ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 062: Fronteiras e fabulações: antropologias especulativas e experimentos etnográficos
A herança de Moreau animais exóticos e os limites da humanização dos pets
Jorge Leite Jr. (UFSCAR)
Seres híbridos entre animais não humanos e animais humanos são uma tópica comum nas obras literárias de fantasia e horror desde a Antiguidade. Tal hibridez tem como função questionar as definições e limites entre tais seres, mostrando que são construções culturais constantemente abaladas por mudanças sociais. Assim, a própria hibridez testemunha que as trocas, misturas e fronteiras são sempre histórica e socialmente possibilitadas, desejadas ou temidas. Um dos grandes exemplos na literatura é a obra A ilha do dr. Moreau, escrita em 1896 pelo inglês H.G. Wells, em que descreve uma sociedade distópica na qual animais selvagens eram humanizados a base de dolorosas cirurgias e rígidas regras de conduta, criando assim o povo animal. Neste livro, não apenas a separação entre animais humanos e não humanos é borrada, como o próprio desejo de humanizar as feras pressupõe uma relação autoritária, em que as hierarquias sociais não são extintas, mas reforçadas em suas manifestações mais brutais. Quase cento e trinta anos depois, as sensibilidades sociais em relação aos animais não humanos mudaram, mas o projeto de humanização seletiva e hierarquizada não apenas se manteve como se intensificou. Apesar de no final do século XIX na Europa Ocidental, já existirem animais domésticos pensados como de estimação, o que não se imaginava no período era a atual humanização de tais pets através do afeto e do mercado, criando toda uma população que, se não pode ser pensada como um povo no sentido cultural e/ou legal, pode ser lida como receptora de mais carinhos e cuidados do que muitas pessoas. Embasado nos Animal Studies, Monster Studies e nos estudos sobre distinção social, essa fala pretende fazer uma reflexão sobre uma pet shop brasileira de animais exóticos e sua dinâmica simbólica nas hierarquias entre humanos/ humanos e humanos/ animais e nos chamados novos animais de estimação e sua dinâmica dentro das famílias multiespécie.