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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 097: Sistema de justiça e a (re)produção da cultura jurídica brasileira
Por uma Antropologia com o Direito: algumas contribuições teórico-metodológicas para um diálogo possível
Yolanda Gaffrée Ribeiro (UFF), Karolynne Gorito de Oliveira (Advogada)
Esta comunicação parte do diálogo entre uma advogada e uma antropóloga na realização de um trabalho conjunto de busca e análise de documentos judiciais, especificamente de habeas corpus no contexto da pandemia de COVID-19. As reflexões aqui apresentadas derivam de uma experiência de pesquisa documental e dialógica que teve início com a participação das autoras em um projeto financiado pela CAPES (Edital nº 12/2021), cujo objetivo geral é analisar as decisões judiciais na apreciação de pedidos de liberdade de réus presos para os casos de furto, roubo, tráfico e homicídio nas cidades do Rio de Janeiro, Campo Grande e Porto Alegre. Os HC selecionados foram impetrados em razão da Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça, destinada aos juízes e tribunais para a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo Coronavírus no âmbito dos sistemas de justiça”. Em nossa análise específica, iniciamos uma busca no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) para mapear os habeas corpus impetrados face à recomendação 62 do CNJ, tendo como recorte temporal os meses de março de 2020 a dezembro de 2022, delimitando o tipo penal tráfico de drogas. Ao lidar com os documentos judiciais como peças etnográficas”, os quais atendem a certos constrangimentos e imperativos de coerência internos ao campo do direito, acabamos por analisar, de uma perspectiva antropológica, algumas categorias como a de segredo de justiça”, rubrica sob a qual se enquadravam muitos dos processos analisados, levando a relativizar verdades consagradas (e naturalizadas) no campo do direito. Ainda, fizemos uma etnografia documental atenta às moralidades inscritas no processo decisório, não para adotar uma postura de denúncia ou questionamento da decisão judicial, mas para entender as lógicas que regem as práticas judiciárias em diálogo com o fazer profissional no campo do direito. Desta forma, propomos um fazer antropológico com o direito, mais do que sobre o direito, suscitado pelo caráter dialógico observado no trabalho conjunto das autoras. Consideramos, ainda, que compreender as práticas e as regras do mundo jurídico - em diálogo com os profissionais do campo do direito - pode ser uma contribuição relevante ao fazer antropológico, nem sempre familiarizado com o estudo das formas de produção de saber e reprodução de poder em instituições de controle social, como é o caso do campo jurídico no Brasil.