Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 097: Sistema de justiça e a (re)produção da cultura jurídica brasileira
A vítima no centro: dinâmicas inquisitoriais nas disputas pela assistência da vítima de feminicídio nos
tribunais do júri no Rio de Janeiro
Neste artigo, examino as dinâmicas de significado relacionadas às categorias de "vítima" e "não vítima"
em casos de feminicídio, com foco na perspectiva dos operadores do sistema de justiça que atuam no júri. A
pesquisa investiga as estratégias institucionais para abordar os direitos das vítimas de feminicídio,
destacando o papel da defensoria pública e do MPRJ. A pesquisa envolveu observação participante durante um
ano e meio nas varas criminais do júri, na capital do Rio de Janeiro e entrevistas com profissionais do
sistema de justiça, nas quais o crescente interesse nas vítimas de feminicídio em comparação com outras
vítimas de crimes, observando uma batalha institucional emergente em torno dos "direitos da vítima" e a
influência da performance da vítima dentro dos parâmetros de uma "vítima ideal". As estratégias da
Defensoria Pública e do Ministério Público diferem, com a defensoria focada no acompanhamento do processo e
no depoimento em tribunal, enquanto o MP busca a condenação do réu. Identifiquei neste trabalho que a
garantia dos direitos das mulheres vítimas sobreviventes de feminicídio e a representação das vítimas fatais
no júri estabelecem analogia à violência doméstica e são subordinadas ao reconhecimento limitado de
configurações familiares e nele se centram. Dessa forma, ainda que a criação da qualificadora facilite o
deslocamento desse tipo de violência da esfera privada para a pública, é a instituição familiar a principal
chave de análise evocada pelos operadores do júri. Logo, persistem os estereótipos de gênero, contidos em
construções de vítimas ideias, que limitam o acesso das mulheres a direitos, revitimizando as
sobreviventes. Também identifiquei a disputa entre Defensoria Pública e Ministério Público pela Assistência
Jurídica das vítimas de feminicídio (sobreviventes ou vítimas indiretas como familiares). Os crimes de
feminicídio, que na prática são tratados como um tipo penal, são referidos pelos operadores como pauta
positiva, o que sugere a atuação política dessas instituições para fora das esferas de sanção. As mulheres
vítimas de feminicídio e a própria categoria se traduziram, portanto, em ativos para empreendimentos de
política institucional e ativismo judicial. Na prática, os operadores implicados na assistência jurídica da
vítima revelam o desejo de que o resultado do júri seja a condenação. Logo, a escolha pelo endurecimento
penal, que resulta de demandas de determinados movimentos feministas, implica a reprodução dos estereótipos
de gênero e atua no sentido de perpetração da lógica inquisitorial.
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