período como Plantationoceno.
No entanto, em contraste com esse modelo, encontram-se os agricultores agroecológicos, que percebem as questões climáticas a partir das relações multiespécies, pois diferentes culturas possuem suas próprias formas de se relacionar e interpretar os fenômenos climáticos (Ulloa, 2017). Neste contexto, a pergunta que instiga esse estudo é como as relações multiespécies são vivenciadas nas propriedades agroecológicas, e como auxiliam na percepção das mudanças climáticas?
A percepção das questões climáticas pelos agricultores agroecológicos, mediada pelas relações multiespécies, destaca a importância de preservar e compreender essas práticas locais. O conhecimento, refletido no canto de insetos e no comportamento de animais, evidencia uma sabedoria importante para enfrentar os desafios climáticos.
REFERÊNCIAS
HARAWAY, Donna; ISHIKAWA, Noboru; GILBERT, Scott F.; OLWIG, Kenneth;TSING, Anna; BUBANDT, Nils. Anthropologists Are Talking – About the Anthropocene. Ethnos, v. 81, n. 3, p. 535–564, 2016.
TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.
VAN DOOREN, Thom; KIRKSEY, Eben; MÜNSTER, Ursula. Estudos multiespécies: cultivando artes de atentividade. ClimaCom, v. 3, n. 7, p. 39-66, 2016.
ULLOA, Astrid. Dinámicas ambientales y extractivas en el siglo XXI: ¿es la época del Antropoceno o del Capitaloceno en Latinoamérica? Desacatos, Ciudad de México, n. 54, p. 58–73, ago. 2017.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Daniela Botero Marulanda (UFBA), Mauricio Caviedes (UFBA)
Resumo: O texto a seguir apresenta as formas de produção agrícola da fronteira Colômbia- Peru-Brasil e as tensões e confluências entre as economias desses países e o que os povos indígenas na região chamam de “chagra” (em espanhol) ou “roça” (em português). Este texto descreve a dinâmica da produção na chagra/roça por meio da relação entre o uso antropológico da teoria do valor, descrições etnográficas das relações políticas e econômicas entre diferentes povos indígenas e o contexto histórico regional. Embora esta apresentação retoma debates teóricos sobre a relação entre pensamento indígena e economias nacionais, sem sugerir um caminho teórico definitivo, mas retomando de autores como Pereira e Tobón os conceitos de resistência e memória. As descrições apresentadas aqui estão baseadas em observações etnográficas realizadas em várias temporadas de trabalho de campo realizadas entre 2015 e 2020. Parte delas tiveram lugar entre os Murui-Muina colombianos e outra parte teve lugar entre os Ticuna colombianos (território indígena de San Antônio) e Ticuna brasileiros (comunidades indígenas de Umariaçu I e II). Ao contrário de buscar expor resultados definitivos de pesquisa, este texto propõe-se abrir perguntas na busca de caminhos possíveis de análise da importância das lutas e os direitos indígenas para as economiasdas fronteiras dos países da América Latina.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Daniela Rodrigues (IDEAS - AMU)
Resumo: Este artigo apresenta os resultados preliminares de um projeto de pesquisa multimodal e transdisciplinar em curso, com foco principal em práticas de regeneração e de ocupação do solo no montado Alentejano, paisagem antropogénica moldada ao longo dos séculos após os grandes arroteamentos do bosque mediterrânico. Foi ao estudar esta região empobrecida e árida do país colonizador que Amílcar Cabral (1949), engenheiro agrícola, panafricanista e revolucionário, desenvolveu a sua concepção de solo enquanto um corpo histórico sintonizado com processos político-sociais, noção que desempenhou um papel central na teorização das lutas de libertação africanas (César 2018). Em sintonia com a inseparabilidade e interatividade das dimensões geológicas, ecológicas, culturais e sociopolíticas (Barad 2003), esta pesquisa aborda fricções bio-sociais e onto-epistemológicas passadas, presentes e futuras de uma "paisagem em ruínas" (Tsing 2015). Apesar de desafios como seca, erosão do solo e toxicidade resultantes de práticas históricas e contemporâneas de monocultura intensiva, de plantações extensivas, de exploração e de extrativismo, a região acolhe, no presente, como no passado, experimentações dissidentes, como a colectivização de terras que, durante a Reforma Agrária durante da década de 1970, subverteu ideias de propriedade privada; ou projetos inovadores e ancestrais de reflorestação e regeneração de ecossistemas. Este trabalho procura ter em consideração os passados, presentes e futuros do solo, a intricada teia de relacionamentos multi-espécie que ele sustenta e os potenciais espíritos que o podem habitar. A pesquisa inspira-se no conceito de "Escritura Compostaje" de Verónica Gerber e aspira a uma "Etnografia-Compostaje" ao desafiar as fronteiras entre arquivo, testemunho, ficção, linguagem e materialidade. A abordagem multimodal propõe combinar a recuperação (e reapropriação) de arquivos visuais que documentam a ocupação de terras nos anos 1970 com pesquisa etnográfica em torno de práticas que nutrem e regeneram solos intoxicados e erodidos. Acedendo ao passado e simultaneamente perscrutando o futuro, este estudo de caso visa a) dar a ler a terra numa abordagem geomântica, compreendendo o solo como um arquivo do passado (especialmente dos passados dissidentes, como aqueles que caminharam nesta terra ocupada durante a reforma agrária); b) formular narrativas de um mundo por vir, juntamente com atores, humanos e não humanos, que, no presente, através de alianças multiespécie estão a otimizar a fotossíntese e a produção de biomassa, aumentando a fertilidade geral do solo, criando um sistema de resistência e abundância.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Diego Gabriel Leandro Moreira (UNB)
Resumo: Este é um trabalho que visa analisar as decorrências do avanço da fronteira agrícola sobre a Terra Indígena do Xingu (TIX), situada no estado de Mato Grosso, pela perspectiva do povo Yawalapíti. O limite da Terra Indígena é um divisor entre a preservação de boa parte de cobertura vegetal — registrada na TIX — e grandes porções que perderam sua cobertura vegetal para empreendimentos econômicos de plantio de monoculturas — principalmente de soja, milho e algodão — e criação de gado destinado para a indústria da carne. O processamento e a logística de distribuição destas produções também devem ser considerados. Apesar da TIX ter sido demarcada em 1961 e homologada 30 anos após, existem diversas denúncias, dados oficiais e relatos que evidenciam as pressões das atividades citadas sobre a Terra Indígena (TI).
A região que compreende a TIX é de grande importância hídrica. Nas fazendas vizinhas, localizam-se as cabeceiras dos três principais rios formadores do rio Xingu — Kurisevo, Kuluene e Ronuro — que ficaram de fora da demarcação da TI, devido a articulações políticas e interesses do plano de ocupação de terras da região. Os impactos decorrentes destes grandes empreendimentos estão além de serem apenas ambientais ou ecológicos, mas afetam também a escala social, cultural e cosmológica.
É importante a compreensão dos aspectos fundiários da região e dos agentes envolvidos, assim como as dimensões desses impactos, tanto pela cosmologia yawalapíti quanto pela ótica externa. Desta forma, é possível evidenciar não só diferentes perspectivas, mas também usos convergentes da terra e dos recursos naturais, através de práticas de manejo e cultivo dos diferentes grupos sociais que habitam a região. O que nos interessa aqui é o desenvolvimento de sistemas de agricultura, comum aos indígenas e aos não-indígenas, mas que se baseiam em princípios díspares. Com filosofias e propósitos de plantio bem diferentes, destaca-se um marcador bem incisivo que separa os modos de uso da terra e de acesso aos que tangem os territórios. Esse marcador se dá pela forma de perceber, se relacionar e classificar o que entende-se como “recursos naturais” segundo os grandes empreendimentos ou segundo os Yawalapíti, que destacam a agência dos apapalutapanhau — espíritos. Dado contexto, o objetivo final é evidenciar possíveis convergências entre estes diferentes modos de produção e perspectivas, considerando, por exemplo, as anomalias ambientais provenientes do desmatamento e outras ações antrópicas de larga escala — o capitalismo agrário — e sua relação com as mudanças climáticas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Felipe Boin Boutin (UFSC)
Resumo: Este trabalho apresenta resultados parciais de uma pesquisa em curso que possui como objetivo analisar a cataclismologia Guarani Tchiripa-Phaĩn e qual a práxis xamânica deste grupo étnico que impede o cunhado "fim do mundo". Um dos fundamentos da análise trata da tópica do Antropoceno à luz da proposta de uma teoria da "não escalabilidade" apresentada por Anna Tsing, que questiona a expansão ilimitada como forma de habitar a Terra e propõe observar os destroços causados pelos seres humanos, buscando maneiras de coabitar com a diversidade. O Antropoceno, fundado em uma ontologia da escalabilidade, se fortalece na destruição de ontologias, especialmente na rejeição às animistas. Como resultado, a capacidade de nos relacionarmos com outros seres humanos e não humanos, com outras cosmologias, está, pouco a pouco, desaparecendo. O presente estudo, inspirado pela tese de Philippe Descola dentre os Achuar, visa repensar as práticas de conhecimento moldadas pela ontologia da escalabilidade. Para os Achuar, a eficácia do sistema não se dá em função da quantidade da acumulação, mas da obtenção de um estado de equilíbrio definido como bem viver, onde diversos mecanismos simbólicos e a destruição de excedentes, criam uma via capaz de evitar o desenvolvimento de um cenário de acumulação, de expansão ilimitada, da degradação da natureza, ou seja, do fim do mundo. De maneira semelhante, a concepção de ecologia dentre os guaranis não se restringe somente à natureza e nem se define por seu valor produtivo ou capacidade de acúmulo de excedentes. O tekoa guarani é uma compreensão de sociedade que produz e preserva todas as relações que envolvem o grupo, sejam econômicas, sociais, políticas ou religiosas. A terra fértil e a possibilidade de caças são outros elementos que expressam a qualidade do tekoa. É o local, físico e simbólico, onde se dão as possibilidades do nhandereko - modo de ser guarani. Portanto, a proposta metodológica envolve um estudo da ontologia com foco no xamanismo desse grupo, explorando suas práticas e processos materiais e simbólicos. Nesse sentido, é apenas colaborando e aprendendo com essas populações nativas que poderemos desenvolver formas de pensamento que contribuirão para a nossa permanência no mundo. A diferença central entre as nossas ontologias e as ontologias dessas populações, dentre elas a dos Guarani Tchiripa-Phaĩn, é a noção da existência de uma cosmopolítica onde a condição de sujeito é estendida a múltiplos elementos da natureza. As ações capitalistas, as quais têm sido o fundamento da sociedade global até o momento, são destrutivas porque não somente impedem, mas negam dinâmicas de sociabilidade. Limitam suas relações ao Eu, em um universo que é regulado por socialidades e ontologias múltiplas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Fernando Firmo Luciano (UFV)
Resumo: Nas últimas décadas assistimos de longe e de fora: investidas vultosas e violentas de grandes latifundiários, empresas transnacionais em terras tradicionalmente ocupadas pela agricultura familiar, pelos coletivos que vivem nas/com florestas; a liberação estatal de pacotes cada vez mais volumosos, tóxicos e agressivos de agrotóxicos para a produção de cultivares alimentares básicos; paisagens/biomas/territórios sendo arrasados, degradados, destruídos e reconstruídos para atender a lógica do mercado global. A um só tempo, emergem (re)existências em mundos rurais possíveis, tendo como norte “agroflorestar”. De 2019 para cá, tenho me dedicado a uma reflexão engajada de como “agroflorestar” compreende uma pluralidade de significados para seus/suas praticantes: um modo de (re)existir, de lutar contra o capitalismo vigente; uma técnica singular de como se fazer agricultura; e um movimento social (listo os que pretendo me ocupar na presente comunicação). Além disso, trata-se de uma engenharia sócioecológica que capacita, engaja e afeta pessoas a deixarem grandes centros urbanos rumo a estes mundos rurais. Portanto, o presente trabalho tem a intenção de visibilizar pontos de vista sobre o que significa fazer agrofloresta para sujeitos, distantes geograficamente e aproximados pelas suas éticas e aspirações sócioecológicas para se viver suas possíveis ruralidades em tempos de catástrofes climáticas. O presente campo teve início na pandemia e se estendeu presencialmente na Zona da Mata-MG, pós-pandemia, com recursos da FAPEMIG. Durante a pandemia, para me aproximar do campo, desenvolvi uma série de ações que merecem ser analisadas como um “campo”, no estrito sentido desta palavra. Participei de eventos (cuja temática era transição cidade-campo; aglofloresta) oferecidos on-line e analisei dados coletados no Youtube de pessoas urbanas que se mudaram para a zona rural e postaram seus relatos nesta plataforma digital totalizando mais de 50 horas de material. A partir destas experiências e dos dados coletados com elas até então, teço algumas interpretações sobre um dos temas que mais tem me intrigado ao analisar os dados em questão: uma assertiva poderosa e de muito efeito, proclamada por jovens (dentro de uma faixa etária de 30 a 40 anos de idade) que se autodenominam como "neorruralizados": “viver fora do sistema fazendo agrofloresta”.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gabriel de Araujo Silva (UNICAMP)
Resumo: O debate em torno de práticas de reflorestamento e agricultura agroflorestal tem alcançado crescente reconhecimento em relação à promoção da biodiversidade, autonomia de comunidades, soberania alimentar, produção de alimentos saudáveis, valorização de agriculturas tradicionais indígenas e quilombolas, assim como por promoverem melhores condições ecológicas e produtivas a longo prazo. Este trabalho traça um panorama destes debates, para isso iremos fazer um exercício de equivocação controlada entre diferentes perspectivas sobre o plantio de florestas e agroflorestas. Através de uma revisão bibliográfica, utilizando um levantamento multidisciplinar de trabalhos recentes sobre plantio florestal e agroflorestal iremos identificar e contrastar as perspectivas da agricultura sintrópica de Ernst Götsch, do discurso em torno de alguns dos grandes produtores agroflorestais privados, da teoria antropológica das florestas antropogênicas, de trabalhos sobre a gênese florestal segundo povos indígenas como os Ka’apor, Wajãpi, Kayapo e Yanomami; a relação entre as florestas e os quilombos segundo a proposta contra colonial de Antonio Bispo dos Santos e da ecologia decolonial de Malcom Ferdinand; da forma como a agrofloresta esta presente nos “Cadernos de Agroecologia” (2020) do Movimento Sem Terra (MST), denominado “Subsídios para construir o Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis” e no livro manifesto da Teia dos Povos “Por Terra e território: caminho da revolução dos povos no Brasil”.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
João Daniel Dorneles Ramos (USP)
Resumo: Esta comunicação busca discutir as lutas operadas por comunidades quilombolas e terreiros de matriz africana, localizadas na região Sul do Brasil, tecendo considerações sobre as re-existências de coletividades compostas por humanos e outros seres, enquanto formas de enfrentamentos contracoloniais ao contexto das mutações climáticas. Estas comunidades lutam pela demarcação definitiva de seus territórios, frente ao Estado, e por políticas de reconhecimento de seus modos de vida e práticas, que envolvem dimensões socioambientais diversas, na ampla relação natureza-cultura não-eurocêntrica. Os modos de vida e as relações com a terra dessas comunidades foram suprimidas e até mesmo devastadas junto com seus povos, pelo Plantationoceno, mas também ocorrem processos de resistência e de reterritorialização, como os quilombos, as religiões de matriz africana e outras expressões culturais negras. Assim, compreendo que humanos, plantas, animais, espíritos, territórios e demais entes resistem aos processos catastróficos, seja no uso de ervas, águas e alimentos, seja nas retomadas e na preservação de matas e no uso de outros sítios importantes. Os principais elementos que me instigam à possibilidade de reconhecer saberes ancestrais, filosofias plenas, cosmo-ontologias, epistemologias e modos de vida, advém daquilo que esses grupos mobilizam em torno de suas próprias organizações e de suas lutas, da relação com a terra, com outros entes e territórios, resistindo aos contextos de racismo e de estigmatização que operam, cotidianamente, em nossa sociedade. Portanto, busco apresentar de que modo essas práticas ancestrais negras compõem cosmopolíticas de coexistência multiespécies, onde poderíamos visualizar as formas de "aquilombamento", naquilo que propõe Malcom Ferdinand, nas quais existem relações muito mais abertas com o mundo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Juliana Alvarenga Prado (UNICAMP)
Resumo: Este trabalho propõe-se a apresentar um conjunto de histórias e relações intrincadas de luta por terra e território, construídas ao longo dos 21 anos de ocupação e (re)existência na Comuna da Terra Irmã Alberta, acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) localizado na periferia noroeste do município de São Paulo (SP). No amplo rol de relações implicadas no fazer-mundos local, o objetivo deste trabalho será compor um breve panorama acerca dos entrelaçamentos entre modos de ocupar e de plantar, a partir de um olhar sobre as especificidades que permeiam as questões agrária, de produção de alimentos e de composições multiespécies nas paisagens do acampamento. Nesse sentido, será importante rastrear e incluir neste debate os arcabouços conceituais que perpassam os discursos político-epistêmicos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que atualmente vêm incorporando extensivamente à sua agenda pautas atreladas à questão ambiental, propondo soluções populares à crise climática ocasionada pelo projeto capitalista e monocultural moderno. Essas soluções encontram-se em sua maior parte associadas à adoção da Agroecologia, de partida concebida como modelo agrícola e alimentar antagônico ao agronegócio contemporâneo, como diretriz central para o seu Programa de Reforma Agrária Popular. Assim, noções como produção, terra, meio ambiente/natureza e agroecologia serão abordadas neste trabalho enquanto categorias políticas sem-terra que são empunhadas como bandeiras a nível nacional e apropriadas e significadas localmente a partir de processos e demandas sociais locais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luiza Reis do Nascimento (UFMG), Rebeca Cássia de Andrade (PBH)
Resumo: Os modos de produção coloniais de alimentos têm nos levado a emergências climáticas que afetam as formas de vida no planeta. Contrapondo-se a esse modelo, destacam-se as resistências de povos tradicionais, como o Coletivo de Agricultores e Agricultoras Familiares Indígenas Romzã, na Terra Indígena Xakriabá (TIX). Este grupo busca construir refúgios sustentáveis dentro da sua realidade semiárida, agravada pelas Mudanças Climáticas, promovendo esperança na relação com a terra, o território e na produção de alimentos. O artigo relata o processo de criação de um calendário agroecológico interativo de plantio e colheita, iniciado em 2021 pelo edital Urbe Urge do BDMG. O calendário propõe um fortalecimento e integração entre as demandas do PNAE e do PAA com a produção dos agricultores familiares da TIX. Além disso, a iniciativa transborda fronteiras disciplinares, ao estimular discussões sobre retomadas de conhecimentos e sobre a revitalização da língua Akwê-Xakriabá. Em 2024, o calendário tem sido aprimorado com apoio de projeto pela Inter-American Foundation, agora com a tradução para o idioma Akwê e impressão em maior escala para distribuição nas escolas da TIX.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marcus Antonio Schifino Wittmann (Museu Nacional)
Resumo: “Nós somos uma parte do rio Xingu. Nós conhecemos o rio como nossas próprias vidas, como ele nasce, como ele se comporta, quando ele precisa de ajuda, quando podemos ajudar”. Essa frase de Diel Juruna encapsula as estratégias de luta e resistência dos Juruna (Yudjá) frente a destruição promovida pela UHE Belo Monte em seu território tradicional. Desde 2015, com o início do funcionamento da hidrelétrica, a região da Volta Grande do Xingu sobrevive sob um novo regime hídrico. Em torno de 80% da vazão do rio é desviada para o canal de derivação da UHE, formando um Trecho de Vazão Reduzida de 130km, local onde há terras indígenas e comunidades ribeirinhas. Essas populações chamam esse processo de “roubo das águas”, tornando o rio Xingu doente. Os Juruna (Yudjá) da Terra Indígena Paquiçamba, a menor T.I. da bacia do Xingu, ativam diferentes estratégias, atores e discursos para reconstruir a paisagem, o rio e seus modos de vida. Essas ações vão desde protestos e fechamento de rodovias, o estabelecimento de uma área de conservação de ninhos de tracajá, a criação do Monitoramento Ambiental e Territorial Independente (MATI), até táticas de aproximação e aproveitamento dos projetos de mitigação propostos pela Norte Energia, a concessionário de Belo Monte. Esse trabalho é fruto de uma pesquisa etnográfica em andamento junto aos Juruna (Yudjá), navegando com eles pelo rio, acompanhando reuniões com a Norte Energia, vistorias com IBAMA e FUNAI, e campos e atividades do MATI.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mariana de Andrade Soares (EMATER)
Resumo: Os estudos etnológicos e etnográficos sobre os Guarani demonstram a importância da agricultura para a reprodução do seu modo de ser e estar no mundo (na língua guarani, traduzido como mbya reko). O ato de plantar possui significados simbólicos e culturais, para além da perspectiva utilitarista de produção de alimentos (autoconsumo e/ou comercialização de excedentes), demarcando diferenças em relação aos não índios (categorizados como “agricultores familiares”). Os Guarani são horticultores milenares, cujos usos, saberes e práticas de manejo do ambiente que habitam, suas relações humanas e não humanas, revelam outros modos de saber e fazer a agricultura.
Desde 2002, minha experiência com os coletivos Guarani tem sido a partir do exercício profissional como antropóloga na instituição oficial de assistência técnica e extensão rural no Rio Grande do Sul, responsável pela execução de políticas públicas que incidem sobre os seus territórios e modos de vida. Mesmo diante de situações históricas que resultaram na perda gradativa de seus territórios tradicionais, no seu confinamento, os Guarani protagonizam resistências frente à expansão do agronegócio na região sul do Brasil, (re)afirmando outras cosmopolíticas no contexto atual e latente dos impactos globais das mutações climáticas.
O presente artigo tem como objetivo realizar algumas reflexões sobre a agricultura Guarani, através de seus discursos, suas práticas e relação com as políticas públicas no contexto do Rio Grande do Sul.
O potencial etnográfico dessas reflexões é dar visibilidade às capacidades de agência e resilência dos coletivos Guarani, assim como, construir subsídios para a formulação de políticas públicas, garantindo o protagonismo e a autonomia dos povos indígenas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marisa Barbosa Araújo (UFV)
Resumo: É sabido que, embora as mudanças climáticas sejam uma realidade global, suas consequências impactam a população de forma desigual. A agricultura familiar amazônica é diretamente afetada pelas alterações climáticas, que comprometem sistemas produtivos e modos de vida, impactando a produção de alimentos e, portanto, a segurança alimentar de pequenos agricultores.
Populações locais possuem conhecimentos e práticas que estão intrinsecamente ligados à observação e interpretação das mudanças climáticas, fundamentados em um sistema de classificações e ordenações próprias, culturalmente construído, transmitidos de geração em geração e atravessados pela experiência cotidiana
A vila de Entre Rios localiza-se no município de Caroebe, no sudeste de Roraima, em área de Floresta Tropical Úmida e dista cerca de 280 quilômetros da capital, Boa Vista. Moradores da localidade se dedicam ao cultivo da banana, dentre outras culturas. Além da prática agrícola outras atividades são também empreendidas por este coletivo: a pesca, a caça e a coleta de castanha. Tais atividades requerem o conhecimento e manejo de refinadas técnicas de percepção e observação da paisagem, de seus coabitantes, além de fenômenos atmosféricos e astronômicos. Assim, conhecimentos específicos sobre o clima são partilhados, percebidos e até mesmo antecipados por moradores através do reconhecimento e interpretação de indicadores sensíveis. O uso desses conhecimentos sobre os sinais da natureza é compartilhado com os mais próximos e define a época certa de começarem a se preparar para um tempo de chuva ou um tempo de estiagem, para o preparo de roçados e plantio.
Buscamos neste trabalho abordar o conhecimento de pequenos agricultores moradores da Vila entre Rios, em Roraima, acerca de prognósticos de alterações climáticas além de apontar estratégias utilizadas por estes agricultores para lidar com os desafios climáticos na Amazônia.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Melanie Antin (UNIVERSITE PARIS CITÉ)
Resumo: Com base em uma pesquisa etnográfica realizada no Chile, principalmente na região da Araucanía, minha apresentação se concentrará nas contribuições das mulheres rurais e indígenas para repensar os termos de uma agroecologia feminista. Organizadas como um coletivo auto gestionado em escala micro e ligadas a uma rede nacional de mulheres rurais, as mulheres pesquisadas estão defendendo a soberania alimentar e questionando as relações de poder (classe/gênero/raça) dentro do sistema alimentar e agrícola dominante. Veremos como a horta mapuche, historicamente ocupada por mulheres, é um espaço para transmissões in situ, emocionais e altamente estéticas, em oposição às monoculturas promovidas pelas políticas de desenvolvimento agrícola. Essas monoculturas, essencialmente plantações florestais, contribuem para a formação de "ruínas" coloniais e tóxicas, afetando particularmente as mulheres rurais e indígenas. A horta é um espaço íntimo para as mulheres mapuche, um lugar onde a terra e o corpo cuidam um do outro e onde a noção de "reparação" assume múltiplos significados. As mulheres pesquisadas estão envolvidas em nível comunitário, regional e nacional na denúncia do extrativismo em sua territorio, mas também na visibilidade de outras relações com a terra (levar em conta as relações com seres não humanos e invisíveis). Desde as práticas micropolíticas (como a troca) até a luta mais visível contra os megaprojetos, elas estão passando da esfera íntima para a esfera pública. Eles estão destacando o valor das sementes como repositório da vida e da memória e reivindicando políticas públicas mais justas que levem em conta suas próprias realidades, ao mesmo tempo em que fazem parte de uma luta primordialmente comunitária para o "Buen vivir".
Embora a alimentação possa reproduzir desigualdades e opressões nas relações sociais de gênero e raça, minhas análises mostram que as mulheres podem usá-lo como uma ferramenta emancipatória. Longe de todas elas fazerem parte explicitamente de uma dinâmica politizada, elas expressam a necessidade de pensar sobre a justiça ambiental e o anticolonialismo pelo prisma da alimentação. Apesar das contradições internas, suas contribuições são essenciais para atualizar a visão frequentemente essencializada das mulheres rurais do Sul e para ajudar a construir alternativas alimentares sustentáveis e justas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nahikari Santano Urkidi (UNIVERSIDAD DEL PAÍS VASCO)
Resumo: Desde os anos 90 do século passado, um grupo cada vez maior de pessoas do País Basco (território dividido entre a Espanha e a França) participa do ritual de temazcal. Em sua origem, este ritual era utilizado pelos indígenas da América do Norte e da Mesoamérica. Posteriormente, após um encontro entre membros da comunidade mexicana nos Estados Unidos e os indígenas Lakota nos anos 80, decidiram disseminar sua cosmologia através da propagação deste ritual. Foi dessa forma que eles também chegaram ao País Basco, em uma tentativa que chamaram de "Reconquista espiritual" da Europa. Porém, essa disseminação do conhecimento indígena tem causado certa controvérsia, especialmente entre os acadêmicos do Norte global. Ao mesmo tempo, no País Basco, tanto o temazcal quanto todas as práticas espirituais não 'convencionais' sofrem rejeição da sociedade, sendo as mulheres as principais participantes. Num contexto mundial permeado pelo capitalismo, pelo sistema de gênero, pelo Antropoceno e pela colonização, a sociedade basca, com sua identidade e idioma próprios, enfrenta a chegada de migrantes do Sul global sem poder lidar com o passado colonial e o racismo atual da sociedade. No trabalho de campo realizado no País Basco, investiguei como as mulheres participantes do ritual do temazcal constroem uma espiritualidade baseada na conexão com a natureza, distante dos cânones ocidentais e fundamentada nos conhecimentos transmitidos pelos indígenas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Raquel Rau (UFPEL), Renata Menasche (UFPEL)
Resumo: O alimento é elemento central da vida e sua produção é dependente da vida do e no solo. Entretanto, observamos no planeta, constantes extinções, entre elas a de pequenos seres que dão sustentação à vida do solo. Mutações climáticas que envolvem a geo, bio e antroposfera estão acontecendo, resultantes do modo de ver e estar nas relações que permeiam a vida, herdadas do colonialismo. Em direção contrária à vida, a ciência hegemônica busca solucionar problemas decorrentes desse processo apoiando-se na pretensa separação entre natureza e cultura e supremacia do homem moderno ocidental, invalidando os saberes tradicionais. Já, os agricultores ecologistas que fazem parte da pesquisa, localizada na metade sul do Rio Grande do Sul, sabem que a vida invisível da e na terra é que faz o alimento crescer, por isso buscam preservar técnicas tradicionais que privilegiam a diversidade da microbiota do solo. Em suas palavras, eles dizem que fazem terra. Por outro lado, diante da presença de pequenos invertebrados, como larvas de insetos, por exemplo, consumidores da Feira Agroecológica Ana Primavesi, em Santa Maria (RS), demonstram a percepção de contaminação do alimento. Essa percepção de risco alimentar vem sendo construída pelo sistema agroalimentar hegemônico que, apoiado em normas sanitárias e alicerçado no conhecimento científico, impõe a perspectiva de que a ausência de microrganismos configura o alimento como seguro, constituindo uma visão germofóbica (PAXSON; HELMREICH, 2013). Diante da guerra estabelecida contra os microrganismos, consumidores indicam como tendência desconsiderar o que não é enxergado (agrotóxicos e aditivos químicos), voltando a atenção ao que pode ser visto, como pequenos insetos. Assim, embora o alimento faça parte da vida, a construção social do alimento seguro conduz à ideia de que a natureza é o inimigo e, se o inimigo é invisível, microscópico, fica evidente a necessidade de entregar esse combate a um especialista, o sistema agroalimentar hegemônico. Nesse quadro, ao etnografar o fazer terra de agricultores e as percepções de risco alimentar de consumidores, esta pesquisa busca compreender processos que contribuam para a continuidade de gaia enquanto sistema complexo, vivo e dinâmico. É nesse quadro que diversos autores (MARRAS, 2014; COCCIA, 2018; TSING, 2019) validam a urgência em transformar nossas relações com os não-humanos e em realizar novos pactos, que estabeleçam limites ao humanismo moderno ocidental, reorientando os rumos a que tende o Antropoceno, dadas a necessidade de conservação das espécies vegetal, animal e humana. O alerta, seja na forma de enchentes, secas ou pandemia, está dado. O momento de cuidarmos de tudo quanto há é o agora.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rita Becker Lewkowicz (Instituto Iepé)
Resumo: As Terras Indígenas Uaçá, Galibi e Juminã, estão situadas no município de Oiapoque/AP. Nesta região, vivem os indígenas Karipuna, Galibi Marworno, Galibi Kali’na e Palikur, exímios pescadores e agricultores, conhecedores dos movimentos das águas, do comportamento das espécies pesqueiras e de uma diversidade de produtos da sociobiodiversidade. Há mais de cinco séculos mantém relações com a sociedade não indígena, de diferentes formas. Uma das principais é a comercialização da farinha de mandioca e seus derivados, que costumava abastecer integralmente o município. Toneladas de farinha e outros produtos agrícolas chegavam semanalmente na cidade, provenientes das diferentes aldeias da região. Mais de 60 variedades de mandioca foram identificadas a partir de um levantamento dos pesquisadores indígenas da região, em 2011, cultivadas com base em seu complexo sistema agrícola tradicional.
Contudo, nos últimos anos, essa realidade mudou. O regime de chuvas tem se alterado, trazendo um grande impacto para os sistemas agrícolas. O excesso de chuvas no período de abertura das roças tradicionais (no sistema de queima e coivara) fizeram com que algumas famílias não conseguissem abrir novas roças, assim como outras roças não queimassem direito. Especialmente em 2022 e 2023, houve uma proliferação de pragas e doenças, que acometeram a maior parte das roças dos 9mil indígenas que vivem na região. As plantas de mandioca, antes vigorosas e verdes, começam a secar e as raízes chegam a apodrecer antes de amadurecer.
Segundo avaliação da Embrapa, foram identificados diferentes microorganismos que estão afetando a sanidade da mandioca. Essa situação também foi registrada no outro lado do rio, na Guiana Francesa, e em outro município. Esses técnicos afirmam que não há previsão de quando essa situação se normalizará, podendo levar até uma década. Ao mesmo tempo, propõem ações de enfrentamento e mitigação fundamentadas em conhecimentos técnico-científicos que desconsideram os conhecimentos dos povos indígenas. Por sua vez, os indígenas têm suas explicações próprias e vêm discutindo, experimentando e buscando nos conhecimentos e práticas tradicionais formas de enfrentar o problema.
Tamanha catástrofe fez com que os indígenas comparassem o problema das roças à pandemia da Covid-19, nomeando esse momento como da “pandemia das roças”. Neste trabalho, fruto das discussões com os agentes ambientais indígenas do Oiapoque, pretende-se abordar três aspectos do impacto dessa situação para a população indígena do Oiapoque: a) insegurança alimentar, b) diminuição da renda familiar indígena e aumento de atividades exploratórias, e c) desvalorização dos conhecimentos indígenas e perda de variedades endógenas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Silmara Moraes dos Santos (UFPI)
Resumo: Este artigo tem como objetivo investigar, de maneira inicial, a partir da etnografia, processos de resistência, os limites e as possibilidades de re-habitar o território a partir das ações corporais sob a ótica de mulheres da comunidade Alegria (território Campestre), localizado na região dos Cocais, no município de Timbiras, Maranhão (distante 284 km da capital São Luís). Visa ainda, narrar as experiências de afetação vividos por mim durante as etapas do mutirão – mobilizações coletivas para reflorestamento em áreas altamente desmatadas – da construção do SAF (Sistema Agroflorestal). As fazendas e empreendimentos em curso sobre as 22 comunidades que compõem o território onde vivem cerca de 360 famílias e que compreende uma área de 17.000 hectares são marcadas por um contexto de violências socioambientais desencadeadas pelas fronteiras agroextrativistas que avançam sobre essas terras, impondo novas prática, derrubando matas, envenenando rios e promovendo um verdadeiro estado de guerra. Os mutirões de reflorestamento na comunidade Alegria apresentam-se como lócus interessante para análise das técnicas corporais utilizadas durante o trabalho, sobretudo braçais. A partir das vivências em campo e de formulações teórico-metodológicas foi possível compreender que as mulheres, em especial, reivindicam e constroem uma forma de habitar o território contrastante com os fazendeiros e empresas com quem disputam a terra, na tentativa de pensar outras relações de cuidado e interdependência entre humanos (não-humanos?) e a natureza.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Simone Alves de Almeida (UFRGS), Josiane Carine Wedig (UTFPR)
Resumo: Os Mbyá-Guarani estão na linha de frente contra as mudanças climáticas, junto a outros povos indígenas, comunidades quilombolas e camponesas. Tendo um modo próprio de conceber a terra e os outros seres que a compõem, eles vêm atualizando suas estratégias para enfrentar a destruição de seus territórios ancestrais e do planeta. De que modo a resistência Mbyá-Guarani tem interpelado a marcha de destruição do Antropoceno? Essa pesquisa ocorreu com comunidades Mbyá-Guarani que vivem junto da floresta, na Mata Atlântica do RS. Ao acompanhar o guatá (caminhar) Mbyá, nos perguntamos: que modos de relação com a terra e com os outros seres há em seu mundo? Como eles favorecem a habitabilidade das paisagens que compõem seu guatá tape porã? Em que esses modos de se relacionar com a terra se diferem do juruá-reko - o Habitar Colonial do Antropoceno? (Ferdinand, 2022). Quatro categorias de análise emergem da experiência de acompanhar o guatá a partir destas aldeias. A primeira delas é “A Retomada da Terra” como experiência na qual os Mbyá-Guarani executam uma estratégia política de proteção de determinados territórios, não só requerendo para si o direito territorial, mas impedindo sua destruição. “A Paisagem Mbyá” é uma segunda categoria, na qual procuramos mostrar como se constituem essas paisagens (Tsing, 2019) e como elas se diferem das paisagens ocupadas pelos juruá. A terceira categoria é o que chamamos “Presenças Multiespécies”, e onde abordamos como a cotidianidade Mbyá é habitada por muitos seres, construída com eles, que são reconhecidos em importância, lugar e espírito. A quarta categoria é o “Guatá Tape Porã”, onde abordamos o guatá como elemento fundamental do modo de vida Mbyá e que permite perceber um jeito de caminhar na terra com efeitos muito distintos daqueles vinculados ao Antropoceno. A pesquisa mostra que aquilo que o juruá chama de preguiça, dizendo que “índio não sabe trabalhar”, “que é um atraso para o desenvolvimento da nação”, é o modo de vida desse povo e uma atitude ativa e deliberada de viver sem destruir aquilo que possibilita a própria vida. Atitude esta que é baseada na compreensão de que essas condições dependem de relacionalidades entre distintos seres. A pesquisa traz a perspectiva dos Mbyá-Guarani sobre a terra, as mudanças climáticas, e aborda aquilo que eles apontam sobre o juruá-reko, como o responsável pela destruição das condições de habitabilidade do planeta. O modo contracolonial (Santos, 2023) de habitar e caminhar dos Mbyá-Guarani apresenta inúmeros modos de resistência (Santos, 2023) ao Habitar Colonial do Antropoceno (Ferdinand, 2022).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Simone da Conceição Silva (UFF)
Resumo: A perda de sementes crioulas é um tema multifacetado, que se por um lado nos remete às heranças nefastas deixadas pela empreitada colonial e às consequências da biopirataria capitalista da Revolução Verde, por outro, pode conceder uma oportunidade singular de pensar com um conjunto de questões intrínsecas a ciclos intermitentes de existência. O plantar, selecionar, comer e guardar fazem parte de trajetos superpostos e interdependentes que configuram o fazer-mundo de agricultoras e agricultores e de suas sementes. Cada uma dessas ações, a depender de uma série de fatores, por exemplo, uma estiagem prolongada ou chuvas torrenciais imprevistas, incorre em alguns riscos e figura, assim, uma trama de eventos cotidianos que pode culminar em incontornáveis perdas, mas também em ressurgimentos. O desafio, destarte, é conduzir as tarefas da lida com a terra diante da certeza de que as sementes coalescem, se transformam e, sobretudo, se decompõem. A partir de histórias alternativas de cultivo, de guarda e de resgate de sementes crioulas do agreste paraibano, estou interessada em analisar como a perda enquanto decomposição (e não pela exaustão ou alienação) nos ajuda a desestabilizar noções hegemônicas como, por exemplo, “produção”, “recurso”, “sustentabilidade”, ou mesmo a concepção linear de processos que são, de fato, cíclicos e espiralados. Darei especial destaque às histórias de colapsos (de regeneração com a morte) para refletir em que medida o “desmantelo" suscita obrigações ecopoéticas (Bellacasa, 2021) alinhavadas à expressiva multiplicação de sementes crioulas. A pesquisa etnográfica na qual esta comunicação se baseia vem sendo desenvolvida desde agosto de 2023 com um grupo de agricultoras e agricultores da mesorregião do agreste da Paraíba, e tem como objetivo central analisar como mulheres, a partir da guarda de sementes, sinalizam para formas insurgentes de forjar relacionalidade ecológica por meio de ações coletivas e interdependentes, que gestam mundos e apontam para outros modelos de habitar o planeta.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Tereza Raquel Arraes A. Rocha (UFC), Karlene da Silva Andrade (UFBA)
Resumo: Este texto se elabora a partir do encontro de duas pesquisadoras indígenas em Retomada, da área de antropologia e comunicação social, convocadas pela sua ancestralidade/espiritualidade a pensar com a Caatinga. A pesquisa e as pesquisadoras estão situadas no Ceará, lugar no qual este bioma é dominante, vindas de extremos diferentes - uma criada na capital, litoral, outra na ponta do Estado, no Crato-Cariri, onde se abriga a Floresta Nacional do Araripe - suas trajetórias se encontram nos sonhos/ações de vida e acadêmicas, que buscam técnicas e mecanismos para confluir em favor da Terra. Deste modo, numa perspectiva antropológica multiespécie, refletimos como a Caatinga está atrelada às formas de resistência no Nordeste, em especial no Cariri-CE. Fazemos isso, a partir dos arquivos do boletim "O Candeeiro", elaborado pelas organizações agroecológicas deste território. As narrativas do boletim nos contam sobre os modos de vida do/no campo, a partir das perspectivas de seus especialistas, usualmente chamados de agricultoras/es familiares. Para pensar este trabalho, fazemos alianças com pensadores indígenas e quilombolas, como Antônio Bispo e Casé Angatu. Considera-se assim, que a(s) Caatinga(s) para além de um bioma, é também uma forma de estar no mundo, que se liga às formas de (re)existências caatingueiras e evidenciam as relações multiespécies dos povos indígenas com o Semiárido.