Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 043: Desenvolvimento e conflitos socioambientais: práticas de apropriação territorial e alternativas transformadoras
A Lama Invisível em Barão de Cocais: o processo de reparação e seus desdobramentos
As comunidades rurais de Socorro, Piteiras, Tabuleiro e Vila do Gongo, em Barão de Cocais (MG), foram abrupta e violentamente submetidas a um processo de deslocamento compulsório (Santos, 2007) desde fevereiro de 2019. O deslocamento teve início após a elevação do nível de emergência da Barragem Sul Superior (MPMG, 2019), que contém rejeitos de mineração e está, desde então, em iminência de rompimento. Suas populações, que em geral se configuravam espacialmente em núcleos de vizinhança a partir de relações de parentesco (Woortmann, 1990), foram realocadas na área urbana do município. Assim, foram submetidas a uma lógica distinta sobre o morar, o território e o cotidiano. Ainda em 2019, foram iniciados os processos de compensação e reparação dos danos causados pela Vale S.A, responsável pela barragem. Através de trabalhos de campo e análise documental realizados desde o ano de 2021, tenho observado elementos de coercitividade associados ao processo de reparação, nomeado pela Vale como Programa de Indenização Individual Extrajudicial. Os elementos se relacionam ao tempo, formato e condições do programa. A previsão da empresa é que a descaracterização da barragem seja concluída em 2029. Porém, a mesma imputou aos atingidos um prazo até fevereiro de 2022 para aderir ao processo de reparação que ela mesma tem conduzido extrajudicialmente, alegando a prescritibilidade do caso; o que apenas foi revertido em agosto passado, em acordo de conciliação firmado judicialmente. Como o nome do programa assinala, ele ocorre fora do âmbito judicial, sem controle dos órgãos de justiça, e é conduzido pela própria empresa causadora dos danos. Há uma rica literatura das ciências sociais que trata das chamadas tecnologias resolutivas de disputas (Acselrad, Bezerra, 2010; Nader, 1994; Viégas, Pinto, Novoa Garzon, 2014; Zucarelli, 2021) que apontam para a assimetria de poder, harmonia coerciva, moldagem das percepções e controle dos corpos. Os atingidos têm relatado controle e restrição de público nas reuniões, ausência de esclarecimentos quanto aos critérios adotados na valoração das indenizações, impossibilidade de apresentação de contraproposta e um considerável medo da Vale diminuir o valor ofertado, que, segundo relatório do MPMG (2022), foi um dos motivos que levou 62,6% a aceitarem a proposta. Assim, há um cenário que indica fortemente que os atingidos foram coercitivamente levados às mesas de negociação. A proposta de trabalho presente objetiva apresentar o caso e investigá-lo preliminarmente à luz da literatura sobre tecnologias resolutivas, analisando as formas de controle por parte da Vale e a hipótese de dupla dependência em relação à ela (quanto a descaracterização da barragem e retorno às comunidades versus chamada para negociação e pagamento das indenizações).