Grupos de Trabalho (GT)
GT 062: Fronteiras e fabulações: antropologias especulativas e experimentos etnográficos
Coordenação
Silvana de Souza Nascimento (USP), Ana Letícia de Fiori (UFAC)
Resumo:
Este grupo de trabalho volta-se aos potenciais especulativos do trabalho antropológico. Acolheremos trabalhos que experimentem relações copoiéticas entre ciência e ficção que possam transpassar fronteiras epistemológicas, etnográficas e intersubjetivas. Pretendemos debater pesquisas que coloquem em cena processos de composição, montagem, construção e desconstrução de perspectivas teóricas e metodológicas, levando em conta relações entre teoria e prática, antropologia e etnografia, ciência e política. Formas de habitar mundos ao mesmo tempo justapostas e incomensuráveis, engendradas por auto-etnografias, antropologias contra coloniais, experimentações de escrita etnográfica serão bem-vindas.
A partir das noções de figuração e mundificação propostas por Haraway, tencionamos entrelaçar propostas que construam cenários (etnográficos, ficcionais) a investigar, fabular e especular sobre - na perspectiva de Ingold, que considera a especulação uma dimensão fundamental da antropologia - possibilidades de vidas e seres compósitos. Buscam-se experimentos que levem a sério a dimensão do encantamento para produção e circulação de conhecimentos, seus artefatos e seus efeitos etnográficos.
Também desejamos incluir trabalhos que dêem visibilidade a produções de conhecimento, em diálogo com a ficção, a literatura e outras formas expressivas, que ofereçam possibilidades de construção de saberes de forma coletiva e colaborativa, tais como no afrofuturismo e na escrevivência.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
alexandre hermes oliveira assu (UFRJ)
Resumo: A principal ferramenta mnemotécnica deste trabalho são as memórias do pajé Barbosa: imagens produzidas
na Aldeia Monguba da etnia indígena Pitaguary, em Pacatuba - CE, entre os anos de 2013 e 2023. Um acervo
significativo que conecta o pesquisador ao território e aos colaboradores da pesquisa, ajudando a
compreender processos de autonomia analisados conjuntamente aos saberes tradicionais em seus territórios.
Trata-se de um repertório de saberes organizado a partir de cosmologia afro-indígena, que contribuiu para
uma reflexão acerca dos métodos de aprendizagem, conhecimento, compartilhamento e colaboração. A retomada
destas memórias cotidianas e de eventos foi proposta utilizando ferramentas da antropologia da arte para
desmontar um cenário fatídico e reconstruir a vida a partir de uma política das imagens, dos afetos, das
artes e dos saberes desses povos tradicionais.
Palavras chaves: memória, aprendizagem, política das imagem; colaboração; etnicidade, corpo, saberes
tradicionais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ana Luiza da Silva Dias (UFC)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo propor a utilização da ficção científica social como recurso
teórico na construção de uma antropologia especulativa, recorrendo à licença poética desse gênero literário
e cinematográfico para articulações teóricas da área. Dialogamos com autores como Sarah Lefanu (1998), Neil
Gerlach e Sheryl Hamilton (2003), Tim Ingold (2019), e Ursula K. Le Guin (2023). Desde sua origem mais
consolidada, no século XIX, o gênero ficção científica (FC) se popularizou pelas narrativas futurísticas que
misturavam a fantasia e a ciência, por exemplo, no temor ou na admiração a seres alienígenas (ou seja,
estrangeiros em relação à espécie humana), cujas descrições encontravam paralelo naquelas das populações
colonizadas pelas nações imperialistas. Nos anos 1950, ainda predominantemente literário, o gênero passou a
incorporar cada vez mais reflexões críticas e sociais das ciências humanas tal virada inaugurou o que seria
posteriormente intitulado de ficção científica social. No contexto do pós-guerra, as novas produções tinham
como pano de fundo temas como colonialismo, imperialismo, etnocentrismo, raça, gênero e trabalho. A partir
dos anos 1970, a FC passou a ser cada vez mais adaptada para as telas de cinema, com filmes que se apoiavam
em efeitos especiais para retratar cenários e circunstâncias fantásticas. Recorrendo à literatura e ao
cinema de FC, pesquisadores de humanidades propuseram que a dita ficção científica social poderia ser
utilizada no afloramento da imaginação antropológica e na própria investigação social. Segundo Sarah Lefanu
(1998), enquanto a teoria socioantropológica expõe um fato social como conceito, a FC pode trabalhar com ele
pelo viés da imaginação, da especulação. Gerlach e Hamilton (2003) argumentam que o requisito da FC de
imaginar um futuro para além das limitações das realidades do presente a torna ideal para a extrapolação das
teorias das ciências sociais. Tal articulação encontra consonância com os votos de Tim Ingold (2019) por uma
antropologia experimental e aberta à especulação, uma convergência da ciência com a arte. Ursula K. Le Guin
(2023), escritora de FC, defende a literatura imaginativa como um instrumento útil de resistência à
opressão, pois escancara a contingência da realidade, informando-nos que ela não tem que ser do jeito que é.
A possibilidade de estabelecer um espaço tanto discursivo quanto imaginário entre o presente e o futuro
justifica a utilização das narrativas de FC como ferramentas de compreensão da realidade social.
Metodologicamente, o trabalho recorre à literatura existente sobre antropologia do cinema, antropologia e
ficção científica e aos estudos de ficção científica, como os autores supracitados, mais Sheila Schwartz
(1971) e Alice Fátima Martins (2004).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Caroline Laya de Menezes (USP)
Resumo: A pesquisa em questão, derivada de um evento violento em 7 de abril de 2019, adota uma abordagem
autoetnográfica que combina as vivências pessoais da pesquisadora com análises acadêmicas. Esta investigação
busca explorar as complexas repercussões emocionais, midiáticas e sociais desencadeadas por esse evento,
empregando a metáfora do "silêncio" e do "ruído" como instrumentos reflexivos e interpretativos.
A metodologia empregada busca ir além das narrativas predominantes, investigando tanto as narrativas
negligenciadas quanto as estratégias de silenciamento presentes no contexto analisado. Adicionalmente, o
estudo amplia a discussão sobre desigualdades e violência urbana ao incorporar narrativas locais e rumores,
elementos fundamentais na formação de percepções específicas das dinâmicas sociais na área em foco.
Ao explorar esses elementos, a pesquisa indica uma intricada rede de relações associadas ao evento violento,
contribuindo para uma compreensão das interseções entre violência, mídia e comunidade. A utilização da
abordagem autoetnográfica permite a integração de experiências pessoais com análises acadêmicas,
enriquecendo a compreensão das implicações do evento em questão.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Daniel Vilhas M. da Silva (UNICAMP)
Resumo: Durante as eleições de 2020, acompanhei a campanha de Brenda da Silva Santunioni, então vereadora de
Viçosa-MG e mulher transexual, à prefeitura da cidade. Em sua carreira e campanhas eleitorais, circulavam
uma série de críticas em virtude de sua proximidade a grupos políticos locais que se situam mais à direita
do espectro político, apesar de sua também estreita vinculação à luta por direitos LGBTQIA+ na região. Num
contexto que era profundamente marcado pela pandemia de Covid-19, em que vigoravam barreiras sanitárias, o
distanciamento físico e social, e o uso frequente de máscaras, estive presente nas caminhadas eleitorais que
são típicas desse período de campanha. Diferente do que eu imaginara a princípio, a pandemia não havia
acabado com o corpo-a-corpo eleitoral entre candidates e eleitories. Fazendo campanha junto de Brenda, eu
havia me tornado, para todos os efeitos, uma de suas apoiadoras mais próximas. Em 2021, após ter perdido as
eleições, Brenda passou a editar uma revista eletrônica com o nome Canal Brenda Santunioni. Seu intuito com
a revista era não apenas garantir uma fonte de renda, mas também continuar se plrojetando no cenário da
política local, mantendo-se relevante entre os grupos políticos aliados e rivais. Em incursões de campo
naquele ano, passei a ajudar Brenda nas filmagens externas de seu canal, montando o equipamento de filmagem,
as luzes e o cenário para a realização de entrevistas. Ela passou a me apresentar, naquele momento, como seu
contrarregra.
A partir dessas experiências do trabalho de campo de minha pesquisa de mestrado, reflito sobre o papel da
pessoa antropóloga enquanto contrarregra, ou, mais precisamente, sobre a antropologia enquanto
contrarregragem. Enquanto antropólogues, estamos frequentemente diante da situação de estarmos circulando
pelos bastidores das experiências humanas. O trabalho antropológico, nesse sentido, adquire um caráter de
contrarregragem na medida em que nós mesmos nos vemos implicados na construção das cenas que nos propusemos
a estudar. Dito de outro modo, lançar luz sobre determinado acontecimento, contexto ou situação, é também
produzi-la enquanto discurso da experiência humana. Por outro aspecto, o ato de montar a cena, dispondo a
iluminação, os objetos e os equipamentos, pode igualmente ser comparado com a atividade de reflexão teórica
que concerne à antropologia, tanto em relação às pessoas e grupos com quem pesquisamos, quanto em relação à
história e a metodologia da própria disciplina. Diferente de propor uma abordagem inovadora sobre o
cotidiano do fazer etnográfico, minha intenção é refletir a esse respeito à luz da noção de contrarregragem,
conforme ela emergiu durante a pesquisa que deu origem à minha dissertação de mestrado.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Diogo Coutinho Iendrick (UFF)
Resumo: A proposta de trabalho parte da ideia de que a literatura é uma antropologia especulativa e busca
explorar as potencialidades antropológicas da ficção científica, tomando O conto da aia, romance distópico
da autora canadense Margaret Atwood, enquanto dispositivo imaginativo para examinar a própria natureza
humana. Como pesquisa de doutorado em andamento, meu objetivo aqui é apresentar para discussão interesses
temáticos e direcionamentos a partir dos elementos ficcionais criados pela autora e sua relação com nossa
sociedade, comparativamente, buscando perceber o que existe de etnográfico na tecitura de um romance de
ficção científica. A exemplo do que propõe Roberto DaMatta, é possível considerar uma obra literária como
narrativa mítica, momento privilegiado em que a sociedade fala sobre si própria. Os mitos fornecem
perspectivas sobre a compreensão do mundo e, considerando o romance uma derivação dos mitos, é possível
adotar a narrativa ficcional como a própria sociedade percebida por meio de um código específico. O romance,
então, examina a existência humana, o campo de suas possibilidades o que o ser humano pode fazer ou se
tornar, não se limitando a metáforas. Quando colocamos em perspectiva a ficção científica então, é possível
perceber que suas alteridades radicais e até seus cenários de devastação iluminam relações humanas
constituindo um tratamento específico do mundo: são realidades alternativas que relativizam a nossa própria,
colocando em evidência nossos anseios, temores ou desejos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Emília Guimarães Mota (SEDUC GO)
Resumo: . Gostaria de enfatizar os efeitos sobre o trabalho de campo e escrita etnográfica de uma pesquisa que
acolheu a demanda de um espírito e aceitou caminhar com ele. Para tanto, apresento algumas reflexões desde
uma teoria etnográfica sobre a vida dos espíritos a partir do encontro com Mestra Paulina que desejou "dar
seu nome e seu caminho. O trabalho é resultado da tese de doutorado criada junto à linha de pesquisa
"Etnografia dos conhecimentos e experimentações etnográficas no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da
Universidade Federal de Goiás. Conheci Mestra Paulina e a médium Ana em um terreiro de umbanda em Aparecida
de Goiânia (GO). Trabalhando na linha de pombagira e exu aos poucos Mestra Paulina agenciava um falar de si
confidenciando que era uma mestra de jurema. O que despertou minha atenção enquanto parte da comunidade
religiosa e pesquisadora. O trabalho foi orientado pelo questionamento sobre a possibilidade de falar sobre
e conhecer a vida de espíritos de maneira que não sejam apenas narrativas sobre o passado. Pretende o
deslocamento de um dispositivo conhecido como biografia para uma teoria etnográfica da vida do espírito em
que vida está liberada de um predicado antropocêntrico, biológico e cronológico do tempo como uma flecha. Os
posicionamentos metodológicos, teóricos e o estilo de escrita foram estabelecidos ao acolher e seguir os
caminhos de Mestra Paulina, seus desejos de compartilhar sobre sua vida como espírito e todos os efeitos que
o "caminhar com ela" pode proporcionar. Abarca deslocamentos e a desestabilização de concepções como: a de
vida e morte, humano e não-humano, tempo, continuidade, de biografia. Coloca em suspensão também
pressupostos sobre o trabalho de campo e a escrita etnográfica. Acompanha a prática narrativa e o pensamento
de Mestra Paulina. Reflete sobre o desfecho da pesquisa junto à participação dos sonhos e dos desenhos, para
"seguir com o problema, aportando assim nas aberturas e inquietações provocadas pela experiência de
conviver e caminhar com um espírito e com a médium.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Eugenia Brage (CEBRAP)
Resumo: Partindo de uma noção de refúgio como lugar figurativo e não como categoria jurídica, nesta apresentação
procuro explorar, de maneira situada, uma narrativa liminal que tem como objetivo a junção da própria
vivência de ser antropóloga, migrante, lésbica, inserida no campo dos estudos migratórios, da saúde, dos
cuidados e do gênero e sexualidade. Tomando como ponto de partida a minha própria experiência
transfronteiriça busco indagar nas linhas difusas entre o lugar de origem e a ideia de retorno em contextos
de incerteza. Procuro problematizar, simultaneamente, as vivências espaço-temporais, a pesquisa de campo e o
contexto geopolítico como um conjunto de elementos que se tornam corpo. Neste enquadramento de
ambivalências, espero indagar nas formas em que os contextos nos atravessam e nas diversas maneiras em que
atravessamos esses contextos. Para isso, proponho a
noção de refúgios transfronteiriços como lugares de preservação existencial no meio de conjunturas
geopolíticas que atingem permanentemente nossas subjetividades e imaginação política. Não se trata de
lugares físicos, nem de categorias jurídicas, mas de espaços, malhas, redes que constituem o tecido social
que nos compõem e se tornam cruciais para configurar novos mundos que fazem habitável o porvir (Haraway,
2019). Me interessa, então, analisar, a partir de uma perspectiva situada, os modos de vida dissidentes do
sistema sexo-gênero e das delimitaçãoes nacionais em vistas de producir novas novas gramáticas que permitam
imaginar" uma outra organização social das formas de vida (Preciado, 2020, p. 41), ou seja, uma linguagem de
ficção política transfronteiriça.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Francisco Janis Borges Xavier de Gouveia (USP)
Resumo: A presente proposta de trabalho busca refletir e acompanhar, de forma colaborativa, o processo criativo
do artista visual, transmasculino não-binário e drag king Valentim Dias (Don Valentim) na produção de um
trabalho artístico que expõe sua composição artística e corporal como drag e pessoa trans. Neste trabalho
artístico, ainda sem nome e em construção, o artista propõe, em suas palavras, experimentação com diversos
materiais, explorando tecnologias drag e trans para pensar sua própria trajetória artística. Os materiais
que o artista utiliza provocam uma relação entre ciência, ficção, corpo, tecnologias farmacológicas, arte e
tecnologia drag. Uma cabeça de isopor (utilizada para perucas) revestida de fitas tape (utilizadas por
pessoas trans para reduzir volumes dos seios), com alfinetes, pedrarias, bandejas, vidros, exploram objetos
que emulam experimentações laboratoriais e científicas, com experimentações drag e trans. Nesse processo,
Valentim Dias pensa o artista como o cientista, explorando suas criaturas drags, seu corpo, e a própria
ciência como ficção e produtora de tecnologias corporais.
Assim, conectando com a proposta deste grupo de trabalho, esta apresentação propõe pensar a produção de
conhecimento em diálogo com outras formas expressivas, neste caso, uma exposição artística. Desse modo,
proponho refletir as relações entre ciência, ficção, farmacologia e gênero a partir do diálogo da produção
artística em questão com o que Paul Preciado chamou, em Testo Junkie, de processo biodrag para se referir à
ficções somáticas (como pílula) de feminilidade e masculinidade. Além disso, as reflexões da historiadora
Susan Stryker (2021) em Minhas palavras para Victor Frankenstein acima da aldeia de Chamonix: Performar a
fúria transgênera sobre as tecnologias biomédicas e seus efeitos pretensiosamente naturalistas irão compor
esta apresentação de forma central, além da relação entre gênero, performance e arte que autora explora.
Nesse sentido, exploro, impulsionado pelo processo artístico de Valentim Dias, a relação entre ciência e
ficção a partir da categoria drag.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gabriel Cavalcante Bueno de Moraes (UFPB), Maio Spellman Quirino de Farias (UFPB), Willis da Silva
Guimaraes de Lima Junior (COL)
Resumo: Extensionar no campo do HIV, desde a antropologia, requer menos aprender a manejar uma linguagem
técnica, de caráter biomédico, do que se aventurar na procura de intersecções dinâmicas com outros saberes e
(re)produções de linguagens. Requer também uma sensibilidade para aproximar dos mundos da vida um debate que
costuma oscilar entre o técnico e o moral, explorando para isso a polissemia que converge nos diálogos do
HIV nas diversas temporalidades da epidemia e nos sentidos que as transbordam. Tais linguagens foram sendo
entendidas - e vivenciadas - durante a execução do projeto de extensão Falando Sobre Aids, sediado na
Universidade Federal da Paraíba desde o ano de 2020, e que envolve docentes e discentes de graduação e
pós-graduação dos cursos de antropologia, ciências sociais e letras. Dentre as diversas atividades
realizadas ao longo de uma trajetória de quatro anos, destacamos aqui as aproximações com as dimensões
artísticas, especialmente com as narrativas autobiográficas de caráter literário, desenvolvendo uma técnica
em que não apenas esses escritos foram lidos, mas sim, trazidos para o corpo; corpo que performa, que
peregrina pelo caminhar da vida e reluz o fundado otimismo de Herbert Daniel (1989), para ser vivido. O
mesmo corpo figuracional de Haraway (2000), que carrega significados políticos, sociais, artísticos e
culturais, fora representado nas atividades do projeto. Para tal construção, baseando-se nas performances de
Franco Fonseca (2020), na literatura de Caio Fernando Abreu (1994) e nos escritos de Marina Vergueiro
(2019), a equipe do projeto experimentou explorar, dialogar e interpretar para a comunidade, tornando seus
próprios corpos e vozes como intermediadores. Entendemos essas construções como uma ferramenta propulsora de
aproximação do público com o debate em HIV, esta que por sua vez auxilia no rompimento dos imaginários
estigmatizantes, da discriminação, que gera conhecimento e apreciação. Falar sobre aids, seja por qualquer
linguagem que possa ser oferecida, é, sobretudo, falar sobre arte, e extensionar neste mesmo campo, é
produzir vida.
Palavras-chave: HIV/aids; Extensão; Literatura; Performance.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Georgiane Abreu (UFPA)
Resumo: Neste ensaio retomamos a trajetória de uma ideia, do seu primeiro insight até a produção de um projeto
de webfilme contemplado pela Lei Paulo Gustavo gerida pela FUMBEL em 2024. A arquitetura como parte do corpo
da cidade de Belém, que vem sofrendo modificações constantes e demais arruinamentos produzidos pelos
elementos humanos e naturais e uma projeção de futuro sobre como este mesmo corpo pode reagir à eventos
climáticos inesperados.
Seguindo a linha de raciocínio, da turbulência da realidade filtrada pelo prisma da especulação e
transformada, não em futurologia, mas em um suplemento do real, busco imagens que possam ser transformadas
em filmes a partir de derivas pelas cidades onde vivi.
Tive meu primeiro contato com a teoria do antropólogo inglês Tim Ingold: para o autor, o mundo é composto
por coisas e seus materiais, que se intrelaçam em relações diversas e estão em constate processo de
arruinamento e crepitude. Foi essa ideia de crepitude constante que me saltou ao olhos ao passear pelo
centro de Belém pós pandemia. Impulsionada pela publicação dos editais da Lei Paulo Gustavo gerenciados pela
Fundação Cultural do município no final de 2023, escolho a premiação para Agentes Culturais e resolvo
produzir um webfilme1 de três minutos que dê alguma resposta à minha curiosidade sobre fabular a cidade após
um evento climático de proporções catastróficas.
A partir de fotos começo a produzir o webfilme: escolho o vertical como quadro para enfatizar a natureza dos
prédios, mas também para acolher o uso instintivo do celular, que é a verticalidade; aplico filtros para
salientar o aspecto de catástrofe e escolho a narração como forma de contar essa história. Assim, desenvolvi
uma videocarta, em que uma Georgiane do futuro volta a sua cidade natal depois de um episódio traumático de
fundo climático e descreve para sua filha o estado geral das coisas.
Fabulando sobre essa paisagem arquitetônica que é alterada bruscamente, desenvolvo uma personagem que diz
reconhecer sua antiga cidade em meio ao caos, refletindo sobre o fato de que o lugar esteja se transformando
em algo que ela agora desconhece e estranha. O fim de uma era familiar se apresenta. Vale lembrar da frase
de Paul Klee citada por Tim Ingold: a arte não reproduz o visível; ela torna visível (tanto o problema
quanto seu antídoto).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Hellen Christina da Silva Araujo (SEDUC)
Resumo: Esta proposta de trabalho refere-se ao segundo capítulo da minha dissertação de mestrado defendida na
Universidade Federal de Alagoas (UFAL), intitulado "Um Deboche Autoetnográfico: Uma Análise sobre Redes de
Transição Capilar em Viçosa-AL". Na construção de um trabalho antropológico sobre racismo cotidiano, não
consegui descrever exclusivamente as experiências das interlocutoras, como estava planejado inicialmente,
pois, à medida que escutava os relatos das mulheres negras viçosenses, era completamente atravessada e
relembrava minha própria trajetória de vida. Porém, também não conseguia escrever exclusivamente sobre
minhas vivências. Então, resolvi abordar a interseção entre "Eu + elas = nós", buscando seguir adiante.
Nesse sentido, apresento uma autoetnografia "misturada". Descrevo meu sonho de infância, como telespectadora
que era, de rebolar minha bunda, inspirada na Valeria Valença, além de detalhar práticas racistas que sofri
na escola. Integro à narrativa as experiências das interlocutoras, como o caso da trajetória de Marcilene ao
tornar-se a primeira mulher negra a ser Miss Alagoas. Para essa "mistura", me inspirei na Escrevivência de
Conceição Evaristo, nas leituras de Chimamanda Adichie e busquei compreender nossos sonhos de infância
através do conceito de representação de Stuart Hall.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Isabella Alves Guimarães (UFPEL), Raiana Mendes Ferrugem (UFOPA), Letícia Lemos de Sousa (Universidade
Federal de Pelotas), Wemi Soares Pereira (UFPEL)
Resumo: A antropologia, em especial, tem sua formação marcada por uma fixação na produção textual e na
autoridade etnográfica. No entanto, essa formação curricular invisibiliza incisivamente as antropologias dos
Outros e suas múltiplas formas de expressão. Zora Hurston, Lélia Gonzalez e Mariza Corrêa, já inovaram em
suas respectivas épocas, elas partem de um corpo vivo para produzir conhecimentos críticos a partir da carne
e espaço que ocupam. O lugar do "outro" é para elas uma perspectiva privilegiada sobre a colonialidade,
utilizam essa percepção para fazer o que Viviane Vergueiro chama de reexame integral da colonialidade, ou
seja, destrincham as violências <> resistências cotidianas em casa, rua, universidade, trabalho,
escola, hospitais, etc. Nesse sentido, buscamos traçar e partilhar os caminhos já traçados por intelectuais
dissidentes, de maneira coletiva, não apenas as que vieram antes, sobretudo com as que estabelecem uma
relação de intimidade e de companheirismo diário. O coletivizando é um grupo de trocas de estratégias de
pesquisa e vida, sobre a orietação de Loredana Ribeiro onde nos envolvemos com a crítica feminista à ciência
e somos estimuladas a criatividade de outas maneiras de fazer pesquisa. Antes de companheiras intelectuais,
somos amigas, guardamos segredos e contamos umas pras outras, o mel e o fel, de estar vivas.
A proposta deste trabalho é socializar pesquisas de estudantes da UFPel desenvolvidas a partir do grupo, em
especial, seu ponto de encontro: a escrita encarnada. A autoetnografia associada à escrevivência de
Conceição Evaristo, tem se configurado com um produto e processo etnográfico possível para a construção de
conhecimento encarnado. Conhecimento que é gestado no interior do cotidiano que situa a construção
sócio-histórica das identidades coloniais e se move para além delas, especulando maneiras criativas de
expressão de vida, cura e afetividade. Nós utilizamos a metodologia-epistemologia para abordar temas como
abuso sexual, racialização e racismo, transgeneridade, saúde metal e retomadas. Isabella, deselveu uma
pesquisa autoetnográfica sobre a formação em Antropologia, abuso sexual e racialização. Wemi, formulou uma
pesquisa autoetnográfica sobre o processo coletivo e múltiplo de ser trans. Raiana, escreveu uma tese
autoetnográfica sobre os processos de adoecimento e cura. Leticia, desenvolveu uma pesquisa a/r/tografica
sobre a formação em Artes Visuais Licenciatura e suas investidas de transgressão da história única em sua
prática docente. Cada uma a partir de sua experiência material fábula a si mesma, por meio da narração
constrói um mundo possível de enunciação da dor e da cura. Assim, buscamos refletir sobre as possibilidades
expressivas da antropologia, costurando arte, poesias e conhecimentos ancestrais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Jorge Leite Jr. (UFSCAR)
Resumo: Seres híbridos entre animais não humanos e animais humanos são uma tópica comum nas obras literárias de
fantasia e horror desde a Antiguidade. Tal hibridez tem como função questionar as definições e limites entre
tais seres, mostrando que são construções culturais constantemente abaladas por mudanças sociais. Assim, a
própria hibridez testemunha que as trocas, misturas e fronteiras são sempre histórica e socialmente
possibilitadas, desejadas ou temidas. Um dos grandes exemplos na literatura é a obra A ilha do dr. Moreau,
escrita em 1896 pelo inglês H.G. Wells, em que descreve uma sociedade distópica na qual animais selvagens
eram humanizados a base de dolorosas cirurgias e rígidas regras de conduta, criando assim o povo animal.
Neste livro, não apenas a separação entre animais humanos e não humanos é borrada, como o próprio desejo de
humanizar as feras pressupõe uma relação autoritária, em que as hierarquias sociais não são extintas, mas
reforçadas em suas manifestações mais brutais. Quase cento e trinta anos depois, as sensibilidades sociais
em relação aos animais não humanos mudaram, mas o projeto de humanização seletiva e hierarquizada não apenas
se manteve como se intensificou. Apesar de no final do século XIX na Europa Ocidental, já existirem animais
domésticos pensados como de estimação, o que não se imaginava no período era a atual humanização de tais
pets através do afeto e do mercado, criando toda uma população que, se não pode ser pensada como um povo no
sentido cultural e/ou legal, pode ser lida como receptora de mais carinhos e cuidados do que muitas pessoas.
Embasado nos Animal Studies, Monster Studies e nos estudos sobre distinção social, essa fala pretende fazer
uma reflexão sobre uma pet shop brasileira de animais exóticos e sua dinâmica simbólica nas hierarquias
entre humanos/ humanos e humanos/ animais e nos chamados novos animais de estimação e sua dinâmica dentro
das famílias multiespécie.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Karolyny Alves Teixeira de Souza (UFRN)
Resumo: Compreendendo o Candomblé como uma realidade autônoma, que pode ser pensada a partir de seus próprios
elementos, conforme registrou Roger Bastide (2001), me proponho a semear reflexões sobre memória,
continuidade e produção do encantamento, pautadas no terreno do Tempo ancestral. Por meio da escrevivência
(Evaristo, 2017), registro percepções construídas a partir dos caminhos de axé que me são permitidos como
iniciada na tradição do candomblé de Nação Ketu, em consonância com aspectos da cosmovisão africana e da
filosofia da ancestralidade (Oliveira, 2021). Nesse sentido, utilizei de categorias e/ou concepções sobre
memoria já pensadas por teóricos clássicos (Halbwachs, 1990; Pollak, 1992; Nora, 1993) para recriar outros
significados, fazendo fabulações, a partir de conhecimentos ancestrais e teóricos, colocando na encruzilhada
das ideias, oferenda de velhas roupagens com novas já antigos referencias, perspectivas do mundo moderno e
do mundo ancestral. Considero a sabedoria dos mais velhos como vozes conceituais a partir da compreensão da
valoração da palavra falada, a oralidade, como elemento que faz nascer a escrita como propõe Hampaté Bá
(2010). Dialogo sobre a ancestralidade como matéria que constitui o tempo e que permeia tudo aquilo que
compõe o universo das tradições afro religiosas, na intenção de construir perspectivas sobre a relação do
tempo ancestral, pensada a partir do Orixá Iroko, com a dimensão sagrada do Ofó, o poder da palavra,
atribuída ao Orixá Ossaim, como elemento que contribui para a produção do encantamento, na experiencia do
Ilê Asé (terreiro) como lugar físico de (re)existência ancestral, detentor de uma memória viva e pulsante,
que faz lembrar e é contribuinte para a continuidade e o encantamento do mundo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Letizia Patriarca (Pesquisadora)
Resumo: Neste paper exploro e adenso uma discussão sobre a forma de apresentação da tese bilíngue que defendi
(Patriarca, 2023), partindo e discutindo os efeitos da minha vivência e atuação, possuindo também
oficialmente as cidadanias italiana e brasileira. Na tentativa de comunicar com os dois contextos culturais,
diversos e desigualmente marcados na geopolítica global, discuto as (im)possibilidades de escrita
antropológica em duas línguas. Discuto como elaborações autoetnográficas por vezes partem de uma cisão muito
estanque entre o público com o qual se realiza trabalho de campo e o público com o qual se dialoga na
produção da escrita antropológica. De outras formas, uma vez que minha atuação me permite partir de uma
atuação e circulação múltipla, passo a refletir sobre as possibilidades de escrita, diálogo e retorno
textual também múltiplas. Situo minha produção como uma forma de saber, que se pretende entre, como ponte
que permite comunicações e diálogos, múltiplos e simultâneos com diversos públicos. Além de me colocar entre
saberes e contextos culturais, a perspectiva contra surge na tentativa de escrita nas línguas dos dois
contextos em questão (em português e em italiano) e não na escrita em inglês (língua oficial para
comunicação acadêmica), além de marcar a escrita em português e com uma bibliografai brasileira traduzida
para o italiano que também desponta como contexto cultural europeu e com marcas de colonialidade de saber e
violência epistêmica. Dessa forma, escrevo também em italiano como prática decolonial para efetivamente
comunicar e provocar ruídos nas narrativas locais italianas que desconsideram ou ignoram produções
brasileiras. Portanto através do meu saber localizado entre, perpasso discussões metodológicas sobre a
fabricação textual e a apresentação formal de um trabalho que pretende comunicar, ao mesmo tempo, com
contextos culturais distintos, sem perder suas disputas e especificidades, que muitas vezes necessitam de
uma contextualização diversa. Discuto também as possibilidades de elaborações e fabulações em formatos
engessados por uma tradição acadêmica necessariamente escrita e diante de normas tácitas ou implícitas que
limitam a apresentação (textual) de saberes.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luz Stella Rodríguez Cáceres (UERJ), Rachel Paterman (Fiocruz)
Resumo: O objetivo desta comunicação é apresentar o processo criativo, imagético-textual, da produção
colaborativa de uma história em quadrinhos de inspiração antropológica: o livro Úrsula: uma peixinha do
Sertão Carioca, proposta cultural contemplada em 2023 pelo edital da Lei Paulo Gustavo. Úrsula, nome que se
inspira tanto no primeiro romance escrito por uma mulher no Brasil, de viés abolicionista, quanto à
fabulação especulativa de Ursula Le Guin, que vem sendo recuperada por Donna Haraway no desafio de imaginar
condições de vida no colapso climático, trata da amizade entre uma menina humana e um peixe ou uma peixa,
conforme licença poética autorizada pela ficção da espécie Rivulídeo. Esta espécie é popularmente conhecida
como peixe-das-nuvens e no Rio de Janeiro costuma ser encontrada nas áreas alagadiças características do
Sertão Carioca, termo que classifica, dentro de um imaginário de longa duração da cidade, as áreas intocadas
pela urbanização. O cerne problemático da história converge com aquele das experiências investigativas das
autoras da HQ, como antropólogas atentas e sensíveis a entrelaçamentos entre desequilíbrios ambientais e
conflitos sociais em torno da especulação imobiliária em tais territórios, referentes à Zona Oeste como
vetor de expansão urbana no Rio. Nesse exercício, propusemos colocar em prática jogos experimentais de
escrita e desenho capazes de contaminar e poluir o ponto de vista antropocêntrico, borrando as fronteiras
entre natureza e cultura. Assim como Donna Haraway, Anna Tsing constitui aqui uma importante referência, nos
instigando a pensar no meio ambiente além dos humanos, e na possibilidade da vida nas ruínas do capitalismo.
Conforme pretendemos apresentar, o encontro da peixinha Úrsula com a menina Maya permite, para além de
reforçar usos já reconhecidos da linguagem dos quadrinhos como recurso educativo, explorar seus potenciais
para imaginar outros mundos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marcos Vinicius Malheiros Moraes (IFSP)
Resumo: Na cidade de São Paulo dos anos 1930 e 1940, o desenvolvimento da experiência de vida metropolitana era
acompanhado por uma indagação sobre os lugares das crianças nesse processo sociocultural. O objetivo do
trabalho é analisar os discursos elaborados em relação aos parques infantis, instituições extraescolares de
educação e cultura voltadas para crianças de 3 a 12 anos, e às trocinhas, grupos de brincadeiras criados
pelas crianças nas ruas de bairros centrais da cidade, indicando como esses lugares e os discursos que os
permeiam são constitutivos de distintas experiências infantis na cidade, de formas de agência das crianças e
de esforços para governá-las.
Por um lado, os parques infantis são instituições estruturadas no âmbito do projeto desenvolvido por Mário
de Andrade enquanto diretor do Departamento de Cultura e Recreação do Município de São Paulo, o que torna
significativa sua análise a partir da perspectiva do estabelecimento de um governo da infância, pois, nos
discursos, trata-se de um lugar adequado para o desenvolvimento de crianças provenientes de famílias
proletárias e descendentes, em larga medida, de estrangeiros. As diferentes atividades desenvolvidas nos
parques infantis, inclusive a performance de danças dramáticas do folclore brasileiro, contribuiriam para a
constituição de uma infância brasileira saudável.
Por outro lado, as trocinhas foram pesquisadas por Florestan Fernandes, o qual refletiu sobre o caráter
integrador dessas brincadeiras tanto para as crianças quanto para os seus familiares, já que traços
culturais adquiridos pelas crianças a partir do folclore infantil poderiam ser apropriados pelas suas
famílias, contribuindo para a reeducação do imigrante. Portanto, a pesquisa sobre esses grupos de
brincadeira evidencia uma preocupação em relação à possiblidade de eles favorecerem a assimilação cultural
das crianças e de seus ascendentes à cultura brasileira.
Em conjunto, esses discursos elaborados sobre distintas experiências infantis parecem indicar uma
inquietação sociopolítica a respeito dos lugares das crianças na cidade, pois tais lugares deveriam evitar
perigos existenciais, inclusive para a nacionalidade, e promover a segurança não apenas das crianças, mas
também dos adultos por meio da problematização da educação e do sentido das práticas culturais desenvolvidas
pelas crianças. Dessa maneira, nos parques infantis ou nas ruas dos bairros centrais, as crianças
encontram-se diante de discursos e práticas sociais que procuram constituí-las como uma infância adequada
aos objetivos, ainda que em disputa, dos adultos. Na análise desse drama infantil, um dos principais
desafios metodológicos é captar, em uma leitura a contrapelo dos documentos, os indícios da agência e
resistência das crianças ao seu governo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
ọkàn (vinícius oliveira) (USP)
Resumo: Ser uma pessoa negra dentro do espaço acadêmico é desafiador por si só; e propor a elaboração e a
amplificação de narrativas outras sobre as múltiplas existências negras no espaço-tempo torna tudo ainda
mais tenso. Exige adaptação e releitura de construções teóricas acadêmicas enquanto contorna, no seu maior
sentido de ênfase, diferentes modos de ser, estar e experienciar o mundo. Assim, um fazer antropológico
atrelado à escrevivência (Evaristo, 2020) pode se construir enquanto conhecimento e experiências
compartilhadas, onde a ficção se torna a própria escrita e método etnográficos; ficção não como mentiras,
mas como construção de alguém (Geertz, 1997). Dito isso, proponho uma etnografia afrofuturista; espaço
teórico, metodológico, político, ético-estético e ontológico que permite poesia e sabedoria, crônica e
conhecimento, literatura e ciência coexistirem na/com a experimentação e possi-bilidades dentro dos
contextos de pesquisa antropológica, ao mesmo tempo em que centraliza agên-cias, narrativas e disputas de
pessoas negras, em acordo a um projeto de existência afrorreferenciado que busca imaginar e expandir os
contextos que vivem e, talvez mais importante, desejam e imaginam. Fabular/especular, na dimensão
etnográfica afrofuturista, seria reivindicar outras fontes, inspirações, orientações que não aquelas
calcadas no pensamento ocidental (hooks, 1995) que, na construção de um espaço ficcional a partir da
concretude de experiências localizadas neste espaço e no corpo negro, tornam-se um esforço antropológico que
aponta para horizontes que se transmuta em diferentes espaços a partir de um só, enquanto se mantém como
conhecimento legítimo. A partir desta proposta metodológica, exponho sua prática realizada em contexto do
AFROPUNK Bahia, festival global de cultura negra que desde 2020 existe em Salvador/BA, atravessando não só
aquelas que espelham as dimensões do festival e suas estéticas e musicares, mas também as experiências
subjetivas de autore nesta localidade e seus arredores territoriais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Patrícia Montenegro Matos Albuquerque (UNICAMP)
Resumo: A proposta desta comunicação é partilhar experimentações criativas no registro gráfico de diários de
campo referente à pesquisa em curso, cujo objetivo é analisar como se configuram as relações de gênero e
suas intersecções no circuito de quadrinhos autobiográficos produzidos nas cidades de Fortaleza e São Paulo
desde a última década. Pretendo refletir acerca da pergunta do título, feita pela minha orientadora, e
contar dos caminhos que tenho encontrado para reagir a essa provocação, seus desdobramentos e as implicações
de determinadas escolhas metodológicas e epistemológicas. Para tanto, articulo estudos feministas e de
gênero (Anzaldúa, 1987; 2015; Butler, 2004), narrativas gráficas (Refaie, 2012; Chute, 2010) em primeira
pessoa (Smith; Watson, 2010) e antropologia do desenho (Kuschnir, 2019; Azevedo, 2016).
No início da pesquisa, meu interesse esteve voltado às memórias gráficas transnacionais assinadas por
mulheres e pessoas sexo/gênero dissidentes. Acumulei obras com uma variedade de temas, estilos e traços que
me encantaram, do ponto de vista estético e político. No entanto, à medida que passei a frequentar feiras,
eventos, clubes de leitura e lojas especializadas em quadrinhos, na cidade São Paulo, local em que residia
no início da pesquisa, meu foco mudou substancialmente. Passei a questionar onde estariam os quadrinhos com
viés autobiográfico produzidos no Brasil, sobretudo por pessoas minorizadas socialmente. Apesar de ter
encontrado um número expressivo de obras, identifiquei que ainda são poucos os registros teóricos, com
enfoque histórico e social, que dão ênfase às produções brasileiras. Quando o fazem, detêm-se quase que
exclusivamente às autorias masculinas. Pouco ouve-se falar em quadrinhos elaborados por mulheres e pessoas
LGBTQIA+. No ano passado, em retorno à minha cidade natal, Fortaleza, frequentei espaços semelhantes e refiz
a pergunta anterior, a fim de compreender as mobilizações para emergência de obras naquele contexto. Até o
momento, tenho encontrado mais lacunas do que respostas, e compreendo que a busca por esses quadrinhos será
sempre parcial e encontrará limites e precariedades.
Por outro lado, estar em espaços de formação para quadrinistas e perceber-me em trânsito nas referidas
cidades, operou transformações nos rumos da pesquisa, de modo que pude refazer algumas perguntas, assim como
refletir sobre questões em torno da posicionalidade, autoria e ética no contato com artistas e suas obras.
Encarar o desafio de desenhar quadrinhos autobiográficos, arriscando o pessoal (Keating, 2000), tem
deslocado meu olhar para compreendê-los não apenas como objeto de estudo, mas como uma produção de
conhecimento que se faz pela sua multimodalidade (Flowers, 2017) e autorreflexividade corporificada
(Nascimento, 2016; 2019).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sara Caumo Guerra (UFRGS)
Resumo: O campo que pretendo trazer como universo de pensamento foi se constituindo durante minha pesquisa de
doutorado, a qual se desenrolou por dois anos e alguns meses, entre 2020-2022, em duas delegacias de
homicídio e proteção à pessoa, atuantes em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul. Entrei
nestas delegacias com a intenção de estudar os inquéritos policiais que davam conta das mortes
caracterizadas e estabilizadas como sendo mortes suicidas. Tive acesso a esses inquéritos, que li como se
fossem séries, organizadas por anos e pela própria forma de produção das pessoas policiais, através de
perguntas inspiradas pela antropologia feminista da ciência, mas também tive acesso ao processo cotidiano de
produzir inquéritos, por si mesmos a realização de uma montagem que conta com a colocação em discurso de uma
série de gentes, cenas, objetos, substâncias, coisas, protocolos, cotidianos, dúvidas e, também, não ditos.
As pessoas mobilizando coisas que excedem ou não ao que aparece nos papéis, comum a toda forma de pesquisa,
uma vez que dificilmente tudo que acontece no processo de aproximação a um problema cabe na narrativa, me
fez prestar atenção não só ao quê e ao modo de produzir narrativa das policiais, mas ao modo da antropologia
produzir suas expressões de verdade. Ecoando e pensando a discussão sobre ficção e ciência não pela oposição
de termos, mas pela observação da sua existência co-produtiva, a acompanho não só como parte do projeto para
uma outra epistemologia e até mesmo para outra imaginação ontológica ainda não dada no modelo dominante da
ciência ocidental (debate das feministas da ciência), também a pude apreendê-la nas práticas de uma
instituição de Estado fortemente marcada pelas categorias de prova, evidência, real, fato, verdade. A ficção
como a possibilidade de falar da realidade, como a possibilidade de seguir não só com os problemas, nos
termos de Donna Haraway, mas de seguir com as próprias instituições. Proponho um exercício de escrita que
traga ao texto o processo de montagem e edição do inquérito não só como um objeto passível de reprodução
infinita, mas como campo de desvios através dos quais podemos notar os limites da reprodução e os desafios
de dizer o que se passa. Produzirei uma espécie de espelhamento contorcido tanto dos termos da organização
dos elementos que dão inteligibilidade ao caso policial quanto dos termos que dão legitimidade à descrição
antropológica, trazendo ao texto aquilo que a realidade sugere de diferentes maneiras, muitas das quais não
cabem no documento. Afinal, por exemplo, o que os fantasmas dos mortos suicidas fazem durante a realização
do inquérito e fora dele? Para algumas pessoas, muito mais do que se pode imaginar num dia regular de
trabalho.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sara Luiza Ferreira Carvalho (UFMG)
Resumo: O trabalho em comento, objetiva desenvolver um panorama e uma conexão entre as diversas formas de viver
e se fazer presente no mundo por meio dos campos da Antropologia, e literatura, focando na figura do
ciborgue. Imaginar diferentes possibilidades de existências e interações é um tópico essencial para estas
áreas e algo que sempre despertou meu interesse. Julgo necessário a discussão de conceitos antropológicos em
uma abordagem transdisciplinar para, por meio de discussões futuras, entender o corpo ciborgue (que será
colocado em pauta na pesquisa), como possibilidades de futuro e existências dissidentes.
A partir de leituras em Antropologia, com as abordagens imaginativas propostas pela imagem-conceito do
ciborgue, objetivo comparar para estabelecer uma reflexão de futuros possíveis. Assim, busco um lugar
antropológico-fictício, na ideia de permanecer entrelaçando reflexões tanto antropológicas, quanto
fictícias, nesse lugar de compartilhamento de saberes e interseções. Tenho o intuito desenvolver uma
comparação, a partir de leituras em Antropologia e na literatura de ficção científica das abordagens
imaginativas propostas pela imagem-conceito do ciborgue, para estabelecer uma reflexão de futuros possíveis.
Aqui vale destacar meu lugar na pesquisa, que é o foco que pretendo manter nesse trabalho. Enquanto pessoa
não-binária, me vejo nesse lugar de tensionamento do ciborgue, no limiar irônico da criação. Por me ver
enquanto ciborgue, este trabalho visa desenvolver uma reflexão do panorama atual da visão desse ser-estar
ciborguiano pela sociedade.
A criação de novos corpos é a marca da ciência contemporânea, fazendo pensar pontos éticos, sociais e
políticos, pensando desde organismos transgênicos até corpos transgêneros. Assim, essas tecnologias podem
participar de forma ativa ao pensar futuridades para nossos corpos.
Logo, buscarei conexões entre os dois campos propostos, dando destaque à Antropologia e à ficção
especulativa feminista, sendo o objeto central de análise, o corpo ciborgue. Precisamos fazer uma
reapropriação para definir entidades que são produtos da implosão de categorias, fragmentos de realidade e
ficção, pois não há como delimitá-los; um sempre acompanha o outro. É necessário construir e destruir
simultaneamente categorias, figurações, imagens performativas que podem ser habitadas. E habitar também a
necessidade de gerar relatos de continuidade, com muitas origens e nenhum final.
Aqui retorno à ideia da transposição de fronteiras binárias (sobretudo de gênero) para pensar uma categoria
nova e híbrida que amplia as possibilidades de ser e estar no mundo. A relação estabelecida entre tecnologia
e corpos coloca em questão fronteiras duais e/ou híbridas, assim como a própria relação com o corpo no
contemporâneo.