Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 005: Antropoceno, Colonialismo e Agriculturas: resistências indígenas, quilombolas e camponesas diante das mutações climáticas
Perdas e decomposições de sementes crioulas no agreste paraibano
A perda de sementes crioulas é um tema multifacetado, que se por um lado nos remete às heranças nefastas deixadas pela empreitada colonial e às consequências da biopirataria capitalista da Revolução Verde, por outro, pode conceder uma oportunidade singular de pensar com um conjunto de questões intrínsecas a ciclos intermitentes de existência. O plantar, selecionar, comer e guardar fazem parte de trajetos superpostos e interdependentes que configuram o fazer-mundo de agricultoras e agricultores e de suas sementes. Cada uma dessas ações, a depender de uma série de fatores, por exemplo, uma estiagem prolongada ou chuvas torrenciais imprevistas, incorre em alguns riscos e figura, assim, uma trama de eventos cotidianos que pode culminar em incontornáveis perdas, mas também em ressurgimentos. O desafio, destarte, é conduzir as tarefas da lida com a terra diante da certeza de que as sementes coalescem, se transformam e, sobretudo, se decompõem. A partir de histórias alternativas de cultivo, de guarda e de resgate de sementes crioulas do agreste paraibano, estou interessada em analisar como a perda enquanto decomposição (e não pela exaustão ou alienação) nos ajuda a desestabilizar noções hegemônicas como, por exemplo, “produção”, “recurso”, “sustentabilidade”, ou mesmo a concepção linear de processos que são, de fato, cíclicos e espiralados. Darei especial destaque às histórias de colapsos (de regeneração com a morte) para refletir em que medida o “desmantelo" suscita obrigações ecopoéticas (Bellacasa, 2021) alinhavadas à expressiva multiplicação de sementes crioulas. A pesquisa etnográfica na qual esta comunicação se baseia vem sendo desenvolvida desde agosto de 2023 com um grupo de agricultoras e agricultores da mesorregião do agreste da Paraíba, e tem como objetivo central analisar como mulheres, a partir da guarda de sementes, sinalizam para formas insurgentes de forjar relacionalidade ecológica por meio de ações coletivas e interdependentes, que gestam mundos e apontam para outros modelos de habitar o planeta.