ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 062: Fronteiras e fabulações: antropologias especulativas e experimentos etnográficos
"Por que você não desenha?": arriscando o pessoal com experiências gráficas multimodais nas relações com o campo.
A proposta desta comunicação é partilhar experimentações criativas no registro gráfico de diários de campo referente à pesquisa em curso, cujo objetivo é analisar como se configuram as relações de gênero e suas intersecções no circuito de quadrinhos autobiográficos produzidos nas cidades de Fortaleza e São Paulo desde a última década. Pretendo refletir acerca da pergunta do título, feita pela minha orientadora, e contar dos caminhos que tenho encontrado para reagir a essa provocação, seus desdobramentos e as implicações de determinadas escolhas metodológicas e epistemológicas. Para tanto, articulo estudos feministas e de gênero (Anzaldúa, 1987; 2015; Butler, 2004), narrativas gráficas (Refaie, 2012; Chute, 2010) em primeira pessoa (Smith; Watson, 2010) e antropologia do desenho (Kuschnir, 2019; Azevedo, 2016). No início da pesquisa, meu interesse esteve voltado às memórias gráficas transnacionais assinadas por mulheres e pessoas sexo/gênero dissidentes. Acumulei obras com uma variedade de temas, estilos e traços que me encantaram, do ponto de vista estético e político. No entanto, à medida que passei a frequentar feiras, eventos, clubes de leitura e lojas especializadas em quadrinhos, na cidade São Paulo, local em que residia no início da pesquisa, meu foco mudou substancialmente. Passei a questionar onde estariam os quadrinhos com viés autobiográfico produzidos no Brasil, sobretudo por pessoas minorizadas socialmente. Apesar de ter encontrado um número expressivo de obras, identifiquei que ainda são poucos os registros teóricos, com enfoque histórico e social, que dão ênfase às produções brasileiras. Quando o fazem, detêm-se quase que exclusivamente às autorias masculinas. Pouco ouve-se falar em quadrinhos elaborados por mulheres e pessoas LGBTQIA+. No ano passado, em retorno à minha cidade natal, Fortaleza, frequentei espaços semelhantes e refiz a pergunta anterior, a fim de compreender as mobilizações para emergência de obras naquele contexto. Até o momento, tenho encontrado mais lacunas do que respostas, e compreendo que a busca por esses quadrinhos será sempre parcial e encontrará limites e precariedades. Por outro lado, estar em espaços de formação para quadrinistas e perceber-me em trânsito nas referidas cidades, operou transformações nos rumos da pesquisa, de modo que pude refazer algumas perguntas, assim como refletir sobre questões em torno da posicionalidade, autoria e ética no contato com artistas e suas obras. Encarar o desafio de desenhar quadrinhos autobiográficos, arriscando o pessoal (Keating, 2000), tem deslocado meu olhar para compreendê-los não apenas como objeto de estudo, mas como uma produção de conhecimento que se faz pela sua multimodalidade (Flowers, 2017) e autorreflexividade corporificada (Nascimento, 2016; 2019).