Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 062: Fronteiras e fabulações: antropologias especulativas e experimentos etnográficos
"Por que você não desenha?": arriscando o pessoal com experiências gráficas multimodais nas relações com o campo.
A proposta desta comunicação é partilhar experimentações criativas no registro gráfico de diários de
campo referente à pesquisa em curso, cujo objetivo é analisar como se configuram as relações de gênero e
suas intersecções no circuito de quadrinhos autobiográficos produzidos nas cidades de Fortaleza e São Paulo
desde a última década. Pretendo refletir acerca da pergunta do título, feita pela minha orientadora, e
contar dos caminhos que tenho encontrado para reagir a essa provocação, seus desdobramentos e as implicações
de determinadas escolhas metodológicas e epistemológicas. Para tanto, articulo estudos feministas e de
gênero (Anzaldúa, 1987; 2015; Butler, 2004), narrativas gráficas (Refaie, 2012; Chute, 2010) em primeira
pessoa (Smith; Watson, 2010) e antropologia do desenho (Kuschnir, 2019; Azevedo, 2016).
No início da pesquisa, meu interesse esteve voltado às memórias gráficas transnacionais assinadas por
mulheres e pessoas sexo/gênero dissidentes. Acumulei obras com uma variedade de temas, estilos e traços que
me encantaram, do ponto de vista estético e político. No entanto, à medida que passei a frequentar feiras,
eventos, clubes de leitura e lojas especializadas em quadrinhos, na cidade São Paulo, local em que residia
no início da pesquisa, meu foco mudou substancialmente. Passei a questionar onde estariam os quadrinhos com
viés autobiográfico produzidos no Brasil, sobretudo por pessoas minorizadas socialmente. Apesar de ter
encontrado um número expressivo de obras, identifiquei que ainda são poucos os registros teóricos, com
enfoque histórico e social, que dão ênfase às produções brasileiras. Quando o fazem, detêm-se quase que
exclusivamente às autorias masculinas. Pouco ouve-se falar em quadrinhos elaborados por mulheres e pessoas
LGBTQIA+. No ano passado, em retorno à minha cidade natal, Fortaleza, frequentei espaços semelhantes e refiz
a pergunta anterior, a fim de compreender as mobilizações para emergência de obras naquele contexto. Até o
momento, tenho encontrado mais lacunas do que respostas, e compreendo que a busca por esses quadrinhos será
sempre parcial e encontrará limites e precariedades.
Por outro lado, estar em espaços de formação para quadrinistas e perceber-me em trânsito nas referidas
cidades, operou transformações nos rumos da pesquisa, de modo que pude refazer algumas perguntas, assim como
refletir sobre questões em torno da posicionalidade, autoria e ética no contato com artistas e suas obras.
Encarar o desafio de desenhar quadrinhos autobiográficos, arriscando o pessoal (Keating, 2000), tem
deslocado meu olhar para compreendê-los não apenas como objeto de estudo, mas como uma produção de
conhecimento que se faz pela sua multimodalidade (Flowers, 2017) e autorreflexividade corporificada
(Nascimento, 2016; 2019).