ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 043: Desenvolvimento e conflitos socioambientais: práticas de apropriação territorial e alternativas transformadoras
As sobras de tudo que foram lar: reflexões sobre casas e reparações em um grande projeto hidrelétrico
Esta pesquisa analisa os efeitos sociais das reparações operadas por grandes projetos, concentrando-se em famílias deslocadas e reassentadas há quase uma década para dar lugar a uma hidrelétrica no sul do Brasil. É resultado das reflexões que venho fazendo para a tese de doutoramento em Antropologia Social desde 2017, bem como da minha atuação como cientista social e antropólogo em pesquisas aplicadas junto a grandes projetos no setor elétrico e de mineração entre 2019 e 2023, e se utiliza de observações etnográficas realizadas nesse percurso. Com o passar dos anos, após a instalação de um grande projeto, o fervor de desenvolvimento nos municípios diminui e a atenção pública sobre os territórios atingidos esmaece. A mídia, os intelectuais e políticos falam menos sobre o tema, e a supervisão do cumprimento do licenciamento ambiental por parte dos órgãos públicos responsáveis se torna menos incisiva. As atividades econômicas e as mudanças na paisagem vão sendo incorporadas na rotina das pessoas, e os discursos e as práticas das empresas responsáveis pelo grande projeto se afastam cada vez mais das populações atingidas. As reparações acordadas com o órgão ambiental na forma dos programas ambientais são reduzidas, ou passam a preferir oferecer propostas em dinheiro, ou são diluídas e ressignificadas nos investimentos em responsabilidade social”. Os reassentamentos vão se tornando parte da malha dos municípios e regiões. Recebem cada vez menos os programas ambientais, enquanto as suas famílias reclamam, de maneira ambígua e oscilante, por direitos e por pedir ajuda à firma, e ao governo. As memórias e aspirações destas famílias revelam a (re)invenção de vidas marcadas por comparações e relações ambíguas entre nostalgia, ressentimento, e resignação diante de perdas materiais e imateriais irreparáveis a falta, a saudade do tempo antigo em meio aos confortos e problemas das casas atuais; as dificuldades socioecológicas e relacionais para produzir, se empregar, diante as frustrações com as reuniões e com as formas de reparação propostas, em meio aos esforços, realizações e expectativas por uma vida melhor. Assim, ser reassentado e ser alvo das reparações por grandes projetos é, pois, uma categorização ambígua, que significa, com o passar dos anos, a alternância entre a satisfação e o se acostumar com: i) os modos de habitar as casas e os territórios então organizados nas linhas, frente os reassentamentos, e os termos legais e ações empresariais para tal; ii) as mudanças nas relações com parentes e vizinhos, atualmente, por vezes também reassentados por outros grandes projetos; iii) o cansaço e a luta pelo reconhecimento e valoração de danos; e iv) as apostas de maior ou menor confiança sobre as reuniões, as visitas nas casas, e o futuro.