Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 062: Fronteiras e fabulações: antropologias especulativas e experimentos etnográficos
E antropólogue como contrarregra, ou da Antropologia como contrarregragem
Durante as eleições de 2020, acompanhei a campanha de Brenda da Silva Santunioni, então vereadora de
Viçosa-MG e mulher transexual, à prefeitura da cidade. Em sua carreira e campanhas eleitorais, circulavam
uma série de críticas em virtude de sua proximidade a grupos políticos locais que se situam mais à direita
do espectro político, apesar de sua também estreita vinculação à luta por direitos LGBTQIA+ na região. Num
contexto que era profundamente marcado pela pandemia de Covid-19, em que vigoravam barreiras sanitárias, o
distanciamento físico e social, e o uso frequente de máscaras, estive presente nas caminhadas eleitorais que
são típicas desse período de campanha. Diferente do que eu imaginara a princípio, a pandemia não havia
acabado com o corpo-a-corpo eleitoral entre candidates e eleitories. Fazendo campanha junto de Brenda, eu
havia me tornado, para todos os efeitos, uma de suas apoiadoras mais próximas. Em 2021, após ter perdido as
eleições, Brenda passou a editar uma revista eletrônica com o nome Canal Brenda Santunioni. Seu intuito com
a revista era não apenas garantir uma fonte de renda, mas também continuar se plrojetando no cenário da
política local, mantendo-se relevante entre os grupos políticos aliados e rivais. Em incursões de campo
naquele ano, passei a ajudar Brenda nas filmagens externas de seu canal, montando o equipamento de filmagem,
as luzes e o cenário para a realização de entrevistas. Ela passou a me apresentar, naquele momento, como seu
contrarregra.
A partir dessas experiências do trabalho de campo de minha pesquisa de mestrado, reflito sobre o papel da
pessoa antropóloga enquanto contrarregra, ou, mais precisamente, sobre a antropologia enquanto
contrarregragem. Enquanto antropólogues, estamos frequentemente diante da situação de estarmos circulando
pelos bastidores das experiências humanas. O trabalho antropológico, nesse sentido, adquire um caráter de
contrarregragem na medida em que nós mesmos nos vemos implicados na construção das cenas que nos propusemos
a estudar. Dito de outro modo, lançar luz sobre determinado acontecimento, contexto ou situação, é também
produzi-la enquanto discurso da experiência humana. Por outro aspecto, o ato de montar a cena, dispondo a
iluminação, os objetos e os equipamentos, pode igualmente ser comparado com a atividade de reflexão teórica
que concerne à antropologia, tanto em relação às pessoas e grupos com quem pesquisamos, quanto em relação à
história e a metodologia da própria disciplina. Diferente de propor uma abordagem inovadora sobre o
cotidiano do fazer etnográfico, minha intenção é refletir a esse respeito à luz da noção de contrarregragem,
conforme ela emergiu durante a pesquisa que deu origem à minha dissertação de mestrado.