Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 043: Desenvolvimento e conflitos socioambientais: práticas de apropriação territorial e alternativas transformadoras
Herança maldita: A luta e mobilização da população de Caldas contra o legado da mineração de urânio
O município de Caldas, localizado no sul de Minas Gerais, ainda carrega as marcas dos primeiros passos do Programa Nuclear Brasileiro, gestado nos anos de 1930. Inaugurada em 1982, a Mina Osamu Utsumi fez parte do primeiro complexo mínero-industrial brasileiro voltado para a exploração e enriquecimento de urânio. Com o slogan Caldas dá urânio para o Brasil, a unidade funcionou até 1995, quando suas atividades foram encerradas devido à baixa produtividade e ao alto custo de produção. Seu nocivo legado é representado hoje pelos materiais radioativos da Unidade de Descomissionamento (UDC). São cerca de 15 mil toneladas de rejeitos radioativos, que estão aterrados em silos ou dispostos em uma barragem de rejeitos nucleares com problemas estruturais. Marcados pela chamada herança maldita, os moradores de Caldas lutam há anos para o efetivo descomissionamento do complexo, além de se mobilizarem contra o envio de novos rejeitos provenientes de outros sítios de produção e beneficiamento de urânio no país e se posicionarem contra a conversão da UDC em um depósito final de rejeitos radioativos resultante da expansão do Programa Nuclear Brasileiro previsto no Plano Nacional de Energia de 2050.
Nesse contexto, a pesquisa busca compreender as mobilizações da população local, que com seu histórico de atuação aciona atores estratégicos para direcionar suas demandas, como a Articulação Antinuclear Brasileira, o Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPMG), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, entre outros. A investigação também examina as estratégias das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa pública, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, que exerce o monopólio da produção e comercialização de materiais nucleares e é, portanto, responsável pela UDC. Essa compreensão irá ajudar a entender as disputas envolvidas em torno do risco e seus tensionamentos, sobretudo a partir da abordagem teórica que conceitua a construção do risco a partir de uma lógica política que orienta sua distribuição desigual. A relevância da pesquisa se encontra na contribuição para o debate sobre a questão nuclear no Brasil, através da ótica do renascimento nuclear impulsionado pela crise climática, sobretudo considerando a posição central dos rejeitos radioativos nessa discussão. Através de entrevistas realizadas com moradores locais mobilizados no conflito e antigos trabalhadores da INB, bem como por meio da pesquisa documental, da revisão bibliográfica, de trabalhos de campo e do acompanhamento de audiências públicas, a investigação em curso aponta para o desgaste da relação entre a população de Caldas e a INB, assim como a desconfiança no que se refere à efetivação do descomissionamento total da UDC e o medo em relação à contaminação radioativa.