ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 005: Antropoceno, Colonialismo e Agriculturas: resistências indígenas, quilombolas e camponesas diante das mutações climáticas
Entre o fazer terra e o consumo de alimentos: uma etnografia da vida no solo ao alimento na mesa
O alimento é elemento central da vida e sua produção é dependente da vida do e no solo. Entretanto, observamos no planeta, constantes extinções, entre elas a de pequenos seres que dão sustentação à vida do solo. Mutações climáticas que envolvem a geo, bio e antroposfera estão acontecendo, resultantes do modo de ver e estar nas relações que permeiam a vida, herdadas do colonialismo. Em direção contrária à vida, a ciência hegemônica busca solucionar problemas decorrentes desse processo apoiando-se na pretensa separação entre natureza e cultura e supremacia do homem moderno ocidental, invalidando os saberes tradicionais. Já, os agricultores ecologistas que fazem parte da pesquisa, localizada na metade sul do Rio Grande do Sul, sabem que a vida invisível da e na terra é que faz o alimento crescer, por isso buscam preservar técnicas tradicionais que privilegiam a diversidade da microbiota do solo. Em suas palavras, eles dizem que “fazem terra”. Por outro lado, diante da presença de pequenos invertebrados, como larvas de insetos, por exemplo, consumidores da Feira Agroecológica Ana Primavesi, em Santa Maria (RS), demonstram a percepção de contaminação do alimento. Essa percepção de risco alimentar vem sendo construída pelo sistema agroalimentar hegemônico que, apoiado em normas sanitárias e alicerçado no conhecimento científico, impõe a perspectiva de que a ausência de microrganismos configura o alimento como seguro, constituindo uma visão germofóbica (PAXSON; HELMREICH, 2013). Diante da guerra estabelecida contra os microrganismos, consumidores indicam como tendência desconsiderar o que não é enxergado (agrotóxicos e aditivos químicos), voltando a atenção ao que pode ser visto, como pequenos insetos. Assim, embora o alimento faça parte da vida, a construção social do alimento seguro conduz à ideia de que a natureza é o inimigo e, se o inimigo é invisível, microscópico, fica evidente a necessidade de entregar esse combate a um especialista, o sistema agroalimentar hegemônico. Nesse quadro, ao etnografar o fazer terra de agricultores e as percepções de risco alimentar de consumidores, esta pesquisa busca compreender processos que contribuam para a continuidade de gaia enquanto sistema complexo, vivo e dinâmico. É nesse quadro que diversos autores (MARRAS, 2014; COCCIA, 2018; TSING, 2019) validam a urgência em transformar nossas relações com os não-humanos e em realizar novos pactos, que estabeleçam limites ao humanismo moderno ocidental, reorientando os rumos a que tende o Antropoceno, dadas a necessidade de conservação das espécies vegetal, animal e humana. O alerta, seja na forma de enchentes, secas ou pandemia, está dado. O momento de cuidarmos de tudo quanto há é o agora.