ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 062: Fronteiras e fabulações: antropologias especulativas e experimentos etnográficos
Uma ponte entre duas culturas: o recurso da ficção científica social na construção de uma antropologia especulativa
O presente trabalho tem como objetivo propor a utilização da ficção científica social como recurso teórico na construção de uma antropologia especulativa, recorrendo à licença poética desse gênero literário e cinematográfico para articulações teóricas da área. Dialogamos com autores como Sarah Lefanu (1998), Neil Gerlach e Sheryl Hamilton (2003), Tim Ingold (2019), e Ursula K. Le Guin (2023). Desde sua origem mais consolidada, no século XIX, o gênero ficção científica (FC) se popularizou pelas narrativas futurísticas que misturavam a fantasia e a ciência, por exemplo, no temor ou na admiração a seres alienígenas (ou seja, estrangeiros em relação à espécie humana), cujas descrições encontravam paralelo naquelas das populações colonizadas pelas nações imperialistas. Nos anos 1950, ainda predominantemente literário, o gênero passou a incorporar cada vez mais reflexões críticas e sociais das ciências humanas tal virada inaugurou o que seria posteriormente intitulado de ficção científica social. No contexto do pós-guerra, as novas produções tinham como pano de fundo temas como colonialismo, imperialismo, etnocentrismo, raça, gênero e trabalho. A partir dos anos 1970, a FC passou a ser cada vez mais adaptada para as telas de cinema, com filmes que se apoiavam em efeitos especiais para retratar cenários e circunstâncias fantásticas”. Recorrendo à literatura e ao cinema de FC, pesquisadores de humanidades propuseram que a dita ficção científica social poderia ser utilizada no afloramento da imaginação antropológica e na própria investigação social. Segundo Sarah Lefanu (1998), enquanto a teoria socioantropológica expõe um fato social como conceito, a FC pode trabalhar com ele pelo viés da imaginação, da especulação. Gerlach e Hamilton (2003) argumentam que o requisito da FC de imaginar um futuro para além das limitações das realidades do presente a torna ideal para a extrapolação das teorias das ciências sociais. Tal articulação encontra consonância com os votos de Tim Ingold (2019) por uma antropologia experimental e aberta à especulação, uma convergência da ciência com a arte. Ursula K. Le Guin (2023), escritora de FC, defende a literatura imaginativa como um instrumento útil de resistência à opressão, pois escancara a contingência da realidade, informando-nos que ela não tem que ser do jeito que é. A possibilidade de estabelecer um espaço tanto discursivo quanto imaginário entre o presente e o futuro justifica a utilização das narrativas de FC como ferramentas de compreensão da realidade social. Metodologicamente, o trabalho recorre à literatura existente sobre antropologia do cinema, antropologia e ficção científica e aos estudos de ficção científica, como os autores supracitados, mais Sheila Schwartz (1971) e Alice Fátima Martins (2004).