ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 062: Fronteiras e fabulações: antropologias especulativas e experimentos etnográficos
alt

Coordenação
Silvana de Souza Nascimento (USP), Ana Letícia de Fiori (UFAC)

Resumo:
Este grupo de trabalho volta-se aos potenciais especulativos do trabalho antropológico. Acolheremos trabalhos que experimentem relações copoiéticas entre ciência e ficção que possam transpassar fronteiras epistemológicas, etnográficas e intersubjetivas. Pretendemos debater pesquisas que coloquem em cena processos de composição, montagem, construção e desconstrução de perspectivas teóricas e metodológicas, levando em conta relações entre teoria e prática, antropologia e etnografia, ciência e política. Formas de habitar mundos ao mesmo tempo justapostas e incomensuráveis, engendradas por auto-etnografias, antropologias contra coloniais, experimentações de escrita etnográfica serão bem-vindas. A partir das noções de figuração e mundificação propostas por Haraway, tencionamos entrelaçar propostas que construam cenários (etnográficos, ficcionais) a investigar, fabular e especular sobre - na perspectiva de Ingold, que considera a especulação uma dimensão fundamental da antropologia - possibilidades de vidas e seres compósitos. Buscam-se experimentos que levem a sério a dimensão do encantamento para produção e circulação de conhecimentos, seus artefatos e seus efeitos etnográficos. Também desejamos incluir trabalhos que dêem visibilidade a produções de conhecimento, em diálogo com a ficção, a literatura e outras formas expressivas, que ofereçam possibilidades de construção de saberes de forma coletiva e colaborativa, tais como no afrofuturismo e na escrevivência.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O Terreiro do Pajé Barbosa: memórias político afetivas do território Pitaguary
alexandre hermes oliveira assu (UFRJ)
Resumo: A principal ferramenta mnemotécnica deste trabalho são as memórias do pajé Barbosa: imagens produzidas na Aldeia Monguba da etnia indígena Pitaguary, em Pacatuba - CE, entre os anos de 2013 e 2023. Um acervo significativo que conecta o pesquisador ao território e aos colaboradores da pesquisa, ajudando a compreender processos de autonomia analisados conjuntamente aos saberes tradicionais em seus territórios. Trata-se de um repertório de saberes organizado a partir de cosmologia afro-indígena, que contribuiu para uma reflexão acerca dos métodos de aprendizagem, conhecimento, compartilhamento e colaboração. A retomada destas memórias cotidianas e de eventos foi proposta utilizando ferramentas da antropologia da arte para desmontar um cenário fatídico e reconstruir a vida a partir de uma política das imagens, dos afetos, das artes e dos saberes desses povos tradicionais. Palavras chaves: memória, aprendizagem, política das imagem; colaboração; etnicidade, corpo, saberes tradicionais.
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Uma ponte entre duas culturas: o recurso da ficção científica social na construção de uma antropologia especulativa
Ana Luiza da Silva Dias (UFC)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo propor a utilização da ficção científica social como recurso teórico na construção de uma antropologia especulativa, recorrendo à licença poética desse gênero literário e cinematográfico para articulações teóricas da área. Dialogamos com autores como Sarah Lefanu (1998), Neil Gerlach e Sheryl Hamilton (2003), Tim Ingold (2019), e Ursula K. Le Guin (2023). Desde sua origem mais consolidada, no século XIX, o gênero ficção científica (FC) se popularizou pelas narrativas futurísticas que misturavam a fantasia e a ciência, por exemplo, no temor ou na admiração a seres alienígenas (ou seja, estrangeiros em relação à espécie humana), cujas descrições encontravam paralelo naquelas das populações colonizadas pelas nações imperialistas. Nos anos 1950, ainda predominantemente literário, o gênero passou a incorporar cada vez mais reflexões críticas e sociais das ciências humanas tal virada inaugurou o que seria posteriormente intitulado de ficção científica social. No contexto do pós-guerra, as novas produções tinham como pano de fundo temas como colonialismo, imperialismo, etnocentrismo, raça, gênero e trabalho. A partir dos anos 1970, a FC passou a ser cada vez mais adaptada para as telas de cinema, com filmes que se apoiavam em efeitos especiais para retratar cenários e circunstâncias fantásticas”. Recorrendo à literatura e ao cinema de FC, pesquisadores de humanidades propuseram que a dita ficção científica social poderia ser utilizada no afloramento da imaginação antropológica e na própria investigação social. Segundo Sarah Lefanu (1998), enquanto a teoria socioantropológica expõe um fato social como conceito, a FC pode trabalhar com ele pelo viés da imaginação, da especulação. Gerlach e Hamilton (2003) argumentam que o requisito da FC de imaginar um futuro para além das limitações das realidades do presente a torna ideal para a extrapolação das teorias das ciências sociais. Tal articulação encontra consonância com os votos de Tim Ingold (2019) por uma antropologia experimental e aberta à especulação, uma convergência da ciência com a arte. Ursula K. Le Guin (2023), escritora de FC, defende a literatura imaginativa como um instrumento útil de resistência à opressão, pois escancara a contingência da realidade, informando-nos que ela não tem que ser do jeito que é. A possibilidade de estabelecer um espaço tanto discursivo quanto imaginário entre o presente e o futuro justifica a utilização das narrativas de FC como ferramentas de compreensão da realidade social. Metodologicamente, o trabalho recorre à literatura existente sobre antropologia do cinema, antropologia e ficção científica e aos estudos de ficção científica, como os autores supracitados, mais Sheila Schwartz (1971) e Alice Fátima Martins (2004).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Silêncios e ruídos: registros (auto)etnográficos da violência em uma comunidade carioca
Caroline Laya de Menezes (USP)
Resumo: A pesquisa em questão, derivada de um evento violento em 7 de abril de 2019, adota uma abordagem autoetnográfica que combina as vivências pessoais da pesquisadora com análises acadêmicas. Esta investigação busca explorar as complexas repercussões emocionais, midiáticas e sociais desencadeadas por esse evento, empregando a metáfora do "silêncio" e do "ruído" como instrumentos reflexivos e interpretativos. A metodologia empregada busca ir além das narrativas predominantes, investigando tanto as narrativas negligenciadas quanto as estratégias de silenciamento presentes no contexto analisado. Adicionalmente, o estudo amplia a discussão sobre desigualdades e violência urbana ao incorporar narrativas locais e rumores, elementos fundamentais na formação de percepções específicas das dinâmicas sociais na área em foco. Ao explorar esses elementos, a pesquisa indica uma intricada rede de relações associadas ao evento violento, contribuindo para uma compreensão das interseções entre violência, mídia e comunidade. A utilização da abordagem autoetnográfica permite a integração de experiências pessoais com análises acadêmicas, enriquecendo a compreensão das implicações do evento em questão.
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
E antropólogue como contrarregra, ou da Antropologia como contrarregragem
Daniel Vilhas M. da Silva (UNICAMP)
Resumo: Durante as eleições de 2020, acompanhei a campanha de Brenda da Silva Santunioni, então vereadora de Viçosa-MG e mulher transexual, à prefeitura da cidade. Em sua carreira e campanhas eleitorais, circulavam uma série de críticas em virtude de sua proximidade a grupos políticos locais que se situam mais à direita do espectro político, apesar de sua também estreita vinculação à luta por direitos LGBTQIA+ na região. Num contexto que era profundamente marcado pela pandemia de Covid-19, em que vigoravam barreiras sanitárias, o distanciamento físico e social, e o uso frequente de máscaras, estive presente nas caminhadas eleitorais que são típicas desse período de campanha. Diferente do que eu imaginara a princípio, a pandemia não havia acabado com o corpo-a-corpo eleitoral entre candidates e eleitories. Fazendo campanha junto de Brenda, eu havia me tornado, para todos os efeitos, uma de suas apoiadoras mais próximas. Em 2021, após ter perdido as eleições, Brenda passou a editar uma revista eletrônica com o nome Canal Brenda Santunioni”. Seu intuito com a revista era não apenas garantir uma fonte de renda, mas também continuar se plrojetando no cenário da política local, mantendo-se relevante entre os grupos políticos aliados e rivais. Em incursões de campo naquele ano, passei a ajudar Brenda nas filmagens externas de seu canal, montando o equipamento de filmagem, as luzes e o cenário para a realização de entrevistas. Ela passou a me apresentar, naquele momento, como seu contrarregra”. A partir dessas experiências do trabalho de campo de minha pesquisa de mestrado, reflito sobre o papel da pessoa antropóloga enquanto contrarregra, ou, mais precisamente, sobre a antropologia enquanto contrarregragem. Enquanto antropólogues, estamos frequentemente diante da situação de estarmos circulando pelos bastidores das experiências humanas. O trabalho antropológico, nesse sentido, adquire um caráter de contrarregragem na medida em que nós mesmos nos vemos implicados na construção das cenas que nos propusemos a estudar. Dito de outro modo, lançar luz sobre determinado acontecimento, contexto ou situação, é também produzi-la enquanto discurso da experiência humana. Por outro aspecto, o ato de montar a cena, dispondo a iluminação, os objetos e os equipamentos, pode igualmente ser comparado com a atividade de reflexão teórica que concerne à antropologia, tanto em relação às pessoas e grupos com quem pesquisamos, quanto em relação à história e a metodologia da própria disciplina. Diferente de propor uma abordagem inovadora sobre o cotidiano do fazer etnográfico, minha intenção é refletir a esse respeito à luz da noção de contrarregragem, conforme ela emergiu durante a pesquisa que deu origem à minha dissertação de mestrado.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gilead é logo ali: etnografando futuros
Diogo Coutinho Iendrick (UFF)
Resumo: A proposta de trabalho parte da ideia de que a literatura é uma antropologia especulativa e busca explorar as potencialidades antropológicas da ficção científica, tomando O conto da aia, romance distópico da autora canadense Margaret Atwood, enquanto dispositivo imaginativo para examinar a própria natureza humana. Como pesquisa de doutorado em andamento, meu objetivo aqui é apresentar para discussão interesses temáticos e direcionamentos a partir dos elementos ficcionais criados pela autora e sua relação com nossa sociedade, comparativamente, buscando perceber o que existe de etnográfico na tecitura de um romance de ficção científica. A exemplo do que propõe Roberto DaMatta, é possível considerar uma obra literária como narrativa mítica, momento privilegiado em que a sociedade fala sobre si própria. Os mitos fornecem perspectivas sobre a compreensão do mundo e, considerando o romance uma derivação dos mitos, é possível adotar a narrativa ficcional como a própria sociedade percebida por meio de um código específico. O romance, então, examina a existência humana, o campo de suas possibilidades — o que o ser humano pode fazer ou se tornar, não se limitando a metáforas. Quando colocamos em perspectiva a ficção científica então, é possível perceber que suas alteridades radicais e até seus cenários de devastação iluminam relações humanas constituindo um tratamento específico do mundo: são realidades alternativas que relativizam a nossa própria, colocando em evidência nossos anseios, temores ou desejos.
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sobre caminhar e compor com um espírito
Emília Guimarães Mota (SEDUC GO)
Resumo: . Gostaria de enfatizar os efeitos sobre o trabalho de campo e escrita etnográfica de uma pesquisa que acolheu a demanda de um espírito e aceitou caminhar com ele. Para tanto, apresento algumas reflexões desde uma teoria etnográfica sobre a vida dos espíritos a partir do encontro com Mestra Paulina que desejou "dar seu nome e seu caminho”. O trabalho é resultado da tese de doutorado criada junto à linha de pesquisa "Etnografia dos conhecimentos e experimentações etnográficas no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Goiás. Conheci Mestra Paulina e a médium Ana em um terreiro de umbanda em Aparecida de Goiânia (GO). Trabalhando na linha de pombagira e exu aos poucos Mestra Paulina agenciava um falar de si confidenciando que era uma mestra de jurema. O que despertou minha atenção enquanto parte da comunidade religiosa e pesquisadora. O trabalho foi orientado pelo questionamento sobre a possibilidade de falar sobre e conhecer a vida de espíritos de maneira que não sejam apenas narrativas sobre o passado. Pretende o deslocamento de um dispositivo conhecido como biografia para uma teoria etnográfica da vida do espírito em que vida está liberada de um predicado antropocêntrico, biológico e cronológico do tempo como uma flecha. Os posicionamentos metodológicos, teóricos e o estilo de escrita foram estabelecidos ao acolher e seguir os caminhos de Mestra Paulina, seus desejos de compartilhar sobre sua vida como espírito e todos os efeitos que o "caminhar com ela" pode proporcionar. Abarca deslocamentos e a desestabilização de concepções como: a de vida e morte, humano e não-humano, tempo, continuidade, de biografia. Coloca em suspensão também pressupostos sobre o trabalho de campo e a escrita etnográfica. Acompanha a prática narrativa e o pensamento de Mestra Paulina. Reflete sobre o desfecho da pesquisa junto à participação dos sonhos e dos desenhos, para "seguir com o problema, aportando assim nas aberturas e inquietações provocadas pela experiência de conviver e caminhar com um espírito e com a médium.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Refúgios transfronteiriços: práticas, narrativas e imaginação política
Eugenia Brage (CEBRAP)
Resumo: Partindo de uma noção de refúgio como lugar figurativo e não como categoria jurídica, nesta apresentação procuro explorar, de maneira situada, uma narrativa liminal que tem como objetivo a junção da própria vivência de ser antropóloga, migrante, lésbica, inserida no campo dos estudos migratórios, da saúde, dos cuidados e do gênero e sexualidade. Tomando como ponto de partida a minha própria experiência transfronteiriça busco indagar nas linhas difusas entre o lugar de origem e a ideia de retorno em contextos de incerteza. Procuro problematizar, simultaneamente, as vivências espaço-temporais, a pesquisa de campo e o contexto geopolítico como um conjunto de elementos que se tornam corpo. Neste enquadramento de ambivalências, espero indagar nas formas em que os contextos nos atravessam e nas diversas maneiras em que atravessamos esses contextos. Para isso, proponho a noção de refúgios transfronteiriços como lugares de preservação existencial no meio de conjunturas geopolíticas que atingem permanentemente nossas subjetividades e imaginação política. Não se trata de lugares físicos, nem de categorias jurídicas, mas de espaços, malhas, redes que constituem o tecido social que nos compõem e se tornam cruciais para configurar novos mundos que fazem habitável o porvir (Haraway, 2019). Me interessa, então, analisar, a partir de uma perspectiva situada, os modos de vida dissidentes do sistema sexo-gênero e das delimitaçãoes nacionais em vistas de producir novas novas gramáticas que permitam imaginar" uma outra organização social das formas de vida (Preciado, 2020, p. 41), ou seja, uma linguagem de ficção política transfronteiriça.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ciência, ficção, farmacologia e gênero: tecnologias drag e trans a partir do trabalho artístico de Valentim Dias
Francisco Janis Borges Xavier de Gouveia (USP)
Resumo: A presente proposta de trabalho busca refletir e acompanhar, de forma colaborativa, o processo criativo do artista visual, transmasculino não-binário e drag king Valentim Dias (Don Valentim) na produção de um trabalho artístico que expõe sua composição artística e corporal como drag e pessoa trans. Neste trabalho artístico, ainda sem nome e em construção, o artista propõe, em suas palavras, experimentação com diversos materiais, explorando tecnologias drag e trans para pensar sua própria trajetória artística. Os materiais que o artista utiliza provocam uma relação entre ciência, ficção, corpo, tecnologias farmacológicas, arte e tecnologia drag. Uma cabeça de isopor (utilizada para perucas) revestida de fitas tape (utilizadas por pessoas trans para reduzir volumes dos seios), com alfinetes, pedrarias, bandejas, vidros, exploram objetos que emulam experimentações laboratoriais e científicas, com experimentações drag e trans. Nesse processo, Valentim Dias pensa o artista como o cientista, explorando suas criaturas drags, seu corpo, e a própria ciência como ficção e produtora de tecnologias corporais. Assim, conectando com a proposta deste grupo de trabalho, esta apresentação propõe pensar a produção de conhecimento em diálogo com outras formas expressivas, neste caso, uma exposição artística. Desse modo, proponho refletir as relações entre ciência, ficção, farmacologia e gênero a partir do diálogo da produção artística em questão com o que Paul Preciado chamou, em Testo Junkie, de processo biodrag para se referir à ficções somáticas (como pílula) de feminilidade e masculinidade. Além disso, as reflexões da historiadora Susan Stryker (2021) em Minhas palavras para Victor Frankenstein acima da aldeia de Chamonix: Performar a fúria transgênera sobre as tecnologias biomédicas e seus efeitos pretensiosamente naturalistas irão compor esta apresentação de forma central, além da relação entre gênero, performance e arte que autora explora. Nesse sentido, exploro, impulsionado pelo processo artístico de Valentim Dias, a relação entre ciência e ficção a partir da categoria drag.
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Da arte se faz vida!": experiências do fazer extensão entre HIV/aids, experimentos artísticos e literatura
Gabriel Cavalcante Bueno de Moraes (UFPB), Maio Spellman Quirino de Farias (UFPB), Willis da Silva Guimaraes de Lima Junior (COL)
Resumo: Extensionar no campo do HIV, desde a antropologia, requer menos aprender a manejar uma linguagem técnica, de caráter biomédico, do que se aventurar na procura de intersecções dinâmicas com outros saberes e (re)produções de linguagens. Requer também uma sensibilidade para aproximar dos mundos da vida um debate que costuma oscilar entre o técnico e o moral, explorando para isso a polissemia que converge nos diálogos do HIV nas diversas temporalidades da epidemia e nos sentidos que as transbordam. Tais linguagens foram sendo entendidas - e vivenciadas - durante a execução do projeto de extensão Falando Sobre Aids, sediado na Universidade Federal da Paraíba desde o ano de 2020, e que envolve docentes e discentes de graduação e pós-graduação dos cursos de antropologia, ciências sociais e letras. Dentre as diversas atividades realizadas ao longo de uma trajetória de quatro anos, destacamos aqui as aproximações com as dimensões artísticas, especialmente com as narrativas autobiográficas de caráter literário, desenvolvendo uma técnica em que não apenas esses escritos foram lidos, mas sim, trazidos para o corpo; corpo que performa, que peregrina pelo caminhar da vida e reluz o fundado otimismo de Herbert Daniel (1989), para ser vivido. O mesmo corpo figuracional de Haraway (2000), que carrega significados políticos, sociais, artísticos e culturais, fora representado nas atividades do projeto. Para tal construção, baseando-se nas performances de Franco Fonseca (2020), na literatura de Caio Fernando Abreu (1994) e nos escritos de Marina Vergueiro (2019), a equipe do projeto experimentou explorar, dialogar e interpretar para a comunidade, tornando seus próprios corpos e vozes como intermediadores. Entendemos essas construções como uma ferramenta propulsora de aproximação do público com o debate em HIV, esta que por sua vez auxilia no rompimento dos imaginários estigmatizantes, da discriminação, que gera conhecimento e apreciação. Falar sobre aids, seja por qualquer linguagem que possa ser oferecida, é, sobretudo, falar sobre arte, e extensionar neste mesmo campo, é produzir vida. Palavras-chave: HIV/aids; Extensão; Literatura; Performance.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O corpo da cidade: estudos visuais para um filme
Georgiane Abreu (UFPA)
Resumo: Neste ensaio retomamos a trajetória de uma ideia, do seu primeiro insight até a produção de um projeto de webfilme contemplado pela Lei Paulo Gustavo gerida pela FUMBEL em 2024. A arquitetura como parte do corpo da cidade de Belém, que vem sofrendo modificações constantes e demais arruinamentos produzidos pelos elementos humanos e naturais e uma projeção de futuro sobre como este mesmo corpo pode reagir à eventos climáticos inesperados. Seguindo a linha de raciocínio, da turbulência da realidade filtrada pelo prisma da especulação e transformada, não em futurologia, mas em um suplemento do real, busco imagens que possam ser transformadas em filmes a partir de derivas pelas cidades onde vivi. Tive meu primeiro contato com a teoria do antropólogo inglês Tim Ingold: para o autor, o mundo é composto por coisas e seus materiais, que se intrelaçam em relações diversas e estão em constate processo de arruinamento e crepitude. Foi essa ideia de crepitude constante que me saltou ao olhos ao passear pelo centro de Belém pós pandemia. Impulsionada pela publicação dos editais da Lei Paulo Gustavo gerenciados pela Fundação Cultural do município no final de 2023, escolho a premiação para Agentes Culturais e resolvo produzir um webfilme1 de três minutos que dê alguma resposta à minha curiosidade sobre fabular a cidade após um evento climático de proporções catastróficas. A partir de fotos começo a produzir o webfilme: escolho o vertical como quadro para enfatizar a natureza dos prédios, mas também para acolher o uso instintivo do celular, que é a verticalidade; aplico filtros para salientar o aspecto de catástrofe e escolho a narração como forma de contar essa história. Assim, desenvolvi uma videocarta, em que uma Georgiane do futuro volta a sua cidade natal depois de um episódio traumático de fundo climático e descreve para sua filha o estado geral das coisas. Fabulando sobre essa paisagem arquitetônica que é alterada bruscamente, desenvolvo uma personagem que diz reconhecer sua antiga cidade em meio ao caos, refletindo sobre o fato de que o lugar esteja se transformando em algo que ela agora desconhece e estranha. O fim de uma era familiar se apresenta. Vale lembrar da frase de Paul Klee citada por Tim Ingold: a arte não reproduz o visível; ela torna visível (tanto o problema quanto seu antídoto).
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Uma autoetnografia misturada: trajetórias de telespectadoras negras na década de 90 em Viçosa,AL.
Hellen Christina da Silva Araujo (SEDUC)
Resumo: Esta proposta de trabalho refere-se ao segundo capítulo da minha dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), intitulado "Um Deboche Autoetnográfico: Uma Análise sobre Redes de Transição Capilar em Viçosa-AL". Na construção de um trabalho antropológico sobre racismo cotidiano, não consegui descrever exclusivamente as experiências das interlocutoras, como estava planejado inicialmente, pois, à medida que escutava os relatos das mulheres negras viçosenses, era completamente atravessada e relembrava minha própria trajetória de vida. Porém, também não conseguia escrever exclusivamente sobre minhas vivências. Então, resolvi abordar a interseção entre "Eu + elas = nós", buscando seguir adiante. Nesse sentido, apresento uma autoetnografia "misturada". Descrevo meu sonho de infância, como telespectadora que era, de rebolar minha bunda, inspirada na Valeria Valença, além de detalhar práticas racistas que sofri na escola. Integro à narrativa as experiências das interlocutoras, como o caso da trajetória de Marcilene ao tornar-se a primeira mulher negra a ser Miss Alagoas. Para essa "mistura", me inspirei na Escrevivência de Conceição Evaristo, nas leituras de Chimamanda Adichie e busquei compreender nossos sonhos de infância através do conceito de representação de Stuart Hall.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sonhar com pés no chão: escrevivências dissidentes por uma antropologia contra-colonial
Isabella Alves Guimarães (UFPEL), Raiana Mendes Ferrugem (UFOPA), Letícia Lemos de Sousa (Universidade Federal de Pelotas), Wemi Soares Pereira (UFPEL)
Resumo: A antropologia, em especial, tem sua formação marcada por uma fixação na produção textual e na autoridade etnográfica. No entanto, essa formação curricular invisibiliza incisivamente as antropologias dos Outros e suas múltiplas formas de expressão. Zora Hurston, Lélia Gonzalez e Mariza Corrêa, já inovaram em suas respectivas épocas, elas partem de um corpo vivo para produzir conhecimentos críticos a partir da carne e espaço que ocupam. O lugar do "outro" é para elas uma perspectiva privilegiada sobre a colonialidade, utilizam essa percepção para fazer o que Viviane Vergueiro chama de reexame integral da colonialidade, ou seja, destrincham as violências <> resistências cotidianas em casa, rua, universidade, trabalho, escola, hospitais, etc. Nesse sentido, buscamos traçar e partilhar os caminhos já traçados por intelectuais dissidentes, de maneira coletiva, não apenas as que vieram antes, sobretudo com as que estabelecem uma relação de intimidade e de companheirismo diário. O coletivizando é um grupo de trocas de estratégias de pesquisa e vida, sobre a orietação de Loredana Ribeiro onde nos envolvemos com a crítica feminista à ciência e somos estimuladas a criatividade de outas maneiras de fazer pesquisa. Antes de companheiras intelectuais, somos amigas, guardamos segredos e contamos umas pras outras, o mel e o fel, de estar vivas. A proposta deste trabalho é socializar pesquisas de estudantes da UFPel desenvolvidas a partir do grupo, em especial, seu ponto de encontro: a escrita encarnada. A autoetnografia associada à escrevivência de Conceição Evaristo, tem se configurado com um produto e processo etnográfico possível para a construção de conhecimento encarnado. Conhecimento que é gestado no interior do cotidiano que situa a construção sócio-histórica das identidades coloniais e se move para além delas, especulando maneiras criativas de expressão de vida, cura e afetividade. Nós utilizamos a metodologia-epistemologia para abordar temas como abuso sexual, racialização e racismo, transgeneridade, saúde metal e retomadas. Isabella, deselveu uma pesquisa autoetnográfica sobre a formação em Antropologia, abuso sexual e racialização. Wemi, formulou uma pesquisa autoetnográfica sobre o processo coletivo e múltiplo de ser trans. Raiana, escreveu uma tese autoetnográfica sobre os processos de adoecimento e cura. Leticia, desenvolveu uma pesquisa a/r/tografica sobre a formação em Artes Visuais Licenciatura e suas investidas de transgressão da história única em sua prática docente. Cada uma a partir de sua experiência material fábula a si mesma, por meio da narração constrói um mundo possível de enunciação da dor e da cura. Assim, buscamos refletir sobre as possibilidades expressivas da antropologia, costurando arte, poesias e conhecimentos ancestrais.
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A herança de Moreau animais exóticos e os limites da humanização dos pets
Jorge Leite Jr. (UFSCAR)
Resumo: Seres híbridos entre animais não humanos e animais humanos são uma tópica comum nas obras literárias de fantasia e horror desde a Antiguidade. Tal hibridez tem como função questionar as definições e limites entre tais seres, mostrando que são construções culturais constantemente abaladas por mudanças sociais. Assim, a própria hibridez testemunha que as trocas, misturas e fronteiras são sempre histórica e socialmente possibilitadas, desejadas ou temidas. Um dos grandes exemplos na literatura é a obra A ilha do dr. Moreau, escrita em 1896 pelo inglês H.G. Wells, em que descreve uma sociedade distópica na qual animais selvagens eram humanizados a base de dolorosas cirurgias e rígidas regras de conduta, criando assim o povo animal. Neste livro, não apenas a separação entre animais humanos e não humanos é borrada, como o próprio desejo de humanizar as feras pressupõe uma relação autoritária, em que as hierarquias sociais não são extintas, mas reforçadas em suas manifestações mais brutais. Quase cento e trinta anos depois, as sensibilidades sociais em relação aos animais não humanos mudaram, mas o projeto de humanização seletiva e hierarquizada não apenas se manteve como se intensificou. Apesar de no final do século XIX na Europa Ocidental, já existirem animais domésticos pensados como de estimação, o que não se imaginava no período era a atual humanização de tais pets através do afeto e do mercado, criando toda uma população que, se não pode ser pensada como um povo no sentido cultural e/ou legal, pode ser lida como receptora de mais carinhos e cuidados do que muitas pessoas. Embasado nos Animal Studies, Monster Studies e nos estudos sobre distinção social, essa fala pretende fazer uma reflexão sobre uma pet shop brasileira de animais exóticos e sua dinâmica simbólica nas hierarquias entre humanos/ humanos e humanos/ animais e nos chamados novos animais de estimação e sua dinâmica dentro das famílias multiespécie.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Quem tem memória nunca está só: reflexões sobre ancestralidade, Tempo e encantamento a partir do Candomblé de Nação Ketu.
Karolyny Alves Teixeira de Souza (UFRN)
Resumo: Compreendendo o Candomblé como uma realidade autônoma, que pode ser pensada a partir de seus próprios elementos, conforme registrou Roger Bastide (2001), me proponho a semear reflexões sobre memória, continuidade e produção do encantamento, pautadas no terreno do Tempo ancestral. Por meio da escrevivência (Evaristo, 2017), registro percepções construídas a partir dos caminhos de axé que me são permitidos como iniciada na tradição do candomblé de Nação Ketu, em consonância com aspectos da cosmovisão africana e da filosofia da ancestralidade (Oliveira, 2021). Nesse sentido, utilizei de categorias e/ou concepções sobre memoria já pensadas por teóricos clássicos (Halbwachs, 1990; Pollak, 1992; Nora, 1993) para recriar outros significados, fazendo fabulações, a partir de conhecimentos ancestrais e teóricos, colocando na encruzilhada das ideias, oferenda de velhas roupagens com novas já antigos referencias, perspectivas do mundo moderno e do mundo ancestral. Considero a sabedoria dos mais velhos como vozes conceituais a partir da compreensão da valoração da palavra falada, a oralidade, como elemento que faz nascer a escrita como propõe Hampaté Bá (2010). Dialogo sobre a ancestralidade como matéria que constitui o tempo e que permeia tudo aquilo que compõe o universo das tradições afro religiosas, na intenção de construir perspectivas sobre a relação do tempo ancestral, pensada a partir do Orixá Iroko, com a dimensão sagrada do Ofó, o poder da palavra, atribuída ao Orixá Ossaim, como elemento que contribui para a produção do encantamento, na experiencia do Ilê Asé (terreiro) como lugar físico de (re)existência ancestral, detentor de uma memória viva e pulsante, que faz lembrar e é contribuinte para a continuidade e o encantamento do mundo.
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Bilinguajando simultaneamente: experimentações etnográficas entre e contra
Letizia Patriarca (Pesquisadora)
Resumo: Neste paper exploro e adenso uma discussão sobre a forma de apresentação da tese bilíngue que defendi (Patriarca, 2023), partindo e discutindo os efeitos da minha vivência e atuação, possuindo também oficialmente as cidadanias italiana e brasileira. Na tentativa de comunicar com os dois contextos culturais, diversos e desigualmente marcados na geopolítica global, discuto as (im)possibilidades de escrita antropológica em duas línguas. Discuto como elaborações autoetnográficas por vezes partem de uma cisão muito estanque entre o público com o qual se realiza trabalho de campo e o público com o qual se dialoga na produção da escrita antropológica. De outras formas, uma vez que minha atuação me permite partir de uma atuação e circulação múltipla, passo a refletir sobre as possibilidades de escrita, diálogo e retorno textual também múltiplas. Situo minha produção como uma forma de saber, que se pretende entre, como ponte que permite comunicações e diálogos, múltiplos e simultâneos com diversos públicos. Além de me colocar entre saberes e contextos culturais, a perspectiva contra surge na tentativa de escrita nas línguas dos dois contextos em questão (em português e em italiano) e não na escrita em inglês (língua oficial para comunicação acadêmica), além de marcar a escrita em português e com uma bibliografai brasileira traduzida para o italiano que também desponta como contexto cultural europeu e com marcas de colonialidade de saber e violência epistêmica. Dessa forma, escrevo também em italiano como prática decolonial para efetivamente comunicar e provocar ruídos nas narrativas locais italianas que desconsideram ou ignoram produções brasileiras. Portanto através do meu saber localizado entre, perpasso discussões metodológicas sobre a fabricação textual e a apresentação formal de um trabalho que pretende comunicar, ao mesmo tempo, com contextos culturais distintos, sem perder suas disputas e especificidades, que muitas vezes necessitam de uma contextualização diversa. Discuto também as possibilidades de elaborações e fabulações em formatos engessados por uma tradição acadêmica necessariamente escrita e diante de normas tácitas ou implícitas que limitam a apresentação (textual) de saberes.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O peixe das nuvens e o Sertão Carioca: uma história em quadrinhos para fabular sobre relações multiespécie nas paisagens da especulação imobiliária
Luz Stella Rodríguez Cáceres (UERJ), Rachel Paterman (Fiocruz)
Resumo: O objetivo desta comunicação é apresentar o processo criativo, imagético-textual, da produção colaborativa de uma história em quadrinhos de inspiração antropológica: o livro Úrsula: uma peixinha do Sertão Carioca, proposta cultural contemplada em 2023 pelo edital da Lei Paulo Gustavo. Úrsula, nome que se inspira tanto no primeiro romance escrito por uma mulher no Brasil, de viés abolicionista, quanto à fabulação especulativa de Ursula Le Guin, que vem sendo recuperada por Donna Haraway no desafio de imaginar condições de vida no colapso climático, trata da amizade entre uma menina humana e um peixe ou uma peixa, conforme licença poética autorizada pela ficção da espécie Rivulídeo. Esta espécie é popularmente conhecida como peixe-das-nuvens e no Rio de Janeiro costuma ser encontrada nas áreas alagadiças características do Sertão Carioca, termo que classifica, dentro de um imaginário de longa duração da cidade, as áreas intocadas pela urbanização. O cerne problemático da história converge com aquele das experiências investigativas das autoras da HQ, como antropólogas atentas e sensíveis a entrelaçamentos entre desequilíbrios ambientais e conflitos sociais em torno da especulação imobiliária em tais territórios, referentes à Zona Oeste como vetor de expansão urbana no Rio. Nesse exercício, propusemos colocar em prática jogos experimentais de escrita e desenho capazes de contaminar e poluir o ponto de vista antropocêntrico, borrando as fronteiras entre natureza e cultura. Assim como Donna Haraway, Anna Tsing constitui aqui uma importante referência, nos instigando a pensar no meio ambiente além dos humanos, e na possibilidade da vida nas ruínas do capitalismo. Conforme pretendemos apresentar, o encontro da peixinha Úrsula com a menina Maya permite, para além de reforçar usos já reconhecidos da linguagem dos quadrinhos como recurso educativo, explorar seus potenciais para imaginar outros mundos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Os parques infantis e as trocinhas”: constituição de lugares e do governo da infância na cidade de São Paulo nos anos 1930 e 1940
Marcos Vinicius Malheiros Moraes (IFSP)
Resumo: Na cidade de São Paulo dos anos 1930 e 1940, o desenvolvimento da experiência de vida metropolitana era acompanhado por uma indagação sobre os lugares das crianças nesse processo sociocultural. O objetivo do trabalho é analisar os discursos elaborados em relação aos parques infantis, instituições extraescolares de educação e cultura voltadas para crianças de 3 a 12 anos, e às trocinhas, grupos de brincadeiras criados pelas crianças nas ruas de bairros centrais da cidade, indicando como esses lugares e os discursos que os permeiam são constitutivos de distintas experiências infantis na cidade, de formas de agência das crianças e de esforços para governá-las. Por um lado, os parques infantis são instituições estruturadas no âmbito do projeto desenvolvido por Mário de Andrade enquanto diretor do Departamento de Cultura e Recreação do Município de São Paulo, o que torna significativa sua análise a partir da perspectiva do estabelecimento de um governo da infância, pois, nos discursos, trata-se de um lugar adequado para o desenvolvimento de crianças provenientes de famílias proletárias e descendentes, em larga medida, de estrangeiros. As diferentes atividades desenvolvidas nos parques infantis, inclusive a performance de danças dramáticas do folclore brasileiro, contribuiriam para a constituição de uma infância brasileira saudável. Por outro lado, as trocinhas foram pesquisadas por Florestan Fernandes, o qual refletiu sobre o caráter integrador dessas brincadeiras tanto para as crianças quanto para os seus familiares, já que traços culturais adquiridos pelas crianças a partir do folclore infantil poderiam ser apropriados pelas suas famílias, contribuindo para a reeducação do imigrante”. Portanto, a pesquisa sobre esses grupos de brincadeira evidencia uma preocupação em relação à possiblidade de eles favorecerem a assimilação cultural das crianças e de seus ascendentes à cultura brasileira. Em conjunto, esses discursos elaborados sobre distintas experiências infantis parecem indicar uma inquietação sociopolítica a respeito dos lugares das crianças na cidade, pois tais lugares deveriam evitar perigos existenciais, inclusive para a nacionalidade, e promover a segurança não apenas das crianças, mas também dos adultos por meio da problematização da educação e do sentido das práticas culturais desenvolvidas pelas crianças. Dessa maneira, nos parques infantis ou nas ruas dos bairros centrais, as crianças encontram-se diante de discursos e práticas sociais que procuram constituí-las como uma infância adequada aos objetivos, ainda que em disputa, dos adultos. Na análise desse drama infantil, um dos principais desafios metodológicos é captar, em uma leitura a contrapelo dos documentos, os indícios da agência e resistência das crianças ao seu governo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Esboçando uma etnografia afrofuturista: experimentações afrofabulativas em contexto de festival
ọkàn (vinícius oliveira) (USP)
Resumo: Ser uma pessoa negra dentro do espaço acadêmico é desafiador por si só; e propor a elaboração e a amplificação de narrativas outras sobre as múltiplas existências negras no espaço-tempo torna tudo ainda mais tenso. Exige adaptação e releitura de construções teóricas acadêmicas enquanto contorna, no seu maior sentido de ênfase, diferentes modos de ser, estar e experienciar o mundo. Assim, um fazer antropológico atrelado à escrevivência (Evaristo, 2020) pode se construir enquanto conhecimento e experiências compartilhadas, onde a ficção se torna a própria escrita e método etnográficos; ficção não como mentiras, mas como construção de alguém (Geertz, 1997). Dito isso, proponho uma etnografia afrofuturista; espaço teórico, metodológico, político, ético-estético e ontológico que permite poesia e sabedoria, crônica e conhecimento, literatura e ciência coexistirem na/com a experimentação e possi-bilidades dentro dos contextos de pesquisa antropológica, ao mesmo tempo em que centraliza agên-cias, narrativas e disputas de pessoas negras, em acordo a um projeto de existência afrorreferenciado que busca imaginar e expandir os contextos que vivem e, talvez mais importante, desejam e imaginam. Fabular/especular, na dimensão etnográfica afrofuturista, seria reivindicar outras fontes, inspirações, orientações que não aquelas calcadas no pensamento ocidental (hooks, 1995) que, na construção de um espaço ficcional a partir da concretude de experiências localizadas neste espaço e no corpo negro, tornam-se um esforço antropológico que aponta para horizontes que se transmuta em diferentes espaços a partir de um só, enquanto se mantém como conhecimento legítimo. A partir desta proposta metodológica, exponho sua prática realizada em contexto do AFROPUNK Bahia, festival global de cultura negra que desde 2020 existe em Salvador/BA, atravessando não só aquelas que espelham as dimensões do festival e suas estéticas e musicares, mas também as experiências subjetivas de autore nesta localidade e seus arredores territoriais.
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Por que você não desenha?": arriscando o pessoal com experiências gráficas multimodais nas relações com o campo.
Patrícia Montenegro Matos Albuquerque (UNICAMP)
Resumo: A proposta desta comunicação é partilhar experimentações criativas no registro gráfico de diários de campo referente à pesquisa em curso, cujo objetivo é analisar como se configuram as relações de gênero e suas intersecções no circuito de quadrinhos autobiográficos produzidos nas cidades de Fortaleza e São Paulo desde a última década. Pretendo refletir acerca da pergunta do título, feita pela minha orientadora, e contar dos caminhos que tenho encontrado para reagir a essa provocação, seus desdobramentos e as implicações de determinadas escolhas metodológicas e epistemológicas. Para tanto, articulo estudos feministas e de gênero (Anzaldúa, 1987; 2015; Butler, 2004), narrativas gráficas (Refaie, 2012; Chute, 2010) em primeira pessoa (Smith; Watson, 2010) e antropologia do desenho (Kuschnir, 2019; Azevedo, 2016). No início da pesquisa, meu interesse esteve voltado às memórias gráficas transnacionais assinadas por mulheres e pessoas sexo/gênero dissidentes. Acumulei obras com uma variedade de temas, estilos e traços que me encantaram, do ponto de vista estético e político. No entanto, à medida que passei a frequentar feiras, eventos, clubes de leitura e lojas especializadas em quadrinhos, na cidade São Paulo, local em que residia no início da pesquisa, meu foco mudou substancialmente. Passei a questionar onde estariam os quadrinhos com viés autobiográfico produzidos no Brasil, sobretudo por pessoas minorizadas socialmente. Apesar de ter encontrado um número expressivo de obras, identifiquei que ainda são poucos os registros teóricos, com enfoque histórico e social, que dão ênfase às produções brasileiras. Quando o fazem, detêm-se quase que exclusivamente às autorias masculinas. Pouco ouve-se falar em quadrinhos elaborados por mulheres e pessoas LGBTQIA+. No ano passado, em retorno à minha cidade natal, Fortaleza, frequentei espaços semelhantes e refiz a pergunta anterior, a fim de compreender as mobilizações para emergência de obras naquele contexto. Até o momento, tenho encontrado mais lacunas do que respostas, e compreendo que a busca por esses quadrinhos será sempre parcial e encontrará limites e precariedades. Por outro lado, estar em espaços de formação para quadrinistas e perceber-me em trânsito nas referidas cidades, operou transformações nos rumos da pesquisa, de modo que pude refazer algumas perguntas, assim como refletir sobre questões em torno da posicionalidade, autoria e ética no contato com artistas e suas obras. Encarar o desafio de desenhar quadrinhos autobiográficos, arriscando o pessoal (Keating, 2000), tem deslocado meu olhar para compreendê-los não apenas como objeto de estudo, mas como uma produção de conhecimento que se faz pela sua multimodalidade (Flowers, 2017) e autorreflexividade corporificada (Nascimento, 2016; 2019).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ficção como condição da realidade: montar olhando, ouvindo e lendo o narrado e o praticado.
Sara Caumo Guerra (UFRGS)
Resumo: O campo que pretendo trazer como universo de pensamento foi se constituindo durante minha pesquisa de doutorado, a qual se desenrolou por dois anos e alguns meses, entre 2020-2022, em duas delegacias de homicídio e proteção à pessoa, atuantes em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul. Entrei nestas delegacias com a intenção de estudar os inquéritos policiais que davam conta das mortes caracterizadas e estabilizadas como sendo mortes suicidas. Tive acesso a esses inquéritos, que li como se fossem séries, organizadas por anos e pela própria forma de produção das pessoas policiais, através de perguntas inspiradas pela antropologia feminista da ciência, mas também tive acesso ao processo cotidiano de produzir inquéritos, por si mesmos a realização de uma montagem que conta com a colocação em discurso de uma série de gentes, cenas, objetos, substâncias, coisas, protocolos, cotidianos, dúvidas e, também, não ditos. As pessoas mobilizando coisas que excedem ou não ao que aparece nos papéis, comum a toda forma de pesquisa, uma vez que dificilmente tudo que acontece no processo de aproximação a um problema cabe na narrativa, me fez prestar atenção não só ao quê e ao modo de produzir narrativa das policiais, mas ao modo da antropologia produzir suas expressões de verdade. Ecoando e pensando a discussão sobre ficção e ciência não pela oposição de termos, mas pela observação da sua existência co-produtiva, a acompanho não só como parte do projeto para uma outra epistemologia e até mesmo para outra imaginação ontológica ainda não dada no modelo dominante da ciência ocidental (debate das feministas da ciência), também a pude apreendê-la nas práticas de uma instituição de Estado fortemente marcada pelas categorias de prova, evidência, real, fato, verdade. A ficção como a possibilidade de falar da realidade, como a possibilidade de seguir não só com os problemas, nos termos de Donna Haraway, mas de seguir com as próprias instituições. Proponho um exercício de escrita que traga ao texto o processo de montagem e edição do inquérito não só como um objeto passível de reprodução infinita, mas como campo de desvios através dos quais podemos notar os limites da reprodução e os desafios de dizer o que se passa. Produzirei uma espécie de espelhamento contorcido tanto dos termos da organização dos elementos que dão inteligibilidade ao caso policial quanto dos termos que dão legitimidade à descrição antropológica, trazendo ao texto aquilo que a realidade sugere de diferentes maneiras, muitas das quais não cabem no documento. Afinal, por exemplo, o que os fantasmas dos mortos suicidas fazem durante a realização do inquérito e fora dele? Para algumas pessoas, muito mais do que se pode imaginar num dia regular de trabalho.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O corpo-ciborgue imerso no mundo: entrelaçamentos entre literatura e Antropologia
Sara Luiza Ferreira Carvalho (UFMG)
Resumo: O trabalho em comento, objetiva desenvolver um panorama e uma conexão entre as diversas formas de viver e se fazer presente no mundo por meio dos campos da Antropologia, e literatura, focando na figura do ciborgue. Imaginar diferentes possibilidades de existências e interações é um tópico essencial para estas áreas e algo que sempre despertou meu interesse. Julgo necessário a discussão de conceitos antropológicos em uma abordagem transdisciplinar para, por meio de discussões futuras, entender o corpo ciborgue (que será colocado em pauta na pesquisa), como possibilidades de futuro e existências dissidentes. A partir de leituras em Antropologia, com as abordagens imaginativas propostas pela imagem-conceito do ciborgue, objetivo comparar para estabelecer uma reflexão de futuros possíveis. Assim, busco um lugar antropológico-fictício, na ideia de permanecer entrelaçando reflexões tanto antropológicas, quanto fictícias, nesse lugar de compartilhamento de saberes e interseções. Tenho o intuito desenvolver uma comparação, a partir de leituras em Antropologia e na literatura de ficção científica das abordagens imaginativas propostas pela imagem-conceito do ciborgue, para estabelecer uma reflexão de futuros possíveis. Aqui vale destacar meu lugar na pesquisa, que é o foco que pretendo manter nesse trabalho. Enquanto pessoa não-binária, me vejo nesse lugar de tensionamento do ciborgue, no limiar irônico da criação. Por me ver enquanto ciborgue, este trabalho visa desenvolver uma reflexão do panorama atual da visão desse ser-estar ciborguiano pela sociedade. A criação de novos corpos é a marca da ciência contemporânea, fazendo pensar pontos éticos, sociais e políticos, pensando desde organismos transgênicos até corpos transgêneros. Assim, essas tecnologias podem participar de forma ativa ao pensar futuridades para nossos corpos. Logo, buscarei conexões entre os dois campos propostos, dando destaque à Antropologia e à ficção especulativa feminista, sendo o objeto central de análise, o corpo ciborgue. Precisamos fazer uma reapropriação para definir entidades que são produtos da implosão de categorias, fragmentos de realidade e ficção, pois não há como delimitá-los; um sempre acompanha o outro. É necessário construir e destruir simultaneamente categorias, figurações, imagens performativas que podem ser habitadas. E habitar também a necessidade de gerar relatos de continuidade, com muitas origens e nenhum final. Aqui retorno à ideia da transposição de fronteiras binárias (sobretudo de gênero) para pensar uma categoria nova e híbrida que amplia as possibilidades de ser e estar no mundo. A relação estabelecida entre tecnologia e corpos coloca em questão fronteiras duais e/ou híbridas, assim como a própria relação com o corpo no contemporâneo.