Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 097: Sistema de justiça e a (re)produção da cultura jurídica brasileira
Segregação jurídica ou reparação histórica? Uma análise etnográfica do papel do Estado e das leis
referentes ao trabalho doméstico no Brasil
Este trabalho reflete sobre a construção histórica da legislação referente ao trabalho doméstico no
Brasil. Trata-se de um recorte de uma pesquisa doutoral, elaborada por meio de uma investigação etnográfica
em andamento, que analisa documentos oficiais referentes ao trabalho doméstico e sua relação com a vida
cotidiana das trabalhadoras. Esta atividade laboral foi reconhecida como trabalho formal pelo Estado somente
em 1972, com a Lei n°5859. Parto da hipótese que este reconhecimento tardio ocorreu devido as suas
especificidades, a saber, por exercido no espaço doméstico, por mulheres, brancas ou negras, de classes
populares, sendo um trabalho entrecortado por diferentes eixos de dominação, de modo que, o não
reconhecimento da categoria doméstica enquanto classe trabalhadora seria materializado em sua exclusão pelo
domínio legislativo. Neste contexto, a pesquisa tentará responder a seguinte questão: a Emenda
Constitucional 72/2013, popularmente conhecida como PEC das domésticas, encerrou a segregação jurídica
imposta as trabalhadoras domésticas? Para respondê-la, o objetivo do trabalho é comparar leis, referentes
aos direitos conquistados pelas trabalhadoras domésticas, desde a Consolidação das Leis Trabalhistas até a
Lei Complementar 150/2015. A etnografia dos documentos, como procedimento metodológico, permitiu que o exame
das leis revelasse a trama de significados presentes nestas. Contudo, tais significados não são evidentes. A
linguagem jurídica, tecnicista, disposta em um emaranhado, causa estranhamento e requer um processo de
compreensão da linguagem nativa. Por isso, foi necessário considerar estes aspectos, analisar as minúcias
do sítio oficial, onde estão dispostas as leis, percebendo-as através de seus valor e sentido próprio
(PEIRANO, 2014) e captar as relações de poder inscritas. Assim, a partir do estranhamento à linguagem
jurídica e esforço empregado para sua apreensão, foi possível perceber que, mesmo que as leis analisadas
sejam documentos públicos, a compreensão de seus significados não é pública. A comparação entre as
legislações e a retomada do processo histórico referente ao trabalho doméstico no Brasil, tem por finalidade
apresentar o argumento, à luz da perspectiva de Veena Das e Deborah Poole (2008), que a exclusão legislativa
relacional ao processo histórico do trabalho doméstico no Brasil, tem como função invisibilizá-lo,
relegando-o às margens. Porquanto, a exclusão é necessária a construção das práticas do Estado. Além disso,
examino o papel do campo estatal, a partir de Pierre Bourdieu (2008), na produção das relações específicas
que envolveram o trabalho doméstico e reflito sobre a intransponibilidade do acesso ao Direito pelo uso da
linguagem jurídica, à luz de Arthur Slaibi (2017).