Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 062: Fronteiras e fabulações: antropologias especulativas e experimentos etnográficos
Os parques infantis e as trocinhas: constituição de lugares e do governo da infância na cidade de São
Paulo nos anos 1930 e 1940
Na cidade de São Paulo dos anos 1930 e 1940, o desenvolvimento da experiência de vida metropolitana era
acompanhado por uma indagação sobre os lugares das crianças nesse processo sociocultural. O objetivo do
trabalho é analisar os discursos elaborados em relação aos parques infantis, instituições extraescolares de
educação e cultura voltadas para crianças de 3 a 12 anos, e às trocinhas, grupos de brincadeiras criados
pelas crianças nas ruas de bairros centrais da cidade, indicando como esses lugares e os discursos que os
permeiam são constitutivos de distintas experiências infantis na cidade, de formas de agência das crianças e
de esforços para governá-las.
Por um lado, os parques infantis são instituições estruturadas no âmbito do projeto desenvolvido por Mário
de Andrade enquanto diretor do Departamento de Cultura e Recreação do Município de São Paulo, o que torna
significativa sua análise a partir da perspectiva do estabelecimento de um governo da infância, pois, nos
discursos, trata-se de um lugar adequado para o desenvolvimento de crianças provenientes de famílias
proletárias e descendentes, em larga medida, de estrangeiros. As diferentes atividades desenvolvidas nos
parques infantis, inclusive a performance de danças dramáticas do folclore brasileiro, contribuiriam para a
constituição de uma infância brasileira saudável.
Por outro lado, as trocinhas foram pesquisadas por Florestan Fernandes, o qual refletiu sobre o caráter
integrador dessas brincadeiras tanto para as crianças quanto para os seus familiares, já que traços
culturais adquiridos pelas crianças a partir do folclore infantil poderiam ser apropriados pelas suas
famílias, contribuindo para a reeducação do imigrante. Portanto, a pesquisa sobre esses grupos de
brincadeira evidencia uma preocupação em relação à possiblidade de eles favorecerem a assimilação cultural
das crianças e de seus ascendentes à cultura brasileira.
Em conjunto, esses discursos elaborados sobre distintas experiências infantis parecem indicar uma
inquietação sociopolítica a respeito dos lugares das crianças na cidade, pois tais lugares deveriam evitar
perigos existenciais, inclusive para a nacionalidade, e promover a segurança não apenas das crianças, mas
também dos adultos por meio da problematização da educação e do sentido das práticas culturais desenvolvidas
pelas crianças. Dessa maneira, nos parques infantis ou nas ruas dos bairros centrais, as crianças
encontram-se diante de discursos e práticas sociais que procuram constituí-las como uma infância adequada
aos objetivos, ainda que em disputa, dos adultos. Na análise desse drama infantil, um dos principais
desafios metodológicos é captar, em uma leitura a contrapelo dos documentos, os indícios da agência e
resistência das crianças ao seu governo.