ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 043: Desenvolvimento e conflitos socioambientais: práticas de apropriação territorial e alternativas transformadoras
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Coordenação
Marcos Cristiano Zucareli (UFRJ), Russell Parry Scott (UFPE)
Debatedor(a)
Raquel Oliveira Santos Teixeira (UFMG), Andréa Maria Narciso Rocha de Paula (UNIMONTES), Vânia Rocha Fialho de Paiva e Souza (UPE)

Resumo:
O tema do desenvolvimento vem sendo discutido há décadas pela antropologia, seja no campo de sua ideologia/utopia (Ribeiro, 2000), seja em relação aos seus efeitos no espaço social (Sigaud, 1992; Escobar, 2007), ou mesmo na própria gestão do conflito operada mediante a construção de novas institucionalidades, que se constituem como verdadeiras ‘máquinas anti-políticas’ (Ferguson, 2014). Recorrentemente evocadas enquanto “projetos da modernidade”, como a proposta da transição energética pela descarbonização, por exemplo, as novas práticas desenvolvimentistas e suas implicações socioambientais demonstram a atualidade da discussão. Assim, continua instigante verificar como diferentes interesses e lógicas se chocam/cruzam com a territorialidade de populações locais, uma vez que essas, ao sustentar a presença nas arenas públicas, põem em questão os sentidos do desenvolvimento. Quando vistos como “problema” e "obstáculo" a impedir a "modernidade", camponeses, indígenas, quilombolas e moradores de bairros populares e periferias urbanas têm reagido e proposto alternativas às ofensivas do "desenvolvimento" que os atinge. Neste sentido, a proposta do GT é analisar a racionalidade política e as formas de controle contidas nas práticas de apropriação territorial e os conflitos relacionados às atividades minerárias, agropecuárias, de geração de energia, remoções urbanas, dentre outros projetos de infraestrutura.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O desastre sociotécnico da Vale S.A. na Bacia do Rio Paraopeba, apropriação de terras e retomadas de territórios indígenas em Brumadinho, MG
Alexandre Gonçalves (UFMG)
Resumo: Este estudo procura compreender aspectos relacionadas à apropriação de terras pela mineradora Vale S.A. no contexto do desastre sociotécnico (ZHOURI et al 2018) na Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, ocasionado pela extração minerária desta empresa nas minas do Córrego do Feijão e Jangada, Brumadinho, Minas Gerais. No mesmo espaço tempo que a Vale desenvolve uma política de controle sobre a gestão da crise, implementada após o rompimento da barragem de rejeitos da mina do Córrego do Feijão, ela amplia de forma violenta sua política de apropriação de terras e neste contexto dá-se o conflito com etnias indígenas. Entre outubro de 2021 e fevereiro de 2022 ocorrem duas retomadas de territórios indígenas das etnias, Kamakã Mongoió e Xucurú Kariri, que podem ser compreendidas como processos de etnogênese e territorialização, que envolve dentre outros aspectos, a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora e a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais (OLIVEIRA, 1998). Os dados preliminares desta pesquisa apontam para um aumento de mais de 280% do número de propriedades rurais adquiridas pela Vale, cadastras no INCRA/SIGEF. Ao adquirir as propriedades rurais, a Vale implanta uma nova forma controle, com segurança empresarial, vigília, placas e códigos, além da destruição seletiva de estruturas e patrimônios. No estudo procuro compreender os mecanismos de aquisição de terras e destaco dois deles: 1) processos de indenização e 2) a compra de propriedades por fora do processo indenizatório, na esfera do mercado. As retomadas das etnias Kamakã Mongoió e Xucurú Kariri, ambas são em terras apropriadas pela Vale no pós rompimento, através das compras de terras. No conflito com as etnias, a Vale revela um conjunto de ações violentas de coação, intimidação, segurança empresarial, espionagem e vigilância, além de acionar a esfera jurídico formal para a reintegração de posse das duas áreas. Após a morte do Cacique Merong, em março de 2024, na retomada Kamakã Mongoió a Vale chega ao ponto acionar a justiça formal para impedir o seu sepultamento. OLIVEIRA, J P. "Uma etnologia dos 'índios misturados'? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais". Mana. Estudos de Antropología Social. 1998. ZHOURI, A.; OLIVEIRA, R.; ZUCARELLI, M.; VASCONCELOS, M. O desastre no rio doce: entre as políticas de reparação e a gestão das afetações. In: ZHOURI (Org.). Mineração: violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento do Brasil. 1. Ed. Marabá, PA: Editorial iGuana; ABA, 2018.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pesca e petróleo na Bacia de Santos. Efeitos e conflitos socioambientais na região marítima do Pré-Sal
Ana Terra Catanzaro da Rocha Leão (UFF)
Resumo: O objetivo principal da pesquisa é compreender a forma como se dão as práticas estatais e empresariais da exploração do Pré-sal na Bacia de Santos, voltadas para a promoção do desenvolvimento”, em relação à gestão dos territórios previstos para a instalação dos grandes projetos responsáveis por este desenvolvimento, assim como a gestão das populações que habitam esses territórios. Os seus objetivos específicos desta pesquisa englobam compreender os efeitos sociais da exploração do Pré-Sal na Bacia de Santos para comunidades de pescadores artesanais (que na maioria das vezes se auto identificam como caiçaras), analisar os conflitos socioambientais entre os atingidos e as empresas responsáveis pela exploração do Pré-Sal nesta região, identificar quem são os agentes governamentais e as instituições presentes nesses casos e identificar as formas de mobilização social dos grupos de pescadores atingidos. Para isso, essa pesquisa focou no processo de licenciamento ambiental do Projeto Etapa 4, empreendido pela Petrobras, na região do Estado do Rio de Janeiro, mais especificamente no litoral sul-fluminense. O projeto, que tem como objetivo ampliar a exploração do Pré-Sal brasileiro na região da Bacia de Santos, se trata de um grande projeto de desenvolvimento empreendido pela maior empresa estatal do país, a Petrobras, e o seu licenciamento está sendo realizado pelo IBAMA, contando com audiências públicas em diferentes cidades como forma de consulta à população.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Desenvolvimento(s) e financeirização das UHES da Bacia do rio Uruguai RENK, Arlene e WINCKLER, Silvana
Arlene Anélia Renk (UN), Silvana Terezinha Winckler (UNOCHAPECÓ)
Resumo: O objetivo do texto é analisar a racionalidade política e as formas de controle dos empreendimentos hidrelétricos na bacia do rio Uruguai, no trecho nacional, inicialmente implantados sob a égide governamental. Configurou-se num campo de disputas, com tensões entre aqueles que se opunham aos empreendimentos, atingidos e lideranças comunitária, e o segmento favorável, expresso nos representantes das prefeituras, em busca de benefícios, tais como a Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos. Nesse contexto, geraram um quadro de disputa no qual os primeiros foram levados ao silenciamento, quando não à criminalização. O mote do desenvolvimento, sob as mais diversas rubricas (emprego temporário, filantropia empresaria, green washing) encontrou adesão entre a elite local. O processo de construção das obras nesse trecho do rio de 1973 a 2022, foi permeado de conflitos e trouxe diversos danos que não poderiam ser qualificados como desenvolvimentista, seja, pelo deslocamento populacional, fracionamento de comunidades remanescentes, danos aos meio ambiente, esfacelamento de colônia de pescadores, dentre outros. E, por último, não menos importante, as obras foram construídas com vultosos recursos do BNDES. O controle acionário mudou significativamente de mãos, como indica o mapeamento prévio, e atualmente encontra forte parcela nas mãos de empresas eletrointensivas e empresas transnacionais. Outro fato observado é a financeirização dos empreendimentos, recorrem ao IPO [inicial public ofering] da abertura do Capital na Bolsa de Valores, seja na B3 ou noutra no exterior, completa o ciclo da financeirização natureza. Palavras-chave: campo de disputa; financeiriazação da natureza; IPO.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
As sobras de tudo que foram lar: reflexões sobre casas e reparações em um grande projeto hidrelétrico
Bruno Neris Basto (UFRJ)
Resumo: Esta pesquisa analisa os efeitos sociais das reparações operadas por grandes projetos, concentrando-se em famílias deslocadas e reassentadas há quase uma década para dar lugar a uma hidrelétrica no sul do Brasil. É resultado das reflexões que venho fazendo para a tese de doutoramento em Antropologia Social desde 2017, bem como da minha atuação como cientista social e antropólogo em pesquisas aplicadas junto a grandes projetos no setor elétrico e de mineração entre 2019 e 2023, e se utiliza de observações etnográficas realizadas nesse percurso. Com o passar dos anos, após a instalação de um grande projeto, o fervor de desenvolvimento nos municípios diminui e a atenção pública sobre os territórios atingidos esmaece. A mídia, os intelectuais e políticos falam menos sobre o tema, e a supervisão do cumprimento do licenciamento ambiental por parte dos órgãos públicos responsáveis se torna menos incisiva. As atividades econômicas e as mudanças na paisagem vão sendo incorporadas na rotina das pessoas, e os discursos e as práticas das empresas responsáveis pelo grande projeto se afastam cada vez mais das populações atingidas. As reparações acordadas com o órgão ambiental na forma dos programas ambientais são reduzidas, ou passam a preferir oferecer propostas em dinheiro, ou são diluídas e ressignificadas nos investimentos em responsabilidade social”. Os reassentamentos vão se tornando parte da malha dos municípios e regiões. Recebem cada vez menos os programas ambientais, enquanto as suas famílias reclamam, de maneira ambígua e oscilante, por direitos e por pedir ajuda à firma, e ao governo. As memórias e aspirações destas famílias revelam a (re)invenção de vidas marcadas por comparações e relações ambíguas entre nostalgia, ressentimento, e resignação diante de perdas materiais e imateriais irreparáveis a falta, a saudade do tempo antigo em meio aos confortos e problemas das casas atuais; as dificuldades socioecológicas e relacionais para produzir, se empregar, diante as frustrações com as reuniões e com as formas de reparação propostas, em meio aos esforços, realizações e expectativas por uma vida melhor. Assim, ser reassentado e ser alvo das reparações por grandes projetos é, pois, uma categorização ambígua, que significa, com o passar dos anos, a alternância entre a satisfação e o se acostumar com: i) os modos de habitar as casas e os territórios então organizados nas linhas, frente os reassentamentos, e os termos legais e ações empresariais para tal; ii) as mudanças nas relações com parentes e vizinhos, atualmente, por vezes também reassentados por outros grandes projetos; iii) o cansaço e a luta pelo reconhecimento e valoração de danos; e iv) as apostas de maior ou menor confiança sobre as reuniões, as visitas nas casas, e o futuro.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Fantasmas e feitiços do desenvolvimento: licenciamento ambiental como ritual de iniciação e sacrifício
Cleyton Henrique Gerhardt (UFRJ)
Resumo: Desde os anos 1990, empreendimentos de grande e médio porte no Brasil pressupõem a instituição de um estado de passagem. É preciso "passar" pelo licenciamento ambiental para serem concedidas as três licenças mágicas (prévia, instalação e operação) que irão garantir sua transformação em fato consumado. Note-se que, quando digo licença mágica, não se trata de um recurso retórico. Isto porque o respeito a elas implica na crença partilhada a uma entidade abstrata chamada "lei" (e sua burocracia, obviamente) cujos dispositivos podem funcionar para encantar uma coletividade ao tornar sem efeito as contradições presentes no próprio processo de licenciamento. Afinal, obter tais licenças é ter em mãos um eficaz salvo conduto para fazer coisas que, no cotidiano da vida ordinária, não seria permitido. Por exemplo, destruir a vida e/ou expulsar pessoas da terra onde vivem. Seguindo a literatura antropológica sobre rituais, tomo aqui o licenciamento como evento especial relativamente formalizado que se destaca da rotina cotidiana. Sendo um momento de intensificação do que é usual e tendo um sentido esperado (embora não pré-definido), o licenciamento passa a ser vivido como um drama social com papéis, protagonistas e cenas que se sucedem. É nesse sentido que sua exigência surge como um modo de organização e funcionamento da sociedade que se realiza por meio do ordenamento de ações referidas a fins sociais específicos. Como pretendo mostrar, entre estes fins está à imputação de duas condições: sacrifício e iniciação. No primeiro caso, o processo só se realiza após a consumação de uma complexa cadeia de eventos cujo desenrolar já traz seus personagens: o sacrificante, proponente do empreendimento (empresa ou consórcio de empresas); o sacrificador, encarregado de executar os ritos jurídico-administrativos (Ibama, Funai, Incra); o sacerdote, a quem se deve recorrer (juízes, procuradores e demais atores do poder judiciário); os próprios sacrificados; e os objetos do sacrifício (rios, florestas, terras, vidas) que, junto com as pessoas, são "oferecidos" em nome de algo maior: no caso, mais "desenvolvimento" e as promessas (de emprego, renda, melhoria de vida, crescimento econômico, sustentabilidade etc.) que dele viriam a se realizar. Já no segundo caso, a passagem pelo licenciamento produz e incute, nos sacrificados, uma condição de liminaridade não só entre antes e depois da obra, mas entre a vida fora do empreendimento e dentro dele. Prisão perversa que faz com que, apesar das pessoas não desejarem ser "atingidas" no sentido corporificado do termo, as leva a buscar ser reconhecidas como "atingidas" juridicamente. Ou seja, o licenciamento, sendo um ritual de sacrifício, é também de iniciação.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Da soja ao condomínio de alto padrão: as retomadas periurbanas em Dourados como ação política de enfrentamento a expansão imobiliária
Elis Fernanda Corrado (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial e Étnica (NUPIIR) da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul (DPEMS))
Resumo: O movimento de retomada, como ficou conhecido, se refere ao ato de famílias Guarani e Kaiowá de recuperar e reivindicar a demarcação e o direito de viver em seus territórios tradicionais, os tekoha. Esse movimento começou a dar seus primeiros passos ainda nos anos 1970 e se fortaleceu no final dos anos 80. Para meus interlocutores as retomadas representam a defesa e a proteção das terras que foram saqueadas e privatizadas no passado e passaram a sofrer com as monoculturas do agronegócio. Mais recentemente, tendo como lócus de análise o município de Dourados (MS), o crescimento da cidade e a especulação imobiliária também vem pressionando os indígenas através da expansão de condomínios fechados e de loteamentos urbanos, que se sobrepõem aos territórios reivindicados por eles. Em relação a expansão imobiliária, entre 2014 e 2018, surgiram cerca de 15 loteamentos na cidade e, desde 2013, foram contabilizados 14 condomínios fechados de alto padrão. Esses últimos empreendimentos estão localizados, na sua maioria, na região noroeste da cidade, próximos da Reserva Indígena de Dourados (RID) e das áreas de retomada localizada no entorno da RID. O crescimento urbano e a especulação imobiliária são centrais para pensar a relação da cidade de Dourados, as retomadas indígenas, as disputas territoriais e a relação dos Guarani e Kaiowá com o município. Esse trabalho propõe analisar a metamorfose do capital latifundiário na cidade de Dourados, ao mostrar como os grandes fazendeiros e proprietários de terra passaram a negociar suas propriedades e/ou se associaram a grandes empreendimentos imobiliários na região. Busca-se refletir como nesses processos, além do interesse pela terra, há também, a disputa pela imposição de um modo de vida, de uma cidade plantation (Belisario, 2023; Machado, 2022; Pompeia, 2022). Assim, ao analisar a presença e os estilos dos condomínios de alto padrão na região, discuto como a forma condomínio é a manifestação de um projeto não só econômico, mas, sócio-político, que se impõe sobre os lugares e sobre outrem, tornando a terra Kaiowá e Guarani em mercadoria e, assim, passível de ser medida, negociada, retalhada e murada. Por outro lado, há resistência indígenas, praticada no cotidiano das áreas de retomadas Kaiowá e Guarani que afrontam o agronegócio e o avanço da cidade sobre seus territórios, tal como, as áreas de retomadas localizadas no entorno da RID. Essas retomadas periurbanas, do mesmo modo que são motivadas pelo desejo de viver entre parentes e recompor práticas e conhecimentos tradicionais, são exemplos claros das estratégias dos indígenas para tentarem refrear o avanço da cidade para o lado da reserva”, de se fazerem vistos e ouvidos, pois eles tem o direito de discutir a cidade que querem e os seus limites.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Conflitos socioambientais nos licenciamentos das Usinas Hidrelétricas Teles Pires e São Manoel: ações de governança das barragens e de resistência dos Povos Apiaká, Kayabi e Munduruku
Fernanda Oliveira Silva (UFAM)
Resumo: Os Rios Teles Pires e Juruena são sub-bacias hidrográficas da bacia do Rio Tapajós, locus de diversos projetos (neo) desenvolvimentistas e (neo) extrativistas que compõe um cenário de intensa exploração de energia hidro-agro-mineral nas regiões que abarcam a grande bacia hidrográfica Amazônica. O Teles Pires recebeu quatro barragens em seu médio e baixo curso, construídas de maneira encadeada, sendo elas as Usinas Hidrelétricas (UHE) Sinop, Colíder, Teles Pires e São Manoel. As duas últimas estão situadas em região de fronteira dos estados do Pará e Mato Grosso. O primeiro planejamento do complexo de UHEs na sub-bacia hidrográfica do rio Teles Pires teve início com os estudos de inventário de aproveitamento hidrelétrico da bacia Amazônica na década de 1980. Eles foram realizados de maneira fragmentada em três sub-bacias Tapajós-Jamanxim, Teles Pires e Juruena , desconsiderando a totalidade da bacia do Tapajós e os ditos impactos cumulativos e sinérgicos que poderiam ser causados. Na época, foram inventariados seis barramentos no rio Teles Pires para serem verificados em etapa posterior, o que não se concretizou, sendo o projeto retomado a partir do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 2003 a 2010. Num cenário favorável de políticas (neo) desenvolvimentistas foram executados os projetos no Teles Pires entre os anos de 2011 a 2019. Antes e durante todo o processo de construção das barragens houve diversos conflitos ambientais relacionados à governança dos empreendimentos que afetaram significativamente a vida dos povos indígenas Apiaká, Kayabi e Munduruku bem como de pescadores e assentados da reforma agrária. Foram diversas manifestações contrários a vinda desses projetos, com ações de resistência que denunciaram as irregularidades e violações aos seus direitos, o que ocasionou centenas de ações jurídicas contra as usinas. Mesmo assim, as obras foram concretizadas e estão em operação, embora as responsabilizações ainda estejam sendo cobradas pelos denominados atingidos”. Este paper propõe apresentar alguns resultados do meu trabalho de doutorado contemplando uma síntese da complexidade do processo de licenciamento ambiental das UHEs Teles Pires e São Manoel, com foco nas ações de governança desses empreendimentos, nas situações conflituosas com os povos Apiaká, Kayabi e Munduruku da região do Teles Pires e nas ações de resistência desses povos na defesa de seus direitos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Desigualdades na Transição Energética: Uma análise crítica através da Justiça Ambiental
Flávia Giordana Diniz Miranda (UFMG), Rômulo Soares Barbosa (UNIMONTES), Andréa Maria Narciso Rocha de Paula (UNIMONTES), Isabela Martins Itabaiana (cnpq)
Resumo: A transição energética emerge como um imperativo global frente às mudanças climáticas, focando na substituição de fontes de energia fósseis por alternativas renováveis e sustentáveis. Contudo, este processo encerra complexidades significativas, especialmente quando considerado através da perspectiva da justiça ambiental. Este artigo se debruça sobre as desigualdades inerentes à transição energética em curso no Brasil, ressaltando como o neoextrativismo e as atuais políticas climáticas podem reforçar ou intensificar injustiças sociais e ambientais, em especial nas nações do Sul Global. Apesar da importância da transição para energias renováveis na mitigação dos impactos das mudanças climáticas, é crucial considerar as intrincadas dinâmicas socioeconômicas e os efeitos ambientais locais para prevenir resultados que violem os princípios da justiça ambiental. Este trabalho conclui que uma transição energética equitativa e inclusiva demanda uma revisão crítica das práticas neoextrativistas e a formulação de políticas que respeitem e valorizem as necessidades, direitos e conhecimentos das comunidades afetadas. Defende-se uma estratégia integrada que harmonize os objetivos climáticos com os imperativos de justiça social, garantindo que a transição energética favoreça a emergência de um futuro mais justo e sustentável. Palavras-chave: Transição energética; Justiça ambiental; Neoextrativismo.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Grandes Empreendimentos e Governança Climática: Reparação e direitos climáticos na perspectiva do Ministério Público Federal
Gabriela Santiago (UFF)
Resumo: A presente pesquisa está inserida no projeto Territórios, Corpos e Meio Ambiente: reflexões e aportes para o desenvolvimento humano e social no Brasil”, contemplado pelo edital Pró-Humanidades do CNPq em 2023, sob a coordenação da antropóloga Andrea Zhouri (UFMG). No âmbito desse projeto e sob orientação da professora Deborah Bronz (UFF), e em diálogo com o conjunto de pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos Amazônicos e Ambientais GEAM, ela insere-se ainda no eixo Legislações territoriais e ambientais e suas mudanças em relação aos direitos constitucionais vigentes O debate sobre a emergência climática já produz efeitos concretos nas políticas dos países em escala global. No Brasil, em 2023 o Ministério do Meio Ambiente passou a ser Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e recebeu logo no dia 30/01/2023 duzentos e três milhões de euros (aproximadamente um bilhão de reais) da Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha para promover ações ambientais no país e construir uma agenda de compromissos no combate à mudança do clima. Essas mudanças estão relacionadas às formas de atuação do Estado brasileiro, a gestão dos ecossistemas do país, por meio do conjunto de leis e formulações que garantem os direitos à água, a um meio ambiente equilibrado, à segurança, à liberdade de expressão e manifestação, a uma vida digna, a formas próprias de viver e se relacionar com os espaços e as territorialidades específicas de um conjunto diverso de povos e comunidades que habitam o país. Nesse sentido, o principal objeto de estudo desta pesquisa são as organizações e as formas de governança associadas ao debate territorial, ambiental e climático do país. Para tanto, me dedico a acompanhar a iniciativa Abrampa pelo Clima (Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público e do Meio Ambiente), um projeto que procura mobilizar e instrumentalizar o Ministério Público para o enfrentamento das crises climáticas que ocorrem. Em setembro de 2023 irão ocorrer as audiências públicas do Ministério Público Federal na cidade do Rio de Janeiro, as quais irei acompanhar e etnografar. Essas se dedicam à discussão de como implementar a taxação de carbono emitida por grandes empreendimentos no Brasil, já que o país se comprometeu durante a COP-26 em realizar esse trabalho: Os compromissos incluíam estabelecer novas metas de redução de emissões, duplicar o financiamento para adaptação, diminuir as emissões de metano, interromper a perda florestal, eliminar gradativamente o uso de carvão e acabar com o financiamento internacional para combustíveis fósseis, para citar apenas alguns.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A Lama Invisível em Barão de Cocais: o processo de reparação e seus desdobramentos
Graziely Gonçalves Lima (UFMG)
Resumo: As comunidades rurais de Socorro, Piteiras, Tabuleiro e Vila do Gongo, em Barão de Cocais (MG), foram abrupta e violentamente submetidas a um processo de deslocamento compulsório (Santos, 2007) desde fevereiro de 2019. O deslocamento teve início após a elevação do nível de emergência da Barragem Sul Superior (MPMG, 2019), que contém rejeitos de mineração e está, desde então, em iminência de rompimento. Suas populações, que em geral se configuravam espacialmente em núcleos de vizinhança a partir de relações de parentesco (Woortmann, 1990), foram realocadas na área urbana do município. Assim, foram submetidas a uma lógica distinta sobre o morar, o território e o cotidiano. Ainda em 2019, foram iniciados os processos de compensação e reparação dos danos causados pela Vale S.A, responsável pela barragem. Através de trabalhos de campo e análise documental realizados desde o ano de 2021, tenho observado elementos de coercitividade associados ao processo de reparação, nomeado pela Vale como Programa de Indenização Individual Extrajudicial. Os elementos se relacionam ao tempo, formato e condições do programa. A previsão da empresa é que a descaracterização da barragem seja concluída em 2029. Porém, a mesma imputou aos atingidos um prazo até fevereiro de 2022 para aderir ao processo de reparação que ela mesma tem conduzido extrajudicialmente, alegando a prescritibilidade do caso; o que apenas foi revertido em agosto passado, em acordo de conciliação firmado judicialmente. Como o nome do programa assinala, ele ocorre fora do âmbito judicial, sem controle dos órgãos de justiça, e é conduzido pela própria empresa causadora dos danos. Há uma rica literatura das ciências sociais que trata das chamadas tecnologias resolutivas de disputas (Acselrad, Bezerra, 2010; Nader, 1994; Viégas, Pinto, Novoa Garzon, 2014; Zucarelli, 2021) que apontam para a assimetria de poder, harmonia coerciva, moldagem das percepções e controle dos corpos. Os atingidos têm relatado controle e restrição de público nas reuniões, ausência de esclarecimentos quanto aos critérios adotados na valoração das indenizações, impossibilidade de apresentação de contraproposta e um considerável medo da Vale diminuir o valor ofertado, que, segundo relatório do MPMG (2022), foi um dos motivos que levou 62,6% a aceitarem a proposta. Assim, há um cenário que indica fortemente que os atingidos foram coercitivamente levados às mesas de negociação. A proposta de trabalho presente objetiva apresentar o caso e investigá-lo preliminarmente à luz da literatura sobre tecnologias resolutivas, analisando as formas de controle por parte da Vale e a hipótese de dupla dependência em relação à ela (quanto a descaracterização da barragem e retorno às comunidades versus chamada para negociação e pagamento das indenizações).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A mineração por trás da Serra: conflitos e violências no contexto de exploração minerária na Serra do Curral
Helena Duarte do Páteo Machado Fernandes (UFMG)
Resumo: A Serra do Curral, parte da maciça Serra do Espinhaço que atravessa o estado de Minas Gerais, é, para além de um cartão postal da cidade de Belo Horizonte, um objeto de grande especulação e atividade minerária. Por trás de seu contorno montanhoso ao horizonte, encontram-se extensas cavas de mineração a céu aberto, que se escondem dos olhares da cidade. A extração de minério de ferro é, atualmente, praticada pelas mineradoras Gute Sicht e Empabra, e outra parte da Serra se encontra em processo de licenciamento ambiental pela empresa Tamisa Mineração. O caso da mineração na Serra do Curral ganha visibilidade quando se apresenta a ameaça à paisagem que abraça a cidade de Belo Horizonte, porém, por trás, e para além da necessidade de sua preservação por seu marco geográfico e paisagem cultural, encontram-se situações de conflito ambiental e de violência sobre as populações periféricas dos bairros mais próximos da atividade minerária. Parte da extensão da Serra, faz fronteira com o bairro Taquaril, em Belo Horizonte, que sofre grande influência da mineração. O Taquaril é dividido em setores, sendo que, os de número 13 e 14 se localizam há menos de 1 km do portão da mineradora Gute Sicht. As afetações e danos, como aumento de doenças respiratórias, poluição sonora, contaminação das águas, privação do território, entre outras, se apresentam cotidianamente na vida da comunidade, que situada em um contexto marginalizado, assim como observado em outras comunidades do Sul Global, em contexto de grandes empreendimentos, são excluídos do desenvolvimento”, mas assumem seu ônus resultante (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010). Essa configuração não se dá de maneira aleatória, mas sim faz parte de um processo histórico violento de destinação de territórios a determinadas atividades baseadas nas populações que os ocupam, fenômeno chamado de racismo ambiental (PACHECO; FAUSTINO, 2013). Nesse contexto, o presente artigo analisa as formas de desapropriação dos territórios, através de um processo de violência lenta (NIXON, 2011), por parte das mineradoras que atuam e atuaram sobre a Serra do Curral (Tamisa, Gute Sicht, Fleurs Mineração, Empabra). Que por meio de negociações, com posições de poder assimétricas (ZHOURI et al. 2016) _ à exemplo da Audiência Pública sobre o Tombamento Estadual da Serra do Curral (TJMG, 2023) _ e utilizando de alegalidades e sob tolerância a ilegalidades (GUDYNAS, p. 31), como por meio da utilização de Termos de Ajustamento de Conduta e a continuidade de atividades extrativas irregulares, são amparadas para a continuação/efetivação das atividades minerárias. Dessa forma, o objetivo é compreender tais dispositivos de controle e desapropriação do território, e expor a complexidade do conflito multilateral que se apresenta na cidade de Belo Horizonte.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Quando o Estado é o Violador: o disciplinamento da consulta no caso do projeto viário Rodoanel BH-MG.
Hortência Dias Silva Neta (tribunal de justiça de goiás), Felisa Cançado Anaya (UNIMONTES-MG)
Resumo: Os Protocolos de Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado (PCCLPI) são importantes instrumentos técnico e político de autodeterminação e proteção territorial, elaborados por povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais. O direito a consulta, previsto na Convenção 169/OIT (1989) e ratificada pelo Brasil no ano de 2002, têm se tornado, em cenário recente, objeto de disputa por grandes projetos de desenvolvimento, que buscam através de seu capital econômico e politico, a regulamentação e o disciplinamento da consulta. Este trabalho tem como objetivo geral refletir sobre o contexto e as estratégias administrativas, relativas ao direito à consulta livre, prévia e informada, no âmbito dos poderes legislativo, executivo e judiciário no estado de MG. Tendo como foco a análise do documento metodológico referente às tratativas direcionadas aos povos e comunidades tradicionais, no âmbito do projeto viário Rodoanel BH, proposta pela empresa de consultoria Tractebel Engineering Ltda e aprovada pelo Governo do Estado de Minas Gerais. Cabe ressaltar que, o projeto Rodoanel abrange 11 municípios da região metropolitana de BH e avança diretamente sobre o território de 89 comunidades tradicionais, identificadas pelo empreendedor. Para a analise deste processo realizamos a revisão bibliográfica e analise documental, que nos permitiu observar a ausência da escuta e participação das comunidades tradicionais, como exigido pela Convenção 169 e o direcionamento da metodologia para construção dos PCCLPI, pela consultoria da concessionária, com determinado de 6 meses. Observa-se o encadeamento de atos que levam à gestão da critica, do disciplinamento da consulta e da participação”, revelando a junção dos poderes governamentais e privados em um ambiente institucionalizado, que levam a um fim: a viabilização do licenciamento ambiental e a mascaração das violações de direitos. Palavras-chave: protocolos de consulta; comunidades tradicionais; Convenção 169/OIT; Rodoanel BH

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Visões de desenvolvimento e conflito na expansão da fronteira agrícola na região da BR-163 no estado do Pará.
Karina Andréa Tarca (UFF)
Resumo: Nos últimos vinte anos, especialmente, a região sudoeste do estado do Pará atravessada pela BR-163, a Cuiabá-Santarém, tem se apresentado com uma das regiões mais afetadas pelos processos de colonização com a consequente pressão pela expansão agrícola mas também da pecuária, dos garimpos, entre outras atividades econômicas - tanto no estado do Pará quanto na Amazônia como um todo. Vários autores, neste sentido, têm buscado chamar atenção para as características e as problemáticas envolvidas no bojo desses processos em curso. Além de questões territoriais e ambientais explícitas que se colocam na intersecção entre a existência desses processos de colonização, Territórios Indígenas e Unidades de Conservação (mas também assentamentos, entre outros), configurando conflitos ambientais e políticos atuais, temos a presença das chamadas visões ou discursos de desenvolvimento (RIBEIRO, 2000; ESCOBAR, 2007) como uma categoria amplamente disputada, acionada e ressignificada por agentes e grupos chaves nesses processos de colonização. Nesse sentido, viso compartilhar, neste trabalho, alguns dados relacionados ao meu trabalho de campo etnográfico (como parte da minha pesquisa de doutorado) em andamento nas cidades localizadas às margens da rodovia da BR-163 na região sudoeste do Pará. Por meio de entrevistas, observação participante no cotidiano local, conversas com as pessoas, interações, observações de acontecimentos, reportagens e discursos políticos, como também da análise de processos em curso (como o asfaltamento da rodovia), busco apresentar como a categoria desenvolvimento é acionada dentro deste contexto pelos grupos e agentes, especialmente políticos, locais. Assim, viso refletir: de que modo a ideia de desenvolvimento orienta não só as práticas de determinados grupos, como também são construídas e ressignificadas à luz da situação política de disputas e conflitos em torno dos processos de expansão da fronteira na região da BR-163 no estado, mas também na Amazônia? De que modo determinados grupos imprimem não só seus interesses por meio da categoria de desenvolvimento”, mas como também ressignificam suas práticas, suas opções políticas e mesmo suas trajetórias de vida? Como entender a ideia e as visões de desenvolvimento em disputa hoje nas regiões de expansão agrícola e do agronegócio na Amazônia? É com este objetivo que viso apresentar este trabalho, refletir sobre conflitos ambientais e políticos na Amazônia e contribuir com a discussão do GT sobre aa reflexões antropológicas desta categoria tão fundante da visão de mundo moderna.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“O medo virou rotina”: Terrorismo de barragens no município de Itabirito/MG
Lorena Oliveira Castro (UFMG), Yasmin Maria dos Santos Braga Ferreira (UFMG)
Resumo: Nos últimos anos, recorrentes desastres e ameaças envolvendo rompimentos de barragens de rejeitos da mineração têm sido vivenciados em Minas Gerais, sobretudo na região do Quadrilátero Ferrífero, conhecida pela intensa exploração minerária (ZHOURI, 2023). A priori, os grandes empreendimentos neoextrativistas deveriam atestar a segurança das barragens de rejeito de minério mas, atualmente, nota-se a partir de casos empiricamente delineados (LASCHEFSKI, 2020), recorrentes falhas de gestão que instauram um estado de temor nas comunidades de Itatiaiuçu, Barão de Cocais, Macacos, Nova Lima, Ouro Preto, Itabira, Itabirito, Congonhas e Rio Preto. O terrorismo de barragens”, isto é, a transformação dos territórios em zonas de terror, de instabilidade e risco, e a sua marcação através de placas indicando rotas de fuga e pontos de encontro no caso de rompimento de barragem, simulações e evacuações, sirenes disparadas para treinamentos e indicações de Zonas de Autosalvamento (ZA’s), sendo muitas vezes localizados e acontecendo em escolas, como o atestado pela moradora I.B., que já participou de simulados de evacuação de emergência e acompanhou o erguimento de tendas da Vale no Instituto Federal de Ciências e Tecnologia (IFMG), é a realidade de muitos dos municípios do estado. Além disso, falhas e lacunas nos estudos dos Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM) e nos de Dam Break integram, também, o processo de produção sistemática de terror, colocando as populações em situações de perigo e vulnerabilidade. O município de Itabirito/MG continua sendo palco de um ideário desenvolvimentista que explora, de maneira descontrolada, os recursos naturais, visando a exportação de commodities e o lucro (ZHOURI, 2023). O Pico de Itabirito é o principal ponto minerário da cidade, sendo destacadamente minerado por grandes empreendimentos, como a Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), que desde 1940 explora minério de ferro no Pico, a Herculano Mineração, Gerdau, Vale e CSN. Devido a isso, a população sofre, cotidianamente, com o terror causado pela iminência do rompimento de barragens, chegando ao ponto do medo ter caído na rotina, ou melhor, o medo virou rotina”, como dito pela moradora D.M., através de entrevista semi-estruturada. A partir disso, o poder político das mineradoras se intensifica constituindo, assim, um poderoso lobby a dominar o cenário político do estado e do país (ZHOURI, 2023, p. 15), e promovendo, paralelamente, o esvaziamento, a apropriação e o controle de territórios de interesse. Diante do exposto, o presente trabalho procura verificar a forma como o terrorismo de barragens surge no cotidiano das pessoas, a partir do município de Itabirito/MG.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“Se a terra tiver doente e a água tiver doente, nós vamos estar doentes! Petróleo, desenvolvimentismo, agências e resistências da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão, Oiapoque-AP.
Maria Alice Costa de Oliveira (UFPA)
Resumo: Os povos indígenas Galibi Kali’na, Galibi Marworno, Karipuna e Palikur vivenciam, há séculos, ameaças e violações aos seus territórios, recursos, identidades e modos de ser e viver. Habitantes das terras indígenas Galibi, Juminã e Uaçá, no município de Oiapoque, estado do Amapá, no extremo norte da Amazônia brasileira, fronteira com a Guiana Francesa, suas histórias e memórias são atravessadas por projetos desenvolvimentistas mesmo antes desse termo ser cunhado na teoria ou na vida cotidiana. Desde o século XVII, lutam contra os impactos da presença dos colonizadores europeus; de ciclos econômicos diversos (lícitos e ilícitos), dentro e fora de suas aldeias; das críticas e imposições de outros modelos socioeconômicos, que desqualificam os seus próprios e impõem formatos exógenos e desconectados de suas realidades e interesses; das dinâmicas econômicas atuais, em que a sociedade não indígena e mesmo alguns indígenas priorizam o lucro em detrimento do bem viver e de um futuro bom para seus filhos e netos. A perspectiva da exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, distante cerca de 160 km da cidade de Oiapoque, tem gerado muitos debates, disputas de narrativas, expectativas de grande crescimento econômico no município e no Estado do Amapá, além de conflitos, diretos e indiretos, entre os que defendem e os que questionam e/ou condenam esta possibilidade ameaçadora, especialmente para humanos e não humanos da região. Os povos indígenas têm se colocado na linha de frente de resistência a esse projeto desenvolvimentista, que já se firmou como o mais impactante e potencialmente nocivo, seja pelos impactos que já vem causando (como a imputação de culpa aos indígenas por serem contra o progresso”) como pelos incalculáveis perigos, no caso de um acidente petrolífero. Nesta luta, se destaca o papel da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão-AMIM, que representa as mulheres dos quatro povos indígenas de Oiapoque. A AMIM é contra a exploração de petróleo na região e, para além dos eventos, oficinas e debates em que participa sobre o tema, sua atuação junto aos povos e aldeias da região inclui a execução de vários projetos de geração de renda, proteção territorial e uso sustentável dos recursos de seus territórios. Seja por meio dos projetos, de seu posicionamento contrário ao petróleo e a outros impactos nocivos a seus territórios e povos, a AMIM demonstra o papel fundamental dos povos indígenas na reflexão sobre o desenvolvimento na perspectiva não indígena, branca, capitalista, reafirmando e exemplificando que formas outras de bem viver são possíveis e necessárias, em contraposição ao desenvolvimentismo que segrega, amplia desigualdades e desrespeita quem privilegia a vida ao invés de royalties petrolíferos.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"EU COMPREI PARA MORAR, NÃO PARA VENDER": mecanismos de (des)apropriação do Edifício Holiday
Mônica Maria Gusmão Costa (UNIT)
Resumo: O presente trabalho deseja dar continuidade à pesquisa apresentada no Congresso VIII ALA, na Argentina, e trata da vulnerabilidade social dos moradores que foram expulsos de um edifício localizado na zona nobre da cidade do Recife, na praia de Boa Viagem, chamado Edifício Holiday. O prédio foi construído em 1956, com arquitetura moderna e ousada para a época, possuindo 17 andares e 476 kitnets”, com vista privilegiada para o mar. Inicialmente, adquirido para veraneio por família abastadas do Recife e por estrangeiros, aos poucos foi se tornando local de encontros amorosos clandestinos, mas também lá residiam muitas famílias da classe trabalhadora, onde criaram seus filhos, os quais passaram também a residir no prédio. Alguns comércios foram abertos na área comum do edifício, onde havia uma igreja que prestava serviços sociais aos moradores (atendimento médico, odontológico, creche). O Holiday tornou-se um incômodo para seu entorno: nos prédios vizinhos modernos, e flats (os antigos kitnets), moram empresários, juízes, advogados bem-sucedidos, desembargadores, etc. O prédio abrigava uma comunidade vertical implantada no bairro com o metro quadrado mais caro do Recife. No início do ano de 2019, a Prefeitura do Recife entrou com uma ação judicial para desocupar o Holiday, alegando risco de incêndio e estrutural. O processo, de forma pouco convencional, foi parar nas mãos de um juiz midiático, que logo tratou de expulsar os moradores do prédio, fechou o comércio e interditou a Igreja, tratando, também, de inviabilizar qualquer tentativa de retorno dos moradores. Foram apresentadas ao juiz várias soluções de reformas elétricas patrocinadas pelo curso de extensão de engenharia da Universidade de Pernambuco, bem como foi atestado por engenheiros a total ausência de risco estrutural. Trata-se, claramente, da politização do judiciário (Sousa Santos), pondo em risco as instituições democráticas e a justiça social. Também pode-se verificar claro racismo ambiental, pela forma como as famílias foram removidas de seus lares, passando a residir em periferias, como na favela Entra Apulso, que margeia o Shopping Center Recife. Assim, o presente trabalho tem o objetivo de refletir sobre os mecanismos de apropriação do Edifício Holiday, através de pesquisa etnográfica, demonstrando que o judiciário foi legitimador da agressão ao direito à cidade e violador da Constituição, com a clara estratégia de atender à especulação imobiliária, promovendo uma limpeza social em nome do desenvolvimento. Interessante notar que o processo judicial rendeu ao juiz início na política e provável candidatura para as próximas eleições. Atualmente, o Holiday foi sentenciado a ser leiloado.
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“Herança maldita”: A luta e mobilização da população de Caldas contra o legado da mineração de urânio
Natália Castilho Gonçalves (UFMG)
Resumo: O município de Caldas, localizado no sul de Minas Gerais, ainda carrega as marcas dos primeiros passos do Programa Nuclear Brasileiro, gestado nos anos de 1930. Inaugurada em 1982, a Mina Osamu Utsumi fez parte do primeiro complexo mínero-industrial brasileiro voltado para a exploração e enriquecimento de urânio. Com o slogan Caldas dá urânio para o Brasil”, a unidade funcionou até 1995, quando suas atividades foram encerradas devido à baixa produtividade e ao alto custo de produção. Seu nocivo legado é representado hoje pelos materiais radioativos da Unidade de Descomissionamento (UDC). São cerca de 15 mil toneladas de rejeitos radioativos, que estão aterrados em silos ou dispostos em uma barragem de rejeitos nucleares com problemas estruturais. Marcados pela chamada herança maldita”, os moradores de Caldas lutam há anos para o efetivo descomissionamento do complexo, além de se mobilizarem contra o envio de novos rejeitos provenientes de outros sítios de produção e beneficiamento de urânio no país e se posicionarem contra a conversão da UDC em um depósito final de rejeitos radioativos resultante da expansão do Programa Nuclear Brasileiro previsto no Plano Nacional de Energia de 2050. Nesse contexto, a pesquisa busca compreender as mobilizações da população local, que com seu histórico de atuação aciona atores estratégicos para direcionar suas demandas, como a Articulação Antinuclear Brasileira, o Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPMG), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, entre outros. A investigação também examina as estratégias das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa pública, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, que exerce o monopólio da produção e comercialização de materiais nucleares e é, portanto, responsável pela UDC. Essa compreensão irá ajudar a entender as disputas envolvidas em torno do risco e seus tensionamentos, sobretudo a partir da abordagem teórica que conceitua a construção do risco a partir de uma lógica política que orienta sua distribuição desigual. A relevância da pesquisa se encontra na contribuição para o debate sobre a questão nuclear no Brasil, através da ótica do renascimento nuclear impulsionado pela crise climática, sobretudo considerando a posição central dos rejeitos radioativos nessa discussão. Através de entrevistas realizadas com moradores locais mobilizados no conflito e antigos trabalhadores da INB, bem como por meio da pesquisa documental, da revisão bibliográfica, de trabalhos de campo e do acompanhamento de audiências públicas, a investigação em curso aponta para o desgaste da relação entre a população de Caldas e a INB, assim como a desconfiança no que se refere à efetivação do descomissionamento total da UDC e o medo em relação à contaminação radioativa.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Projeto Serra da Serpentina: licenciamento ambiental, comunidades tradicionais e demanda por direitos
Sabrina Soares D'Almeida (UFMG), Vinicius José Ribeiro da Fonseca Santos (UFMG)
Resumo: Em 2022, a empresa Vale oficializou junto ao órgão ambiental de Minas Gerais, a SUPRAM, o pedido para licenciamento ambiental do Projeto Serra da Serpentina que, segundo seu Estudo de Impacto Ambiental (EIA), prevê a instalação de 19 cavas, unidade de tratamento de minério, pilhas de rejeito/estéril, um mineroduto de cerca de 115 km e um terminal de minério. Ainda de acordo com o referido estudo, o empreendimento, se instalado, afetaria 11 municípios situados no Médio Espinhaço, comprometendo as bacias hidrográficas do rio Piracicaba e do rio Santo Antônio (e, consequentemente, a capacidade de recarga do rio Doce), além de aproximadamente 51 comunidades tradicionais, dentre as quais estão povos indígenas e comunidades quilombolas. Trata-se de um projeto que, assim como outros em processo de licenciamento ambiental na região ou já em operação como o Minas-Rio da Anglo-American representa o avanço da fronteira minerária em direção ao Espinhaço e faz emergir uma série de conflitos socioambientais envolvendo esses grupos. Visto que os estudos ambientais apresentados pelas empresas são construídos a partir de uma economia de visibilidades (TEIXEIRA, ZHOURI, MOTTA, 2020) que conformam um território próprio do empreendimento, obliterando as territorialidades específicas das comunidades atingidas, o presente trabalho pretende trazer uma análise sobre o licenciamento ambiental do Projeto Serra da Serpentina. O foco recairá sobre as práticas e estratégias discursivas da empresa, seus avanços, alianças e recuos ao longo desse processo e, também, sobre as práticas de resistência adotadas pelos povos e comunidades tradicionais afetados visando à denúncia de omissões e do subdimensionamento dos efeitos negativos do empreendimento pelo EIA/RIMA, bem como de sua invisibilização e da violação do seu direito à consulta livre, prévia e informada.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Território tradicional do povo Apyãwa (Tapirapé), com sua história, origem e Trajetória milenar.
Samuel Oparaxowa Tapirapé (UFG), Samuel Oparaxowa Tapirapé (UFG)
Resumo: Samuel Oparaxowa Tapirapé 06-03-2024 (UFG) Mestrando em Antropologia Social/UFG oparaxowa@dicente.ufg.br Título: TERRITÓRIO TRADICIONAL DO POVO APYÃWA (TAPIRAPÉ), COM SUA HISTÓRIA, ORIGEM E TRAJETÓRIA MILENAR. O objetivo deste trabalho é apresentar as transformações que vêm ocorrendo dentro do território do povo Apyãwa, com relação os invasores que estão prejudicando diretamente a nossa cultura. De acordo com os anciãos entrevistados, as transformações dos não indígenas estão causando muitos problemas nas nossas vidas, nos nossos territórios e na nossa cultura, somos invadidos pelos fazendeiros, madeireiros e pescadores. Para alcançar os objetivos deste ensaio realizei diversas pesquisas, não só nos livros, mas principalmente nas comunidades Apyãwa, em diferentes momentos e espaços, como na Takãra (casa cerimonial), nas casas, na escola, na roça, na pescaria e na caçada, onde as conversas são direcionadas entre os Apyãwa. Através de entrevista feitas em três aldeias até o momento (Tapi’itãwa, Myryxitãwa e Wiriaotãwa) já foi possível perceber os motivos das mudanças que vem acontecendo antes mesmo dos contatos com a sociedade não indígena até nos dias atuais. Também foram registrados alguns territórios Apyãwa que estão fora da Terra Indígena demarcada aos Apyãwa que são considerados espaços sagrados, lugares das aldeias antigas e os lugares em que buscamos a subsistência desde sempre, lugares das caçadas, pescaria e os lugares em que tiramos as madeiras para fazer a casa e a casa cerimonial do povo Apyãwa para que seja realizada a festa tradicional do povo Apyãwa que acontece todo ano formando um calendário de ciclos rituais. Lugares em que também tiramos matérias primas para confeccionar as artes Apyãwa. Acredito que, a partir dos meus trabalhos de pesquisa e dos nossos debates, as pessoas, principalmente as crianças e os jovens do nosso povo, terão chance de ouvir as histórias reais do nosso território, origem e trajetória milenar.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Acordos Internacionais para o Clima e Mudanças Climáticas
Sofia Campos Melo (UEMA)
Resumo: O seguinte trabalho é uma ação extensiva realizada pelo Programa Institucional de Bolsas de Extensão da Universidade Estadual do Maranhão, que objetiva o levamento bibliográfico e documental das principais conferências e acordos ambientais internacionais, a fim de cataloga-los e disponibilizá-los ao público através de um painel on-line. O projeto leva em consideração que as conferências ambientais são um espaço de debate e resoluções de problemas ambientais a nível global, entende-se que seja uma discussão que necessita de mais visibilidade da população, da comunidade acadêmica, e que envolva movimentos sociais que somem com a causa. Os problemas ambientais causados pela atividade e ocupação humana fomentam descomunais impactos a vida terrestre e aquática do planeta. E o desequilíbrio e as alterações climáticas, são umas das mais graves consequências disto, tendo em vista que, seus efeitos causam o aumento da temperatura global, dos longos períodos de estiagem, perda de ecossistemas e da biodiversidade, e inúmeros outros. E, tais consequências, assolam a vida humana, principalmente aquelas de baixa renda e grupos minorizados, desenvolvendo a desigualdade e o racismo ambiental. Para a execução desta extensão, estão sendo realizados levantamentos documentais e bibliográficos das características de destaque das conferências e acordos internacionais já realizados, além de seus efeitos na legislação brasileira. Ademais, está sendo realizado pelos participantes dessa ação de extensão, um painel de monitoramento que incluirá todas as informações sobre o assunto coletadas durante este projeto. Dessa forma, pretende-se com a produção deste painel trazer ao público acadêmico e não-acadêmico maiores referências e conhecimentos sobre os problemas ambientais atuais, seus impactos e as resoluções que estão sendo, e já foram desenvolvidas para resolvê-los. Por fim, cabe ressaltar que, este projeto de extensão, envolve o Núcleo de Extensão para o Enfrentamento das Desigualdades NEED e o Laboratório de Estudos sobre Desigualdades e Diversidades LAEDD-CNPQ/UEMA.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A retomada do Programa Nuclear Brasileiro e o repertório do confronto antinuclear
Whodson Robson da Silva (UFMG)
Resumo: Publicado em 2020, o Plano Nacional de Energia 2050 (PNE 2050) indica ampliar até 10 GW de energia nuclear na matriz elétrica brasileira em um horizonte de 30 anos, o que significaria construir oito novas usinas nucleares, para além das duas já existentes e de uma terceira em construção, e expandir toda a cadeia produtiva do nuclear. Há perspectivas de construção de uma quarta usina no Rio de Janeiro, de até seis usinas no sertão de Pernambuco, como também já foram indicados outros sítios no Nordeste (Alagoas e Sergipe) e no Sudeste (Minas Gerais). Efetivamente, formas de cooperação entre o Estado e a iniciativa privada têm alinhavado o nuclear como a energia do futuro”, que poderá contribuir na redução de emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) e na resiliência e robustez do sistema elétrico na transição energética - como indica o PNE 2050. O anseio por um futuro nuclear, verde, limpo e sustentável, tem retroalimentado o sonho do progresso e da prosperidade, já tão conhecido no campo do desenvolvimento. O que me provoca etnograficamente, além da estranheza no significado desse futuro, é de como o nuclear tem deslanchado no albergue de um momento paradigmático para discussões, entre as quais ecológicas, e negociações geopolíticas em torno de uma transição energética mundial. Me interessa, portanto, problematizar a retomada do programa nuclear brasileiro a partir das dinâmicas sociopolíticas de sua produção e apropriação simbólica por agentes situados. Na busca por desvelar esse processo político, proponho apresentar o itinerário da retomada do nuclear, como também o itinerário de conflitos nos ambientes sob intervenção dos projetos de infraestrutura deste. O repertório do confronto antinuclear, em contrapartida, tem acirrado a compreensão dos efeitos socioambientais de uma energia nuclear verde, limpa e sustentável, além de possibilitar a exposição do contraditório e visibilizar como agentes locais sugerem futuros alternativos possíveis. Entendo que a opção pelo nuclear tem implicações nos padrões sociais, nas relações ambientais e políticas e, de forma incontornável, na vida das pessoas, dessa maneira, o debate sobre o futuro energético não deve ser encarado de maneira abstrata ou deslocado das realidades locais no agora. Com este trabalho, quero tensionar o debate sobre os processos contemporâneos de escolhas energéticas e de como, em meio a esses processos, é possível ou não pensar alternativas transformadoras.