Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 097: Sistema de justiça e a (re)produção da cultura jurídica brasileira
Como é possível falar sobre um direito sem terra?
Partindo do reconhecimento da heteronomia da juridicidade e de que movimentos sociais, como o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), também engendram o direito, o presente trabalho propõe-se a
reconstituir e analisar um marco teórico-metodológico que fundamenta a percepção de uma forma de
juridicidade específica, o direito sem-terra. A empreitada em questão opera diante da compreensão de que o
direito ocidental moderno, produzido e controlado pelo Estado, configura um "folk system", ou seja, uma
manifestação singular de um fenômeno mais amplo de regulação social, a juridicidade. Diante dessa premissa,
a operação constitutiva de um modo de vida normativo ou de uma forma específica de juridicidade é um
processo criativo e coletivo ou social, que ganha agência e materialidade em cada contexto. Sendo assim, na
medida em que são diversas as maneiras de habitar o mundo e interagir com o que nos envolve, conforme
demonstram, por exemplo, as experiências de povos e comunidades indígenas e tradicionais no Brasil, também
são múltiplos os horizontes de ordenação e regulação social. Esse debate, apesar da miscelânea de enfoques
acadêmicos e dos avanços político-sociais acumulados ao longo das últimas décadas, ainda pode nutrir
compreensões sobre cenários correntes e suprir lacunas, principalmente quando atrelado ao estudo empírico do
direito. As potencialidades que podem ser contempladas abarcam não somente as contribuições de pesquisas
sobre formas de juridicidade produzidas por grupos étnico-culturais ou tradicionais, mas também discussões
menos ventiladas, como aquelas em torno de processos de jurisgênese desencadeados pelas sociabilidades de
movimentos sociais latino-americanos. Trata-se, portanto, de uma proposta de revisão bibliográfica, fundada
sobretudo em abordagens interessadas na construção de esquemas propícios para a delimitação do direito em
cenários de pluralismo jurídico. Tal delimitação pode ocorrer por meio de um olhar direcionado às zonas de
fronteira ou contato estabelecidas entre distintas sociabilidades, compreendidas aqui enquanto formas
sociais marcadas pelo princípio da reciprocidade. No caso dos mencionados movimentos sociais, essas
sociabilidades se expressam em termos internos, ao longo de processos de engajamento, cooperação e
interação; e também de forma externa, por intermédio da afirmação pública de formas alternativas de vida,
arguidas no âmbito de ações coletivas, autônomas e organizadas. A composição dessas sociabilidades em
relação ao contexto envolvente, diante do referencial aqui apropriado, pode evidenciar dimensões de
juridicidade contidas em determinada questão social, notadamente de suas regiões de incomunicabilidade,
consenso e negociação.