Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 062: Fronteiras e fabulações: antropologias especulativas e experimentos etnográficos
O peixe das nuvens e o Sertão Carioca: uma história em quadrinhos para fabular sobre relações
multiespécie nas paisagens da especulação imobiliária
O objetivo desta comunicação é apresentar o processo criativo, imagético-textual, da produção
colaborativa de uma história em quadrinhos de inspiração antropológica: o livro Úrsula: uma peixinha do
Sertão Carioca, proposta cultural contemplada em 2023 pelo edital da Lei Paulo Gustavo. Úrsula, nome que se
inspira tanto no primeiro romance escrito por uma mulher no Brasil, de viés abolicionista, quanto à
fabulação especulativa de Ursula Le Guin, que vem sendo recuperada por Donna Haraway no desafio de imaginar
condições de vida no colapso climático, trata da amizade entre uma menina humana e um peixe ou uma peixa,
conforme licença poética autorizada pela ficção da espécie Rivulídeo. Esta espécie é popularmente conhecida
como peixe-das-nuvens e no Rio de Janeiro costuma ser encontrada nas áreas alagadiças características do
Sertão Carioca, termo que classifica, dentro de um imaginário de longa duração da cidade, as áreas intocadas
pela urbanização. O cerne problemático da história converge com aquele das experiências investigativas das
autoras da HQ, como antropólogas atentas e sensíveis a entrelaçamentos entre desequilíbrios ambientais e
conflitos sociais em torno da especulação imobiliária em tais territórios, referentes à Zona Oeste como
vetor de expansão urbana no Rio. Nesse exercício, propusemos colocar em prática jogos experimentais de
escrita e desenho capazes de contaminar e poluir o ponto de vista antropocêntrico, borrando as fronteiras
entre natureza e cultura. Assim como Donna Haraway, Anna Tsing constitui aqui uma importante referência, nos
instigando a pensar no meio ambiente além dos humanos, e na possibilidade da vida nas ruínas do capitalismo.
Conforme pretendemos apresentar, o encontro da peixinha Úrsula com a menina Maya permite, para além de
reforçar usos já reconhecidos da linguagem dos quadrinhos como recurso educativo, explorar seus potenciais
para imaginar outros mundos.
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
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