Grupos de Trabalho (GT)
GT 097: Sistema de justiça e a (re)produção da cultura jurídica brasileira
Coordenação
Roberto Kant de Lima (UFF), Daniel Schroeter Simião (UNB)
Debatedor(a)
Michel Lobo Toledo Lima (INCT-InEAC), Theophilos Rifiotis (UFSC), Fábio Reis Mota (Departamento de Antropologia)
Resumo:
As discussões propostas por este SE priorizam investimentos a partir de pesquisas empíricas – etnográficas ou etnografia com outros métodos de pesquisa - que problematizam processos de desconstrução e relativização de práticas jurídicas que propiciem a construção de um saber crítico e reflexivo em diálogo entre a Antropologia e o Direito. Essa abordagem permite, como vem sendo demonstrada pelas inúmeras pesquisas realizadas no âmbito do Núcleo de Pesquisa em Processos Institucionais de Administração de Conflitos (NUPIAC/PPGD/UVA) e demais pesquisadores do Instituto de Estudos Avançados em Administração de Conflitos (InCT/InEAC/UFF), a análise de temáticas relacionadas aos rituais judiciários, sistemas de justiça, etnografias de espaços judiciais ou extrajudiciais, os discursos jurídicos, e o fazer de diversas profissões jurídicas. Também interessa discutir problemas específicos de pesquisa antropológica aplicada ao campo do Direito, tais como: formas de delimitação do objeto da pesquisa, o ingresso em campo e o diálogo entre percepções e abordagens sobre os percursos das pesquisas e o lugar do pesquisador, além da compreensão do ponto de vista dos interlocutores no trabalho de campo, os sentidos que atribuem às suas práticas, dilemas éticos e morais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Adara Pereira da Silva (UFRN)
Resumo: Este trabalho reflete sobre a construção histórica da legislação referente ao trabalho doméstico no
Brasil. Trata-se de um recorte de uma pesquisa doutoral, elaborada por meio de uma investigação etnográfica
em andamento, que analisa documentos oficiais referentes ao trabalho doméstico e sua relação com a vida
cotidiana das trabalhadoras. Esta atividade laboral foi reconhecida como trabalho formal pelo Estado somente
em 1972, com a Lei n°5859. Parto da hipótese que este reconhecimento tardio ocorreu devido as suas
especificidades, a saber, por exercido no espaço doméstico, por mulheres, brancas ou negras, de classes
populares, sendo um trabalho entrecortado por diferentes eixos de dominação, de modo que, o não
reconhecimento da categoria doméstica enquanto classe trabalhadora seria materializado em sua exclusão pelo
domínio legislativo. Neste contexto, a pesquisa tentará responder a seguinte questão: a Emenda
Constitucional 72/2013, popularmente conhecida como PEC das domésticas, encerrou a segregação jurídica
imposta as trabalhadoras domésticas? Para respondê-la, o objetivo do trabalho é comparar leis, referentes
aos direitos conquistados pelas trabalhadoras domésticas, desde a Consolidação das Leis Trabalhistas até a
Lei Complementar 150/2015. A etnografia dos documentos, como procedimento metodológico, permitiu que o exame
das leis revelasse a trama de significados presentes nestas. Contudo, tais significados não são evidentes. A
linguagem jurídica, tecnicista, disposta em um emaranhado, causa estranhamento e requer um processo de
compreensão da linguagem nativa. Por isso, foi necessário considerar estes aspectos, analisar as minúcias
do sítio oficial, onde estão dispostas as leis, percebendo-as através de seus valor e sentido próprio
(PEIRANO, 2014) e captar as relações de poder inscritas. Assim, a partir do estranhamento à linguagem
jurídica e esforço empregado para sua apreensão, foi possível perceber que, mesmo que as leis analisadas
sejam documentos públicos, a compreensão de seus significados não é pública. A comparação entre as
legislações e a retomada do processo histórico referente ao trabalho doméstico no Brasil, tem por finalidade
apresentar o argumento, à luz da perspectiva de Veena Das e Deborah Poole (2008), que a exclusão legislativa
relacional ao processo histórico do trabalho doméstico no Brasil, tem como função invisibilizá-lo,
relegando-o às margens. Porquanto, a exclusão é necessária a construção das práticas do Estado. Além disso,
examino o papel do campo estatal, a partir de Pierre Bourdieu (2008), na produção das relações específicas
que envolveram o trabalho doméstico e reflito sobre a intransponibilidade do acesso ao Direito pelo uso da
linguagem jurídica, à luz de Arthur Slaibi (2017).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Antônio dos Santos Piinheiro (URCA)
Resumo: Nesta proposta de trabalho, discutiremos os retrocessos decorrentes das mudanças no campo da segurança
pública após a promulgação da Constituição de 1988 no contexto da segurança pública brasileira. Conhecida
pelos juristas, como Constituição Cidadã, a principal das mudanças implantadas por esta Constituição esteve
relacionada ao exercício democrático da população no controle sobre o abuso do poder, corrupção e a
violência policial. Em decorrência dos casos de abuso e violência, problematizamos sobre a concretude de uma
concepção de segurança comunitária e cidadã em que, no plano da apresentação de uma política de segurança,
apresenta-se como garantidora dos direitos humanos aos cidadãos, mas, na prática recorre à violência física
ou simbólica na solução dos conflitos sociais.
Problematizo que os dilemas entre velhas práticas e novas práticas policiais permitem questionar a
constituição de uma nova polícia que, no plano da apresentação, pretende cumprir com as determinações do
direito facultado aos cidadãos, mas, na prática tem recorrido à violência física ou simbólica na solução dos
conflitos sociais. Portanto, ao invés dos acordos formais, observamos que, geralmente, em casos de
abordagens a grupos ou indivíduos estigmatizados, a violência não comedida torna-se, na maioria das vezes, a
máxima de um poder, onde os métodos não convencionais são regra e não exceção. Como problemática desta
proposta de trabalho, problematizo que esta lógica tem comprometido as expectativas do processo civilizador
que pressupõe o respeito e a obediência aos códigos formais dos princípios estabelecidos pelo estado
democrático de direito.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Barbara Gama Dias Reis Silva (UFF)
Resumo: O presente trabalho se desenvolve através da participação em eventos de debate racial na seccional da
OAB RJ e em suas subseções no ano de 2023. Nestes eventos, foram observadas as formas como a cultura
jurídica da ordem dialoga com as categorias de branquitude, hierarquização racial e racismo institucional.
Através dessa perspectiva, observa-se como as relações de interesse, tanto profissionais quanto políticas,
se desenvolvem por meio de eventos, palestras e seminários realizados nos espaços institucionais da OAB. Os
processos eleitorais da ordem e sua distribuição de cargos influenciam as relações estabelecidas nesses
eventos, nos quais participam "homens e mulheres de ordem". A pesquisa busca correlacionar aspectos da
manutenção dos privilégios da branquitude, utilizando como referencial teórico o Pacto da Branquitude de
Cida Bento. Além disso, emprega a Hermenêutica Jurídica Negra de Adilson Moreira para compreender a
diferenciação da perspectiva negra sobre Justiça. Esses referenciais teóricos contribuem para uma análise
mais abrangente das dinâmicas raciais presentes nos eventos e práticas da Ordem dos Advogados do Brasil.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Bruno de Oliveira Rodrigues (UFAM)
Resumo: A ideia central desse texto é apresentar a construção das conexões de sentido que são atribuídos sobre a
base normativa que regula o direito das comunidades quilombolas no Brasil, essa estrutura legal articulada
constitui o sistema que suporta os direitos e tem a condição de materializar realidades e contextos. É neste
sentido que entendemos que a atividade de atribuição de sentido do Direito é condutor da produção,
distribuição e circulação de bens sociais, os quais, no caso, dependem da intersecção do Estado e sua
burocracia organizadora. O método utilizado é a hermenêutica jurídica, a partir do subsídio da teoria
crítica dos direitos humanos. Com isto, este trabalho vai apresentar uma inteligência articuladora entre os
textos jurídicos, fazendo surgir um modelo interpretativo que orienta a integração direcionada dos textos,
do sistema jurídico e da leitura jurisprudencial.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Christina Gladys de Mingareli Nogueira (UFPE)
Resumo: Esta pesquisa de tese teve como objetivo refletir sobre as audiências concentradas da Vara da Infância e
da Juventude, em um município da Paraíba, em diálogo com o referencial teórico da antropologia do direito e
da antropologia das crianças. Pretendi, ao mesmo tempo, analisar como se processa o encontro assimétrico, em
termos de poder legal e repleto de tensões geracionais, entre as crianças que vivem em situação de
acolhimento institucional, seus familiares e os operadores da justiça, dentre outros envolvidos nesses
processos. Assim, busquei compreender os efeitos socioculturais desse movimento de participação das crianças
a partir da ritualística das sessões das audiências, das narrativas e discursos produzidos, das práticas
burocráticas, e da investigação dos protocolos jurídicos. Para tal, a etnografia das audiências se mostrou
uma estratégia de grande relevância na produção dos dados ao buscar compreender como ocorrem esses possíveis
encontros entre agentes com distintas posições sociais hierárquicas. A fim de alcançar os objetivos traçados
por essa pesquisa, a metodologia aplicada foi de ordem qualitativa, considerando um emaranhado de técnicas
de pesquisa. Em primeiro lugar, busquei os recursos bibliográficos referentes à temática estudada. Ainda no
tocante aos recursos metodológicos, recorri à análise documental abordando leis constitucionais, portarias,
regulamentações, entre outros documentos que envolvem o objeto de pesquisa. Além disso, foram realizadas
entrevistas semiestruturadas. Entre os entrevistados estavam pessoas que possuem envolvimento nas audiências
como os juízes, defensores públicos, promotores de justiça, equipe técnica e familiares presentes nas
audiências. Com as crianças, especificamente, realizei oficinas de desenhos temáticos, conversas informais e
etnografia nos espaços das casas de acolhimento. Isto posto, me questiono: Seria essa modalidade de
audiências, as concentradas realizadas também em instituições de acolhimento um processo de uma
sensibilidade jurídica (LIMA, 2010)? Há relações de alteridade nas audiências? Seriam as audiências
concentradas com escuta das crianças um vetor de participação e cidadania no âmbito dessas audiências? São
essas algumas das questões que refletimos. Assim, audiências que possibilitam o diálogo entre os sujeitos a
escuta das crianças, deve ser considerado como uma questão essencial para que as decisões e práticas
burocráticas/jurídicas não promovam o apagamento dos direitos das crianças.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Clarice Tavares Macedo (internetlab)
Resumo: Como uma violência torna-se um crime, mais especificamente, um crime eleitoral? Como julga a Justiça
Eleitoral? Quais são as particularidades de uma violência de gênero ser um crime eleitoral? Como disputas
políticas expressam-se no mundo do direito? Essas são algumas das questões que pretendo elaborar na
apresentação, que é parte da minha pesquisa de mestrado, em andamento, que tem por objetivo principal
perseguir a produção, articulação e mobilização da categoria de violência política de gênero por movimentos
sociais e pelo poder judiciário. Após o assassinato de Marielle Franco, em 2018, o tema da violência
política de gênero ganha tração no Brasil e, entre outras consequências, enseja a aprovação da Lei nº
14.192/2021 que introduz ao Código Eleitoral o art. 326-B que tipifica o crime de violência política contra
a mulher com pena de reclusão de um a quatro anos.
Por fazer parte do Código Eleitoral, a justiça competente para analisar e julgar casos de violência política
contra mulher é a Justiça Eleitoral. Contudo, é preciso levar em consideração que uma etnografia sobre a
Justiça Eleitoral encontra-se em uma tríplice fronteira, que exige um constante diálogo, tradução e
interpretação de termos, conceitos e categorias do mundo do direito e do mundo político para uma análise
antropológica. Isso porque a Justiça Eleitoral guarda diversas particularidades, quando comparada a outras
esferas do poder judiciário, que são, em geral, objeto de estudos antropológicos. Pode-se dizer que a
Justiça Eleitoral é um híbrido, que não apenas tem competência para conflitos político-eleitorais quando
provocada; mas tem também poder administrativo e regulamentar. Ainda, ao contrário dos tribunais de justiça
comuns, a Justiça Eleitoral tem uma composição rotativa, ou seja, a cada dois anos, juízes da justiça comum
atuam, durante um biênio, como juízes eleitorais.
Nesse sentido, pensar a criminalização, a nível eleitoral, coloca uma série de questões para a reflexão
antropológica e, também, para a reflexão jurídica. Nesta apresentação, busco discutir as implicações de se
realizar uma etnografia nessa esfera do judiciário e abordar aspectos dos autos processuais referentes ao
crime de violência política contra mulher. Por ser um tipo penal recente, existem ainda poucos casos
tramitando na Justiça Eleitoral. Ao longo de minha etnografia, identifiquei 18 casos sobre o tipo penal. A
partir da imersão nos autos, busco traçar reflexões sobre quem são as pessoas que acionam a Justiça
Eleitoral, quais agressões são compreendidas como violência política, quais são as implicações de se julgar
um crime que, via de regra, estão sempre gravados, registrados e com testemunhas; e como fazer política e
fazer justiça confundem-se na Justiça Eleitoral.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Clerismar Aparecido Longo (UNB)
Resumo: Trato da construção discursiva da identidade de Doca Street, assassino de Ângela Diniz, em mídias
sociais de grande circulação à época do crime e de seu desfecho. Com base em algumas noções da análise do
discurso de matriz foucaultiana, tentei apreender como os jornais Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, O
Globo e o Estado de Minas, bem como as revistas Veja e Manchete inscreveram sentidos sobre o autor do
assassinato e do crime, a partir do gênero e de suas interseccionalidades com os marcadores sociais de
classe, sexualidade e cor/raça, com foco nas masculinidades, enquanto chave de leitura em perspectiva
histórica.
No caso do assassinato de Ângela por Doca, os discursos em disputa mais evidenciados são o conservador, de
viés misógino, que vitimiza o assassino e constrói uma representação negativa da assassinada, com base no
histórico de vida de ambos, principalmente no que se refere as suas relações afetivo-amorosas, associadas
por vezes a questões de classe, cor/raça e religião, a partir de um olhar ancorado em padrões normativos de
um determinado tempo-lugar; e um progressista, de viés feminista, que denuncia a violência e a opressão de
homens sobre mulheres e que reivindica a igualdade de direitos entre ambos. Por meio desses discursos, é
possível apreender a maneira como o fenômeno da violência de gênero contra mulheres, em circunstâncias
afetivo-amorosas e/ou sexuais, é sintomático do conflito de valores hegemônicos vs contra-hegemônicos, onde
estão colocadas em pauta as relações hierárquicas entre masculinidades e feminilidades.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Deybson de Sousa Cavalcante (UFC)
Resumo: O presente trabalho pretende discutir os sentidos das moralidades acionados nas seções do Tribunal do
Juri em uma comarca na cidade de Fortaleza. A partir do campo etnográfico em andamento, desejamos evidenciar
como os aspectos das moralidades, das técnicas e dos saberes, Medeiros (2016), são utilizados nas seções do
tribunal do Juri como um elemento cristalizador da tipificação penal. Entendendo que a fase investigativa de
um caso de homicídio é uma das etapas do fluxo de justiça, Ribeiro (2010), ou seja, antes da Seção do Juri,
a investigação para um caso de homicídio é uma etapa que se exerce empírica e cotidianamente nas delegacias
e no Ministério Público, isto é: a efetiva interpretação de eventos como crimes cometidos por indivíduos em
contextos singulares e por agências que o interpretam em cumprimento da lei (Misse, 2011) e que se
reverberam (ou não) no tribunal do juri. Esses elementos morais da investigação de um caso de homicídio
descortinam o que há em seu resultado (investigativo) em face às sensações dos rituais de julgamento de
homicídios. As fases que se intercruzam entre Ministério Público e Delegacia de polícia sugerem ao tribunal
no tribunal do Juri elementos que podem (ou não) ser utilizados nas suas naturezas ritualísticas,
Schritzmeyer (2007) do julgamento, portanto se pretende visualizar como esses elementos podem ser acionados.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Eduardo Ramos Junior (PPCIS UERJ)
Resumo: O presente artigo discute o papel das audiências de custódia como instrumento garantidor de direitos
humanos dos custodiados e do aperfeiçoamento do controle da atividade policial à luz dos dados produzidos
pelo sistema de justiça. Frente a novidade do rito, há um processo de entendimento por parte das
instituições e dos operadores jurídicos sobre os sentidos e resultados das audiências, tanto para o
custodiado como para a prestação da justiça como um todo. Ao analisar como e o tipo de informações
sistematizadas pelas as instituições busco compreender quais aspectos das audiências são considerados
relevantes e seus possíveis usos como um instrumento de política pública. Para tanto utilizo de entrevistas
com Magistrados, Defensores Públicos e Promotores de Justiça, análise documental e de dados.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Erick Sobral dos Santos Pereira (SEOP Maricá)
Resumo: Fenômenos sociais como segregação urbana, violência, descumprimento de normas, manifestações e
realização de grandes eventos passaram a ser pauta de atuação diária dos guardas municipais no Brasil, cujo
conceito de policiamento preventivo baliza cada vez mais o agir como condição direta das leis que regem a
Administração Pública. Esse escopo jurídico traduz-se em impedir ou paralisar atos antissociais pela
mediação, fiscalização e orientação em face de conflitos em potencial.
Sendo evidente o crescimento populacional do supracitado município, ante o planejamento do Poder Executivo
em infraestrutura, comércio, serviços, educação, materializados pelo recebimento do maior fluxo de caixa no
país devido ao repasse dos royalties na extração de petróleo da bacia de Santos (para exemplificar, em 2022
foram recebidos 2,5 bilhões de reais), o controle sobre os índices de criminalidade é importante pauta
política, para que se possa garantir qualidade de vida e investimentos do setor privado.
Neste cenário onde os Estados da Federação encontram-se fragilizados economicamente, a proposta de pesquisa
passa pelo entendimento de como estão pautadas as funções dos guardas municipais (GMs) e, consequentemente,
o grau de autonomia que receberão do Poder Executivo municipal.
Passa a merecer atenção como surgem as notícias após o atendimento das ocorrências pelos(as) guardas. Tais
indagações postas servem para dar embasamento crítico e científico ao rumo dessa instituição em constante
expansão. Serão selecionadas matérias extraídas de jornais eletrônicos, levantamento bibliográfico sobre
atuação da mídia enquanto formadora de opinião, análise das normas de Direito Administrativo correlatas a
Guarda Municipal e sobre a segurança pública nacional. Através de entrevistas com jornalistas locais e
conversas informais com colegas de profissão, será possível obter maior compreensão sobre o trabalho feito
pela GM de Maricá quando comparados às forças policiais.
Portanto, este trabalho de pesquisa busca retratar, através de etnografia, a visão sobre a relevância das
atividades diárias desempenhadas pelos agentes da Guarda Municipal em todo o território de Maricá; bem como
os comportamentos das pessoas envolvidas na atuação direta com os problemas sociais de uma cidade em
expansão.
Seguindo este norte, será possível obter um melhor entendimento sobre o porquê dos atendimentos dos guardas
municipais serem retratados numa narrativa distinta aos fatos verdadeiramente experimentados.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Fábio Reis Mota (Departamento de Antropologia)
Resumo: O objetivo da proposta é problematizar - a partir de dados etnográficos produzidos ao longo dos últimos
anos por um grupo de pesquisa da UFF (PPGA, NUFEP e o INCT/InEAC) - as tensões existentes entre a razão
iluminista, própria da modernidade factual e científica, e a razão cismática, emergente no cenário global.
Como apontamos em nossos trabalhos, a "razão cismática" tem impactado os alicerces de alguns aparatos
básicos das Democracias modernas, tais como a confiança, a capacidade do estabelecimento de consensos
provisórios e a orientação da ação pública orientada por justificações generalizáveis. Nesse sentido, o ato
de cismar se difere substancialmente da ação de desconfiar. Um ponto central da hipótese levantada e tratada
do ponto de vista etnográfico e antropológico, diz respeito a diferença entre atribuir um julgamento por
meio dos critérios da confiança/desconfiança que permite o estabelecimento de um canal comunicativo
permeabilizado, viabilizando as passagens entre o gesto de confiar e/ou desconfiar a partir do procedimento
de consertaçäo e negociação que podem culminar em consensos provisórios e os desenvolvidos pela via da
cisma que produz uma ruptura comunicativa com o outro-diferente, impermeabilizando os canais comunicativos
a partir do enquadramento do julgamento em celas do absolutismo das certezas. Para tanto, elegeremos alguns
campos empíricos no Brasil e na França, locais nos quais desenvolvemos pesquisas etnográficas, para ilustrar
e problematizar alguns aspectos das lógicas sociais e simbólicas do que denominamos de "razão cismática" de
maneira a compreendermos alguns aspectos da contemporaneidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Fernando Soares Gomes (UFMG)
Resumo: Partindo do reconhecimento da heteronomia da juridicidade e de que movimentos sociais, como o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), também engendram o direito, o presente trabalho propõe-se a
reconstituir e analisar um marco teórico-metodológico que fundamenta a percepção de uma forma de
juridicidade específica, o direito sem-terra. A empreitada em questão opera diante da compreensão de que o
direito ocidental moderno, produzido e controlado pelo Estado, configura um "folk system", ou seja, uma
manifestação singular de um fenômeno mais amplo de regulação social, a juridicidade. Diante dessa premissa,
a operação constitutiva de um modo de vida normativo ou de uma forma específica de juridicidade é um
processo criativo e coletivo ou social, que ganha agência e materialidade em cada contexto. Sendo assim, na
medida em que são diversas as maneiras de habitar o mundo e interagir com o que nos envolve, conforme
demonstram, por exemplo, as experiências de povos e comunidades indígenas e tradicionais no Brasil, também
são múltiplos os horizontes de ordenação e regulação social. Esse debate, apesar da miscelânea de enfoques
acadêmicos e dos avanços político-sociais acumulados ao longo das últimas décadas, ainda pode nutrir
compreensões sobre cenários correntes e suprir lacunas, principalmente quando atrelado ao estudo empírico do
direito. As potencialidades que podem ser contempladas abarcam não somente as contribuições de pesquisas
sobre formas de juridicidade produzidas por grupos étnico-culturais ou tradicionais, mas também discussões
menos ventiladas, como aquelas em torno de processos de jurisgênese desencadeados pelas sociabilidades de
movimentos sociais latino-americanos. Trata-se, portanto, de uma proposta de revisão bibliográfica, fundada
sobretudo em abordagens interessadas na construção de esquemas propícios para a delimitação do direito em
cenários de pluralismo jurídico. Tal delimitação pode ocorrer por meio de um olhar direcionado às zonas de
fronteira ou contato estabelecidas entre distintas sociabilidades, compreendidas aqui enquanto formas
sociais marcadas pelo princípio da reciprocidade. No caso dos mencionados movimentos sociais, essas
sociabilidades se expressam em termos internos, ao longo de processos de engajamento, cooperação e
interação; e também de forma externa, por intermédio da afirmação pública de formas alternativas de vida,
arguidas no âmbito de ações coletivas, autônomas e organizadas. A composição dessas sociabilidades em
relação ao contexto envolvente, diante do referencial aqui apropriado, pode evidenciar dimensões de
juridicidade contidas em determinada questão social, notadamente de suas regiões de incomunicabilidade,
consenso e negociação.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Geana Neumeyer Cardoso Benfeita (UERJ)
Resumo: O expressivo crescimento da população carcerária nas últimas décadas, põe em evidência o caráter
punitivista do Judiciário brasileiro. Entretanto, ainda que poucos, existem magistrados comprometidos em
adotar práticas menos punitivistas, como penas alternativas à prisão. Esta pesquisa tem como proposta
apresentar um grupo de juízes criminais fluminense que no exercício de suas funções mantém-se críticos a
decretação da pena de privação de liberdade, os chamo de juízes progressistas. A partir de entrevistas de
história de vida e com base na antropologia das emoções, busco compreender e analisar as expressões
emocionais e morais em torno dos significados que os juízes progressistas atribuem ao cotidiano de trabalho
com o direito penal e que formam sua identidade progressista, entendida como outsider (BECKER, 2012) em
relação à magistratura, de caráter conservador. Em especial, examino suas falas sobre o ato de decretar a
prisão de alguém, associado a sentimentos negativos como dor e angústia, que revelam conflitos morais e
continuidades da cultura jurídica ligados ao ethos católico.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Isadora Vianna Sento-Sé (UERJ)
Resumo: Neste artigo, examino as dinâmicas de significado relacionadas às categorias de "vítima" e "não vítima"
em casos de feminicídio, com foco na perspectiva dos operadores do sistema de justiça que atuam no júri. A
pesquisa investiga as estratégias institucionais para abordar os direitos das vítimas de feminicídio,
destacando o papel da defensoria pública e do MPRJ. A pesquisa envolveu observação participante durante um
ano e meio nas varas criminais do júri, na capital do Rio de Janeiro e entrevistas com profissionais do
sistema de justiça, nas quais o crescente interesse nas vítimas de feminicídio em comparação com outras
vítimas de crimes, observando uma batalha institucional emergente em torno dos "direitos da vítima" e a
influência da performance da vítima dentro dos parâmetros de uma "vítima ideal". As estratégias da
Defensoria Pública e do Ministério Público diferem, com a defensoria focada no acompanhamento do processo e
no depoimento em tribunal, enquanto o MP busca a condenação do réu. Identifiquei neste trabalho que a
garantia dos direitos das mulheres vítimas sobreviventes de feminicídio e a representação das vítimas fatais
no júri estabelecem analogia à violência doméstica e são subordinadas ao reconhecimento limitado de
configurações familiares e nele se centram. Dessa forma, ainda que a criação da qualificadora facilite o
deslocamento desse tipo de violência da esfera privada para a pública, é a instituição familiar a principal
chave de análise evocada pelos operadores do júri. Logo, persistem os estereótipos de gênero, contidos em
construções de vítimas ideias, que limitam o acesso das mulheres a direitos, revitimizando as
sobreviventes. Também identifiquei a disputa entre Defensoria Pública e Ministério Público pela Assistência
Jurídica das vítimas de feminicídio (sobreviventes ou vítimas indiretas como familiares). Os crimes de
feminicídio, que na prática são tratados como um tipo penal, são referidos pelos operadores como pauta
positiva, o que sugere a atuação política dessas instituições para fora das esferas de sanção. As mulheres
vítimas de feminicídio e a própria categoria se traduziram, portanto, em ativos para empreendimentos de
política institucional e ativismo judicial. Na prática, os operadores implicados na assistência jurídica da
vítima revelam o desejo de que o resultado do júri seja a condenação. Logo, a escolha pelo endurecimento
penal, que resulta de demandas de determinados movimentos feministas, implica a reprodução dos estereótipos
de gênero e atua no sentido de perpetração da lógica inquisitorial.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Juliana Coelho de Almeida (PPGA-UFF)
Resumo: O trabalho é fruto de pesquisa etnográfica (em andamento) em uma Delegacia de Polícia Civil localizada
no interior do Estado do Rio de Janeiro, em uma cidade com menos de 40 mil habitantes. Ao acompanhar a
rotina da delegacia e os atendimentos dos plantonistas, vi por diversas vezes pessoas que chegam e dizem
posso tirar uma dúvida?. Esse grupo forma a maior parte dos atendimentos feitos pelos policiais, que dizem
oferecer uma consultoria jurídica gratuita. Eles argumentam que a DP é o único lugar que funciona 24
horas, fazendo referência a outras instituições do Estado que como o Fórum de Justiça, o Ministério Público
e a Defensoria Pública que possuem horários de funcionamento mais restritos. Segundo eles, muitas pessoas
recorrem à delegacia por ser o lugar mais fácil de ser atendido por um agente, já que não há recepção ou
triagem. Argumento que esses atendimentos são marcados pela pessoalidade, pois, as respostas dadas variam de
acordo com quem é o solicitante e se ele é reconhecido como alguém da cidade. Além disso, a informalidade
também é um traço característico, esses atendimentos não geram registros ou documentos, pois, não são vistos
como casos de polícia. O contexto é relevante para pensar as diferenças e as semelhanças entre as
percepções dos policiais e da população sobre o trabalho da polícia civil. Além disso, evidencia a confiança
(ou não) que a população local deposita nos policiais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Karoliny Felipe Martins (UNB)
Resumo: Este trabalho objetiva esboçar possíveis reflexões acerca da discussão sobre reparação racial na
política de drogas. Parto da discussão sobre a categoria vítima para pensar seu uso no que concerne as
violências em decorrência de operações policiais como estratégia de inibição ao tráfico de drogas. Com isso,
pretendo discutir como os movimentos negros têm definido e requerido políticas de reparação relativas à
política de drogas e seus respectivos impactos sobre a população negra no Brasil. Assim, pretendo mobilizar
alguns dados, disponíveis especialmente em meios jornalísticos dado ao seu caráter público e sua
centralidade na formulação da opinião pública, e as referências bibliográficas em torno da vitimização para
sustentar essa discussão. Argumento, portanto, sobre a dificuldade do reconhecimento dessa categoria em
relação à política de drogas devido ao imaginário moral em que as drogas estão inseridas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luiza Cotta Pimenta (UFJF), Laura Mostaro Pimentel (UFF)
Resumo: As demandas por reconhecimento de direitos da população LGBTI+ se relaciona diretamente com a atuação
dos agentes jurídicos dentro e fora do campo jurídico. Neste sentido, desenvolver pesquisas que toquem no
tema das trajetórias de vida de advogados que se engajam na defesa da população LGBTI+ revela aspectos da
formação das identidades, motivações, experiências que marcam uma aproximação com direitos das minorias.
O presente artigo tem como objetivo explicitar como os instrumentos metodológicos importados das ciências
sociais podem revelar aspectos fundamentais das relações tecidas entre os sujeitos envolvidos nas dinâmicas
de distribuição de direitos. O emprego da observação participante, aliado a realização de entrevistas
semiestruturadas tem oferecido uma série de dados que revelam aspectos que abarcama escolha pela carreira
jurídica, a experiência durante a graduação, a trajetória profissional, as estratégias e planos pessoais que
informam o acompanhamento das demandas da população LGBTI+ perante instituições públicas administrativas e
jurídicas.
Considerando a invisibilização estrutural que permeia a população LGBTI+, reforçada pela desigualdade de
gênero no campo jurídico, pelas omissões normativas perpetuadas por um poder legislativo conservador e por
perspectivas moralizantes de magistrados e de servidores de equipamentos públicos como delegacias e
cartórios, surge com cada vez mais força a necessidade de agentes jurídicos dispostos a desenvolver
estratégias de atuação para tradução dos direitos de seus assistidos para as instâncias decisórias.
Esta invisibilização está presente, inclusive, nas pesquisas sobre o perfil sociodemográfico dos agentes
jurídicos, não se tendo dados sobre a existência LGBTI+ nas organizações profissionais do campo.
As conclusões obtidas até o momento, dão conta de uma atuação engajada, na qual os interesses pessoais são
fundamentais no direcionamento dos advogados para a atuação junto à população LGBTI+, seja pelo fato de se
identificarem enquanto parte desta população, combinando atuação profissional à militância, ou por terem
experienciado momentos marcantes em suas trajetórias que os levaram a dirigir sua atenção para este público,
ou até por situações vividas em instâncias do poder judiciário e equipamentos públicos, que reforçaram suas
percepções sobre a desigualdade de gênero e do impacto das moralidades na distribuição de direitos.
Destaca-se que se trata de pesquisa em andamento, mas que tem potencial para contribuir para a literatura,
relativamente escassa, sobre a existência e a vivência de profissionais jurídicos engajados com a defesa de
direitos da população LGBTI+, principalmente pela abordagem etnobiográfica, que oferece uma ampla gama de
categorias de análise.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Michelle Nascimento Babo de Mendonça (UFF), Ícaro José Iegelski Rodrigues (UFF)
Resumo: O trabalho tem como objetivo refletir e discutir a relação entre a produção de dados de segurança
pública e como podemos debater a percepção de segurança, enquanto categorias, tanto por parte da população,
como por parte das instituições responsáveis pela segurança pública no Rio de Janeiro. Quando se trata da
categoria segurança pública, os dados de institutos de pesquisa, como os do Instituto de Segurança Pública
(ISP), são usados como referência para pautar o assunto e nos ajudam a pensar sobre o que a população pode
enfrentar, bem como quais podem ser suas principais preocupações. Tanto a mídia, quanto a polícia se
fundamentam nos registros e estatísticas que os próprios realizam em conjunto com o ISP, e estas são usadas
como uma forma de mostrar sua atuação e resultados positivos de suas operações.
Em observações realizadas no Rio de Janeiro, o uso ostensivo da força policial acaba sendo frequente, além
do uso de estratégias que afetam diretamente o cotidiano da população, como as operações policiais na zona
oeste e zona norte da cidade, que vêm atingindo recorde de mortes quando realizadas, nos últimos anos. Além
de planos de segurança que pareciam promissores e aparentemente contavam com o apoio da população, como as
UPPs em 2008 que, entretanto, com a crise financeira do estado, acabaram em 2014. Entre altos e baixo, a
população parece ter a sensação que há uma piora da segurança no cotidiano e as crises financeiras pós
Megaeventos agravaram a situação, devido a falta de recursos para garantias básicas da população, levando a
medidas drásticas de uso das forças militares, via Intervenção Federal, em 2018, que não deixou demonstradas
mudanças em relação a segurança da população.
Sendo assim, este trabalha buscando tratar da relação entre as perspectivas de segurança pública que o
Estado projeta e a visão da população em relação a sua atuação neste campo. Juntando a experiência de
pesquisa em um Conselho Comunitário de Segurança Pública (que no Rio de Janeiro são vinculados ao ISP), onde
foi possível observar a perspectiva da população que sofre com atuação policial ou com a falta dela, em
conjunto à perspectiva dos agentes que pensam a segurança pública e se utilizam dos dados estatísticos como
forma de validar as atitudes que deverão ser tomadas naquela localidade. A discussão perpassa pelos dois
extremos do que cada um considera como segurança pública, e como objetivamente cada um classifica se está
havendo ou não uma melhora na segurança, questionando a perspectiva apenas analítica e operacional do
Estado quanto às questões de proteção da população, ou talvez, o controle de uma parte desta população.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Natascha Enrich de Castro (UFRJ)
Resumo: Acompanhar algumas audiências sobre casos de feminicídio possibilitou direcionar o olhar para o sistema
de justiça e para alguns aspectos do punitivismo uruguaio. Se por um lado o contato com familiares de
mulheres assassinadas em casos de feminicídio nos aproximava de expressões de inconformidade com relação ao
resultado de processos, impunidades e punições, por outro, as experiências em salas de audiência davam a ver
características particulares do punitivismo uruguaio. No caso específico do feminicídio, a inclusão da
categoria como agravante muito especial de homicídio na lei uruguaia em 2017 teve como efeito direto o
endurecimento de penas e condições de liberdade. Mas o trabalho de acompanhar audiências criminais também
possibilitou o reconhecimento de características particulares dos modos de tratamento de pessoas detidas e
dos instrumentos de contenção em outros casos e processos. A aparição, durante as audiências, dos réus
imobilizados por algemas de combinação foram marcantes especialmente pela dissonância com discursos
progressistas. O país é reconhecido especialmente na região latino-americana pelo progressismo de suas leis
e políticas, mas mantém níveis altos de encarceramento, algo identificado por pesquisadores como uma herança
da ditadura civil-militar (1973-1985), caracterizada pelo uso da prisão massiva e prolongada como método de
repressão, contando, na época, com a maior taxa de presos políticos por habitantes entre as ditaduras da
América Latina. Neste artigo proponho apresentar algumas características do sistema punitivo uruguaio em
relação a temas como gênero e violência a partir de etnografia sobre o feminicídio.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Raymundo Nonato de Almeida Santos (UFF)
Resumo: O trabalho a ser apresentado é fruto da pesquisa empírica que desenvolvi numa das
Varas da Infância e da Juventude, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com intuito
de observar e descrever as práticas judiciárias dos agentes e personagens que compõem
o sistema de justiça criminal no Brasil. A partir das descrições das audiências,
utilizando o método etnográfico como ferramenta, o artigo apresenta as analogias que
são aplicadas nos julgamentos, a partir da legislação penal e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, tendo como objetivo principal analisar a construção da verdade jurídica
nos julgamentos dos casos e as aplicações das medidas socioeducativas e seus
resultados. Segundo Kant de Lima, a verdade será construída de maneira sigilosa e
inquisitorial. Nesse ponto destaco em minhas observações do campo, que mesmo
quando as testemunhas dizem que não sabem da participação do acusado no crime, nem
mesmo seu envolvimento no tráfico local, os adolescentes acabam incriminados
(Misse). Com efeito, o depoimento do policial tem grande relevância para ratificar a
representação oferecida pelo MP e ao proferir a sentença condenatória a verdade
judicial se vê concretizada. Observei também que muitas moralidades situacionais
(Elbaum) são apresentadas nas práticas dos agentes quando, ao decidirem, ao falar que
aceita até o fato do adolescente ter matado, mas a paulada ela não aceita. Um de meus
interlocutores havia me dito, que cada caso é julgado conforme eles próprios queiram
decidir e conforme suas próprias convicções e esse é um ponto interessante que aparece
em diversas pesquisas produzidas pelo instituto e que mais uma vez está sendo
confirmado como nos casos descritos. Com isso, compreendi relevância da minha
pesquisa, uma vez que o domínio do Direito no Brasil, como os trabalhos de Roberto
Kant de Lima destacam há anos, é composto de normas abstratas que se aplicam
concretamente apenas através da interpretação arbitrária dos agentes públicos,
orientados por um sistema de opiniões dogmáticas (instituído como sistema de crenças e
opiniões contraditórias na dogmática jurídica), preocupado com o dever ser. As
representações sobre a sociedade são de caráter hierarquizado e sua atuação não é vista
como voltada para a administração de conflito, decidindo de forma punitiva no atuar dos
agentes que tem o poder de administrar o conflito desta maneira. Desta forma, o
trabalho pretende apresentar, a partir das elaborações etnográficas e dessa minha
observação participante, parte da construção da dissertação de mestrado que venho
elaborando no Programa de Justiça e Segurança da Universidade Federal Fluminense do
qual faço parte como discente, seguindo a trajetória de pesquisas realizadas no âmbito
do InEAC.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Yolanda Gaffrée Ribeiro (UFF), Karolynne Gorito de Oliveira (Advogada)
Resumo: Esta comunicação parte do diálogo entre uma advogada e uma antropóloga na realização de um trabalho
conjunto de busca e análise de documentos judiciais, especificamente de habeas corpus no contexto da
pandemia de COVID-19. As reflexões aqui apresentadas derivam de uma experiência de pesquisa documental e
dialógica que teve início com a participação das autoras em um projeto financiado pela CAPES (Edital nº
12/2021), cujo objetivo geral é analisar as decisões judiciais na apreciação de pedidos de liberdade de réus
presos para os casos de furto, roubo, tráfico e homicídio nas cidades do Rio de Janeiro, Campo Grande e
Porto Alegre. Os HC selecionados foram impetrados em razão da Recomendação 62 do Conselho Nacional de
Justiça, destinada aos juízes e tribunais para a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo
novo Coronavírus no âmbito dos sistemas de justiça. Em nossa análise específica, iniciamos uma busca no
site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) para mapear os habeas corpus impetrados face
à recomendação 62 do CNJ, tendo como recorte temporal os meses de março de 2020 a dezembro de 2022,
delimitando o tipo penal tráfico de drogas. Ao lidar com os documentos judiciais como peças etnográficas,
os quais atendem a certos constrangimentos e imperativos de coerência internos ao campo do direito, acabamos
por analisar, de uma perspectiva antropológica, algumas categorias como a de segredo de justiça, rubrica
sob a qual se enquadravam muitos dos processos analisados, levando a relativizar verdades consagradas (e
naturalizadas) no campo do direito. Ainda, fizemos uma etnografia documental atenta às moralidades inscritas
no processo decisório, não para adotar uma postura de denúncia ou questionamento da decisão judicial, mas
para entender as lógicas que regem as práticas judiciárias em diálogo com o fazer profissional no campo do
direito. Desta forma, propomos um fazer antropológico com o direito, mais do que sobre o direito, suscitado
pelo caráter dialógico observado no trabalho conjunto das autoras. Consideramos, ainda, que compreender as
práticas e as regras do mundo jurídico - em diálogo com os profissionais do campo do direito - pode ser uma
contribuição relevante ao fazer antropológico, nem sempre familiarizado com o estudo das formas de produção
de saber e reprodução de poder em instituições de controle social, como é o caso do campo jurídico no
Brasil.