ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 062: Fronteiras e fabulações: antropologias especulativas e experimentos etnográficos
Os parques infantis e as trocinhas”: constituição de lugares e do governo da infância na cidade de São Paulo nos anos 1930 e 1940
Na cidade de São Paulo dos anos 1930 e 1940, o desenvolvimento da experiência de vida metropolitana era acompanhado por uma indagação sobre os lugares das crianças nesse processo sociocultural. O objetivo do trabalho é analisar os discursos elaborados em relação aos parques infantis, instituições extraescolares de educação e cultura voltadas para crianças de 3 a 12 anos, e às trocinhas, grupos de brincadeiras criados pelas crianças nas ruas de bairros centrais da cidade, indicando como esses lugares e os discursos que os permeiam são constitutivos de distintas experiências infantis na cidade, de formas de agência das crianças e de esforços para governá-las. Por um lado, os parques infantis são instituições estruturadas no âmbito do projeto desenvolvido por Mário de Andrade enquanto diretor do Departamento de Cultura e Recreação do Município de São Paulo, o que torna significativa sua análise a partir da perspectiva do estabelecimento de um governo da infância, pois, nos discursos, trata-se de um lugar adequado para o desenvolvimento de crianças provenientes de famílias proletárias e descendentes, em larga medida, de estrangeiros. As diferentes atividades desenvolvidas nos parques infantis, inclusive a performance de danças dramáticas do folclore brasileiro, contribuiriam para a constituição de uma infância brasileira saudável. Por outro lado, as trocinhas foram pesquisadas por Florestan Fernandes, o qual refletiu sobre o caráter integrador dessas brincadeiras tanto para as crianças quanto para os seus familiares, já que traços culturais adquiridos pelas crianças a partir do folclore infantil poderiam ser apropriados pelas suas famílias, contribuindo para a reeducação do imigrante”. Portanto, a pesquisa sobre esses grupos de brincadeira evidencia uma preocupação em relação à possiblidade de eles favorecerem a assimilação cultural das crianças e de seus ascendentes à cultura brasileira. Em conjunto, esses discursos elaborados sobre distintas experiências infantis parecem indicar uma inquietação sociopolítica a respeito dos lugares das crianças na cidade, pois tais lugares deveriam evitar perigos existenciais, inclusive para a nacionalidade, e promover a segurança não apenas das crianças, mas também dos adultos por meio da problematização da educação e do sentido das práticas culturais desenvolvidas pelas crianças. Dessa maneira, nos parques infantis ou nas ruas dos bairros centrais, as crianças encontram-se diante de discursos e práticas sociais que procuram constituí-las como uma infância adequada aos objetivos, ainda que em disputa, dos adultos. Na análise desse drama infantil, um dos principais desafios metodológicos é captar, em uma leitura a contrapelo dos documentos, os indícios da agência e resistência das crianças ao seu governo.