Grupos de Trabalho (GT)
GT 026: Antropologia, memória e eventos críticos
Coordenação
Carolina Castellitti (UERJ), Felipe Magaldi (UNIFESP)
Debatedor(a)
Aline Lopes Murillo (UFAL)
Resumo:
Desde os anos 1980, o “boom” dos estudos sobre a memória nas ciências sociais tem passado por significativas transformações. Se o fenômeno incluiu o risco de uma certa banalização, fazendo simplesmente coincidir o conceito de memória com o de cultura, também implicou em um interesse renovado no estudo das situações limite, revelando os nexos inarredáveis entre memória, esquecimento e silêncio. Na segunda edição deste GT, propomos reunir trabalhos etnográficos que, a partir de distintas realidades sociais e períodos históricos, reflitam sobre os processos de construção (e tentativas de destruição) da memória frente aos chamados eventos críticos. Acidentes, catástrofes, desastres socioambientais, contextos de crise econômica, violências de Estado e de gênero, guerras, conflitos étnico-raciais, rupturas biográficas, perturbações físico-morais e relações de exploração capitalista, patriarcal e colonial costumam ser os cenários privilegiados dessa indagação. Trata-se de compreender como as rupturas do cotidiano se inscrevem no ordinário a partir de agenciamentos que envolvem não somente as narrativas do passado, mas também a reconfiguração das próprias relações e identidades sociais. Dando continuidade aos debates realizados em 2021, abordaremos as relações entre memória e museus, patrimônios, arquivos, saberes e materialidades; as biografias, trajetórias, histórias de vida, escritas e imaginações de si; e os movimentos sociais e as disputas por verdade, justiça e reparação.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ádima Farias Rodrigues Monteiro (Seduc), Michele Escoura Bueno (UFPA)
Resumo: Este trabalho faz parte de minha pesquisa de mestrado, que caminha para fase conclusiva e tem como objetivo geral compreender os efeitos sociais, profissionais e emocionais dos arranjos políticos emergenciais praticados pelo Governo do Estado do Pará na educação pública estadual durante a pandemia da COVID-19, a partir da experiência de professoras/es da Rede Pública Estadual de Ensino no Município de Ananindeua, na região metropolitana de Belém. Metodologicamente, esta pesquisa foi produzida a partir de observações de campo, rodas de conversa e entrevistas com professoras/es em 4 unidades de ensino no período de janeiro a fevereiro de 2022, em um momento de retorno às atividades presenciais após os 10 meses de suspensão das aulas e 6 meses de ensino remoto em um contexto de desigualdade digital. Os dados aqui apresentados referem-se a relatos e memórias das/os profissionais da educação sobre a experiência neste evento crítico e descrições de situações observadas em campo que são somados às minhas próprias experiências enquanto docente de 2 destas instituições de ensino no período da pandemia. Como resultados, pude reviver minhas memórias e identificar similaridades e diferenças na maneira em que cada profissional encontrou para se adaptar às exigências do governo do Estado do Pará, ante ao deslocamento da escola para o meio virtual, seja na relação entre a secretaria de educação e as professoras e os professores, seja na relação entre professoras e/ ou professores com os estudantes e/ou seus familiares, mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação, bem como a vivência desses profissionais da sobreposição de múltiplos trabalhos, sendo todos realizados a partir de seus locais de moradia. Discorrer sobre a minha experiência e de minhas interlocutoras e interlocutores sobre nossas vivências na pandemia reavivou memórias de sofrimento, características daquele ambiente apavorante que predominou nos primeiros anos da Pandemia, principalmente quando ainda não tínhamos acesso a vacina. Pretendo demonstrar como que a memória de professoras/es da educação básica revela violências de Estado e de gênero pré-existentes em nossa sociedade, mas que foram aguçadas durante a Pandemia do Coronavírus. Inspirada em Veena Das, abordo a Pandemia como evento crítico que provocou profundas mudanças no ordinário e no cotidiano, que reverberaram no aprofundamento da crise da educação e na feminização da precarização do trabalho docente, bem como na feminização do trabalho de cuidados. Entendo que ouvir, falar e escrever sobre a experiência das professoras/es da educação básica na Amazônia Paraense contribui para tirar do silenciamento e da invisibilidade os conflitos vividos durante a pandemia, mas que seguem presentes no cotidiano da sociedade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Aline Lopes Murillo (UFAL)
Resumo: Este trabalho examina práticas de pessoas que souberam, na idade adulta, serem filhas de militantes desaparecidos e de terem sido sequestradas por motivos políticos durante a Ditadura argentina (1976-1983) quando eram bebês. Essas pessoas foram criadas por militares, por aliados da Ditadura ou por casais que não estavam envolvidos com a repressão política; seus nomes, sobrenomes, filiação, datas e locais de nascimento foram adulterados nas certidões de nascimento, prática que ficou conhecida como "plan sistemático de apropiación de menores". Se para eliminar a oposição política, a Ditadura obliterou identidades pessoais, anulou vínculos de parentesco e silenciou discursos contrários, a resistência surge como seu espelho: são o sangue, o nome e os relatos os principais meios para trazer à tona o passado ocultado à vida presente. Ao conhecerem as suas origens familiares por meio do trabalho da associação civil Abuelas de Plaza de Mayo, os chamados nietos e nietas restituidos se perceberam como parte de um mundo devastado pela repressão estatal da década de 1970. Este trabalho coloca suas histórias de vida em focoi e em relação, para entender modos como o conhecimento da origem familiar é acionado e participa das artes de (re)constituir identidades pessoais, (re)criar parentesco e (re)alimentar memórias. Como pessoas que elaboram e difundem histórias pessoais, familiares e do país, nietos e nietas mobilizam uma pluralidade de ideias sobre a ditadura militar. Além disso, e tão somente porque sofreram a apropiación de menores, situam em si e convidam (até requerem) a produção de memórias e ideias, constituindo-se, assim – tal como sustento – como “pessoas memoriais”.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Amanda Gabrielle Covelo de Araújo (UFRRJ)
Resumo: Oito anos após o rompimento da barragem de Fundão (Mariana, Minas Gerais), os moradores e moradoras dos territórios afetados ainda lidam com as marcas de uma lama que não sai (Teixeira, 2018). O trabalho que aqui se apresenta objetivou especialmente pensar as formas com as quais acontece a mútua absorção entre o desastre e o ordinário nesse cotidiano envenenado (Das, 2023), a partir das experiências de doença e cuidado vividas por mulheres e crianças atingidas do município de Barra Longa (MG), cidade beiradeira do rio Gualaxo do Norte e do rio do Carmo. Em uma dimensão local e doméstica, busco compreender a gestão do cuidado de mulheres, cujos filhos e filhas apresentaram um quadro de saúde que indica a contaminação, levando em conta a divisão entre homens e mulheres no trabalho do cuidado e a luta pelo reconhecimento enquanto pessoas atingidas. Para isso, realizei entrevistas e analisei os laudos e os relatórios produzidos pelas assessorias técnicas presentes no território. Metais pesados como níquel e arsênio fazem parte da composição dos rejeitos que estão esparramados e diluídos por toda a cidade: nos quintais de cultivo, nos rios, no ar, na água para o consumo doméstico e até mesmo na pavimentação das vias públicas da cidade, já que em Barra longa a lama de rejeitos foi reutilizada. A reconstituição da cidade, gerida pelas empresas violadoras, a Vale S.A e a BHP Billiton, foi literalmente forjada por uma complexa infraestrutura combinada de rejeitos do desastre, insumos e materiais de construção. Relatos de coceira, dermatites, manchas no corpo e alergias respiratórias, no entanto, foram tomados nesta pesquisa não apenas como sintomas de intoxicação, mas como as formas com as quais o corpo pode falar sobre a convivência ordinária e contínua com o desastre. A doença aqui não é conjugada como um quase-evento (Povinelli, 2011) inserido na rotina, mas como tentáculos do próprio evento preso e absorvido no cotidiano (Das, 2020). Por fim, neste trabalho, trago reflexões sobre adoecimento, memórias do desastre no corpo, o manejo do cuidado gerido por mulheres na contramão das dúvidas aniquiladoras de mundos e a possibilidade da criação de futuros possíveis em recuperação.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Claudelir Correa Clemente (UFU)
Resumo: Atualmente, na cidade de São Paulo, em territórios devassados por grandes projetos metroviários e imobiliários, um conjunto de vestígios materiais de africanos e afro-brasileiros escravizados no período colonial tem sido desenterrado. A exemplo disso, no bairro da Liberdade durante as escavações de um empreendimento, em 2018, foram encontradas ossadas dos tempos de escravidão, comprovando a existência do Cemitério dos Aflitos, até então conhecido apenas por meio de documentos. Fatos como este reacendem debates sobre a presença africana na São Paulo colonial, sobre suas formas de resistência seja nas irmandades religiosas ou nas lutas quilombolas. A partir de uma perspectiva centrada na produção antropológica africana, em especial nos estudos do antropólogo Georges Niangoran Bouah e nas análises de Beatriz Nascimento, este trabalho visa estimular o conhecimento sobre as origens étnicas dos escravizados na São Paulo colonial e suas vinculações com a resistência quilombola contra portugueses ensejada na costa africana no século XV. Na contemporaneidade, há por parte dos movimentos sociais e diversos segmentos da população negra paulistana uma busca por reconhecimento do seu patrimônio cultural, ao qual é atribuído sentido identitário. No entanto setores mais abastados da sociedade paulistana, associados ao capitalismo neoliberal manifestam-se em estratégias e narrativas de não reconhecimento desses bens enquanto patrimônio local e nacional. Parece haver conivência dos órgãos públicos municipais e estaduais responsáveis por esse legado. Portanto, também se visa com este trabalho contribuir em questões contemporâneas referentes a salvaguarda da memória e patrimônio negros localizados na metrópole paulista.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Flávia Carolina da Costa (UFMT)
Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar como a noção de memória étnica realçada pelas rotas de celebração da ancestralidade africana no Brasil tem tensionado o conceito de patrimônio e apontado para um diálogo interseccional com o turismo, as dinâmicas locais e a mercantilização da cultura. Tomo como ponto de partida dois contextos etnográficos distintos, que neste trabalho serão comparados à luz da teoria antropológica, visando destacar aproximações e distanciamentos analíticos e contextuais. São eles a zona portuária carioca com a Rota da Celebração da Herança Africana em torno da patrimonialização do Cais do Valongo e os movimentos culturais, étnicos e religiosos em torno da Igreja de São Benedito, em Cuiabá, Mato Grosso, a partir da Rota da Ancestralidade recentemente inaugurada.
O processo de construção de uma memória étnica na região portuária do Rio de Janeiro, leva em consideração todo o processo desencadeado desde o projeto de revitalização empreendido pelo Porto Maravilha até a descoberta do Cais do Valongo e sua candidatura como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. O esforço reflexivo, neste sentido, passa pela análise das disputas e construções narrativas em torno de uma memória preta territorial (termo advindo da fala nativa) e seus desdobramentos percebidos na construção de equipamentos de salvaguarda da memória da região popularmente denominada Pequena África.
No que toca ao patrimônio cultural de uma área central de Cuiabá, capital de Mato Grosso, o espaço em questão compreende a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, entre o Morro da Luz e a Prainha, um dos marcos de fundação da cidade. Tomando a Igreja como ponto de partida, bem como os debates sobre o patrimônio local, compreendido em seu universo simbólico constituído a partir de uma igreja dedicada a um santo e às irmandades negras, interessa-nos observar como a proposição da Rota da Ancestralidade dialoga com o contexto brasileiro de reparação das memórias da escravidão.
Entrelaçando tais contextos, este trabalho pretende realçar as análises acerca da Escravidão na Era da Memória e as formas pelas quais tal tema vai sendo aos poucos tomado por um movimento de mercantilização da cultura e da memória a partir do turismo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gustavo Beckhauser Farias (UNIMONTES)
Resumo: A apresentação propõe a análise do impacto das políticas de assimilação francesa na construção dos dilemas sofridos pela intelectualidade argelina, através do romance etnográfico Terre et sang (1953) do escritor, professor e intelectual argelino Mouloud Feraoun (1913-1962). Os romances etnográficos se inserem em um movimento político-literário, durante o século XX, que buscava registrar e descrever a cultura e o cotidiano de povos nativos que estavam sob ocupação colonial. Conforme aponta Bourdieu (2022), foram fontes fundamentais para escapar de uma produção antropológica com fortes marcas coloniais. Destacam-se nessa apresentação as relações coloniais entre a França e a Argélia, evidenciando as políticas assimilacionistas que aceleram a destruição do modo de vida tradicional Cabila (localizada na cordilheira do Atlas em território argelino). Feraoun escreve seus principais romances, Le fils du pauvre (1950) e Terre et sang (1953) próximo da eclosão da guerra de independência da Argélia (1954-1962) e testemunha os horrores da guerra em seu diário (Journal, 1955-1962), publicado após o seu assassinato por paramilitares franceses, dois meses antes do cessar-fogo em 1962. Sua literatura emerge como expressão significativa na construção e preservação da memória cabila, durante os eventos críticos da descolonização argelina. Nesse complexo contexto, seus manuscritos registram a vida e as tradições cabilas, bem como as alterações sofridas por essa população rural durante a colonização. Paralelamente, Feraoun apresenta em seus textos um alargamento da concepção de humanidade compartilhada, enquanto uma tentativa de humanizar para o leitor o povo cabila frente ao colonizador.Argumentamos que através de seu romance semi-autobiografico, Terre et sang, o autor concilia a sua educação burguesa francesa, adquirida através do regime colonial, com o saber prático cabila, resultando em uma escrita engajada com a denúncia da violência colonial e os horrores perpetrados pelo exército francês. Dessa forma, sua literatura se torna uma busca pela coerência pessoal e coletiva ao dar voz e sentido às suas memórias, enquanto narra e denuncia as violências e desestruturações enfrentadas pelos cabilas. Com base em sua produção intelectual e das análises de Debra Kelly e Jane Hiddleston em Autobiography and Independence (2005) e Decolonising the Intellectual (2014), respectivamente, esse estudo contribui para a compreensão da complexa relação entre o testemunho do intelectual assimilado frente aos eventos críticos da guerra e luta anticolonial.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Iris Fátima Alves Campos (UFSM)
Resumo: Este trabalho é parte de uma investigação a respeito dos “dispositivos de gestão do sofrimento de vítimas de violência no
Brasil e hierarquias morais”. O campo desta etnografia é a experiência de interiorização do projeto Clínicas do Testemunho,
dispositivo de reparação psíquica aos afetados pela ditadura militar brasileira, criado pela Comissão de Anistia. Introduzimos
o texto com breve descrição sobre a movimentação de coletivos de vítimas junto a Comissão de Anistia em busca de dispositivo
para a reparação psíquica e a instalação do Projeto C.T em Porto Alegre a partir de associações psicanalíticas. Na primeira parte
tratamos de descrever densamente as movimentações para a implantação do Projeto na cidade de Ijuí, noroeste do RS,
refletindo sobre o repertório de ação dos grupos que protagonizaram a experiência: professores universitários do curso
de Psicologia, História e Direitos Humanos articulados com psicanalistas da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, onde se
destacou a presença de testemunhas- locais, regionais e internacionais- tecendo as articulações entre os pilares da Justiça
de Transição - direito a memória e a reparação (psíquica) -. Na parte final, desde a análise do material coletado em campo,
reflete-se sobre a construção social das vítimas – a luz de referências como Vechhioli.2013,2014, Sarti,2011, Gatti, 2016 e
outros – e, em especial, se pretende conhecer como a burocracia estatal e o corpo de legislação conduz ao silenciamento/esquecimento/não reconhecimento e o lugar do projeto Clínicas do Testemunho no resgate a memória social
submersa, tomando referências em Candau,2002, Pollack,2006, Sarlo, 2005, e o papel da memória e dos testemunhos na gestão do
sofrimento das vítimas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Isabella Almeida de Abreu Aquino (USP)
Resumo: Este trabalho é um desdobramento da pesquisa de mestrado "Memórias palestinas: práticas sonoras de um exílio existencial", proposto a partir das novas necessidades metodológicas e analíticas suscitadas pelo contexto de genocídio em curso, perpetrado por Israel na Faixa de Gaza desde outubro de 2023. A pesquisa realizada em conjunto com músicos palestinos radicados na cidade de São Paulo, tem como objetivo compreender de que maneira os artistas atribuem significado à sua experiência de exílio permanente por meio de suas práticas sonoras e artísticas. A partir da noção de acustemologia, cunhada por Steven Feld (2012), a atenção está voltada para abordar o som em uma perspectiva ampla, propondo a reflexão acerca de como os espaços em que meus interlocutores vivem são sonoramente habitados e construídos, interessada por escutar histórias de escuta (Feld, 2020) e atenta aos temas da memória, tempo, som e exílio. No entanto, a revolta de Toofan Al-Aqsa, executada em 7 de outubro de 2023 pelas Brigadas Al Qassam, mudou de forma repentina e profunda o cenário político, histórico e social da Palestina, impactando a vida de milhões de palestinos em Gaza, Cisjordânia, nos territórios ocupados e ao redor do mundo em diáspora, comprovando que a Nakba não se encerrou em 1948. Busco a partir de etnografias do particular (Abu-Lughod, 2018) demonstrar como sonoridades e memórias estão a todo momento sendo convocadas diante de um evento crítico, onde assistimos o fracasso da gramática e a violência aniquiladora de mundo permear vidas e cotidianos (Das, 2020). A pesquisa em contextos sonoros e críticos é capaz de deslocar o antropólogo de sua posição clássica, exige novas demandas - torna-o por vezes aluno, platéia e ativista, desafiando hierarquias estabelecidas e exigindo novos engajamentos etnográficos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Janaina Silva de Oliveira (UFG)
Resumo: O filme argentino La Hora de los Hornos de 1968, dirigido pelos cineastas Fernando Solanas e Octavio Getino se propõe a construir uma narrativa acerca dos dias de ditadura vividos na Argentina, assim como em parte da América Latina. Trata-se, no entanto, de uma obra cinematográfica aberta às vontades revolucionárias e que sempre percorria seu caminho até o fim ou algo que possa representar a ideia de um fim cinematográfico, apenas quando inserida dentro do processo revolucionário como defendiam os diretores e demais cineastas do chamado Nuevo Cine Latinoamericano. Está inserção do filme no processo revolucionário se dava no caso do cinema militante argentino das décadas de 1960 e 1970, através da projeção do filme seguida do debate, sendo através deste debate que o espectador agora no caráter de ator militante também se insere no processo de construção da narrativa fílmica e, portanto, também se insere no processo revolucionário. Contra a ideia de um espectador passivo, o filme convoca Frantz Fanon, Che Guevara e outras figuras representativas para a chamada nova esquerda latino-americana. Este trabalho pretende centrar-se na construção de um discurso cinematográfico que se dá através das imagens em tela e extracampo, desenvolvendo uma análise fílmica antropológica atenta a elementos como: narração, trilha sonora, gestos, cores, planos, utilização de documentos oficiais nas imagens, além de outros elementos associados ao constante exercício de entender o filme junto ao contexto histórico em que foi produzido e sobre o qual se posiciona enquanto testemunho artístico e político. Através de reflexões acerca dos usos da memória em sua relação entre arte e política, este trabalho discorrerá acerca da relação entre imagem e antropologia, mais precisamente através de relatos imagéticos, sonoros e documentais sobre as ditaduras militares na América Latina, assim como sobre os processos imperialistas e neocoloniais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Jesser Rodolfo de Oliveira Ramos (USP)
Resumo: Neste trabalho, minha intenção é mostrar como experiências vividas por pessoas LGBTQIAP+ engendram tanto memórias de um passado violento, como a busca por outras maneiras viver o presente e de imaginar o futuro. Essa reflexão será feita a partir das histórias de três pessoas assistidas pela CasAmor, casa de acolhimento para pessoas LGBTQIAP+, localizada em Aracaju (SE), onde realizo minha pesquisa de doutorado. As histórias descritas serão de Selma, uma mulher lésbica, moradora da Ocupação Beatriz Nascimento, e de Keila e Gisele, duas travestis, moradoras da Ocupação Valdice Teles. Tais ocupações são coordenadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), cujas ações políticas estão ligadas a política de acolhimento da CasAmor. Como veremos ao longo da primeira parte do texto, em suas narrativas, o passado é recriado e adensado a partir de experiências de sobrevivência vividas na casa da família e na rua. A sobrevivência mobiliza uma série de violências experimentadas nesses lugares, produzindo imagens do insuportável e do perigo. Na história de Selma, as relações vividas no interior da casa são relembradas sob a ótica do abandono e da rejeição, enquanto nas histórias de Keila e Gisele, as memórias da casa revelam as violações e crueldades sofridas por um corpo travesti não aceito pela família. Além disso, esse passado é saturado pelas experiências de humilhação, fome e perigo vividos na rua. Nesse sentido, mostrarei, incipientemente, como essas memórias produzem outras perspectivas no entrelaçamento entre casa, família e cuidado. Numa segunda parte, mostro como essa noção de sobrevivência se modifica e se pluraliza ao caracterizar a luta por moradia que guia as existências presentes e futuras de Selma, Keila e Gisele. A partir do momento que elas passam a morar nas Ocupações, suas lutas para sobreviver se ligam a luta coletiva por moradia gestada pelo MTST. Veremos, então, a sobrevivência refere-se não só a um passado violento, mas também as suas luta diária para criar outras condições de possibilidades para existir no presente, bem como para elaborar outros futuros. É na constituição desse existir no presente e na abertura de outros futuros que a CasAmor aparece nas narrativas delas, justamente porque as assistências oferecidas pela CasAmor são fundamentais as sobrevivências cotidianas das pessoas LGBTQIAP+. Nessa segunda parte, então, exploro como a luta para existir se liga a uma luta por moradia coletiva, conformando outros sentidos para a noção de casa e também outros modos de constituição de si. Dessa forma, busco, nesse texto, explorar as memórias em seus acionamentos criativos, uma vez que no presente vivido convoca-se a reelaboração de experiências passadas, ao mesmo tempo que se projetam outras possibilidades de existir.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
João Frederico Rickli (UFPR)
Resumo: Este trabalho propõe uma reflexão sobre as ações contraditórias de derrubada e reinstalação do busto de Flávio Suplicy de Lacerda em 2014 na Universidade Federal do Paraná. Reitor da UFPR entre 1949 e 1964, Ministro da Educação imediatamente após o golpe, entre 1964 e 1966, e novamente reitor entre 1967 e 1971, Flávio Suplicy de Lacerda teve seu busto arrancado e arrastado pelas ruas de Curitiba, e novamente restaurado a seu local de origem em duas ocasiões: na greve de estudantes de 1968 e nas celebrações dos 50 anos do golpe, em 2014. O trabalho busca analisar as dinâmicas de construção da memória institucional e de seu silenciamento evidenciadas pela trajetória deste objeto ao investigar: 1) as movimentações do busto e de objetos em torno dele; 2) a mobilização de agentes dentro e fora da instituição em torno das controvérsias do caso; 3) os ritos institucionais (reuniões de conselhos e comissões) e suas contrapartidas (protestos, greves e manifestações) que determinam os passos a serem seguidos pela escultura; e 4) a produção documental e narrativa gerada ao longo do processo. O trabalho pretende lançar luz, através deste caso, sobre as relações complexas e frequentemente ambíguas que a Universidade Federal do Paraná (e quiçá outras universidades públicas brasileiras) mantiveram com a ditadura, e seus reflexos sobre as políticas de memória e esquecimento na instituição ao longo dos anos recentes.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luciana de Oliveira Chianca (UFPB)
Resumo: Apesar da antiguidade histórica e relativa importância no cenário cultural nacional, João Pessoa desconhece o valor de muitos de seus bens patrimoniais materiais e imateriais. Embora não seja um caso isolado no Brasil, buscamos mitigar essa realidade entre 2015 e 2019 organizando Oficinas em educação patrimonial com universitários da UFPB que dialogavam com adolescentes de um Centro Cultural de João Pessoa, o Piollin, situado no bairro do Roger. Ao longo de cinco anos, muitas foram as descobertas da comunidade envolvida, inicialmente surpresa e reticente por nosso interesse por suas expressões culturais, artísticas e religiosas: o que estávamos ali procurando, já que “nada havia” para encontrar? O tema da “falta” e da “ausência” patrimonial revelou-se de grande valor pedagógico e possibilitou Oficinas surpreendentes aos sentidos de todos. Enquanto o “público” da educação patrimonial se dirigia para as referências culturais relevantes de sua identidade (pessoas, edificações, espaços de culto religioso, monumentos, espaços públicos, alimentos e instituições do seu território), foi sendo coletivamente elaborada uma nova percepção daquela localidade, permitindo o afloramento de uma consciência positiva da identidade e da autoridade cultural do seu território.
Após o encerramento destas Oficinas algumas questões continuaram provocando nossa reflexão, notadamente no que se refere à “aniquilação simbólica” (SMALL: 2012) do patrimônio. Como compreender que a afrodescendência seja ignorada enquanto tema de debate naquele Centro Cultural, se jovens e adolescentes pobres, negros e pardos residindo em suas proximidades desenvolvem suas habilidades teatrais e circenses num antigo engenho de cana de açúcar desativado? Por que encobrir as senzalas, hoje convertidas em salas de aula, de trabalho, bibliotecas, camarins e refeitórios? O que nos revelam o antigo banguê, reformado em sala de espetáculos e a casa grande, transformada em salão de reuniões, celebrações e festas? Esse artigo busca seguir o fio dessas transformações, combinando a negociação dos sentidos e narrativas subterrâneas (POLLAK:1983) ao “desapossamento dos atores originais de narrarem a si mesmos” (RICOEUR: 2007). Podemos considerar que as oficinas de educação patrimonial afloraram “zonas de silêncio” no inventário participativo de 18 referências culturais majoritariamente afro-indigenas? Ou estamos diante de “uma forma ardilosa de esquecimento ”combinando incorporação relativa, marginalização e a aniquilação simbólica" (SMALL: 2012) de um passado escravocrata e patriarcal que ali se deseja esquecer?
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maria Carolina Araujo Santos da Silva (UFPB)
Resumo: Com um histórico fabril, diferentes configurações acompanharam e atravessaram as últimas décadas em Rio Tinto, impactando direta e indiretamente todos os aspectos sociais e naturais do entorno. A cidade, localizada no Litoral Norte da Paraíba, com uma população de 24.581 pessoas e a 60 quilômetros da capital João Pessoa, também abrange parte do território indígena Potiguara. Em 1924, nesta cidade, foi fundada a Companhia de Tecidos Rio Tinto, uma fábrica têxtil criada pelos filhos herdeiros do sueco naturalizado brasileiro Herman Theodor Lundgren, que também era proprietário da Companhia de Tecidos Paulista, em Pernambuco. A fábrica produzia tecidos de algodão e chegou a ser o maior complexo do setor têxtil na América do Sul. No entanto, a partir da década de 1970, a Companhia entrou em crise e foi gradualmente desativada, até ser fechada definitivamente nos anos 90. Assim sendo, o foco desta pesquisa etnográfica é analisar os impactos dessas mudanças na paisagem política e social sobre a construção da memória da população local, uma vez que esses resultados demonstram perspectivas importantes, muitas vezes silenciadas, sobre fatos relevantes do Brasil no último século, possibilitando compreender como os moradores do município percebem esses acontecimentos e os incorporam em seus corpos, suas histórias e suas memórias. Além disso, questiona-se a questão patrimonial e territorial, visto que os vestígios físicos da fábrica permanecem na cidade sob a forma de novos espaços, como o Campus IV da Universidade Federal da Paraíba, atualmente situado no edifício principal da antiga Companhia, ou como ruínas que se mesclam entre a vegetação e outros espaços.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mariane Aparecida do Nascimento Vieira (PPGAS/Museu Nacional)
Resumo: De modo cotidiano somos atravessados por desastres que são marcados pela narrativa da perda e do trauma, tanto quanto da resiliência e da luta. O enfoque do presente texto está no que chamarei de desastre patrimonial, ou seja, um evento crítico que causa prejuízos ou mesmo a destruição de um patrimônio. Em especial, tomo como caso paradigmático o Museu Nacional (Rio de Janeiro, Brasil). O paço de São Cristóvão, sua sede, sofreu um incêndio de grandes proporções no dia 2 de setembro de 2018, que afetou e destruiu parte considerável das coleções científicas e didáticas, bem como, dos espaços expositivos, reservas técnicas e salas de aula. Para analisar as mudanças e permanências do pós desastre, partirei das memórias e narrativas produzidas pela comunidade museal, atentando para os variados suportes privilegiados.
É importante observar o contexto de disputa em que as memórias do desastre são tecidas, visto que logo na primeira semana se iniciam as investigações para determinar as causas do fogo e a possibilidade de improbidade administrativa. Na imprensa, a administração universitária é posta em suspeita, enquanto se discute a criação de uma agência estatal para gerir a reconstrução, a Agência Brasileira de Museus que viria a substituir o Instituto Brasileiro de Museus, tirando do organograma da UFRJ o Museu Nacional. Nos anos seguintes, as disputas permanecem, com destaque para a proposição que o Paço passasse a abrigar um centro dedicado à memória da família imperial. Desta vez, sugerindo a retirada do Paço, da administração universitária.
No que tange às narrativas tecidas pela própria comunidade museal, ganha destaque uma linguagem cara aos museus, as exposições. Apenas cerca de quatro meses após o incêndio, em janeiro de 2019, é inaugurada a primeira exposição contando com itens de coleções resgatadas, “Quando Nem Tudo era Gelo – Novas Descobertas no Continente Antártico”. No mês seguinte foi inaugurada a amostra “Museu Nacional Vive – Arqueologia do Resgate” contando com coleções resgatadas e novas aquisições. As coisas expostas evidenciaram os trajetos variados do fogo, alterando formas e materiais. Lado a lado às exposições, a memória do desastre se desdobra em uma série de suportes, tais como, publicações, lives e até mesmo, no corpo da comunidade museal, através de tatuagens referentes à símbolos da instituição, caso do próprio edifício. A recomposição das memórias geradas no contexto pós-incêndio pela comunidade museal, diretamente afetada, transitam pelo passado e projetos de futuro que modelam os caminhos da reconstrução, enquanto as próprias identidades e papéis sociais são reconfigurados.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Matheus de Araújo Almeida (USP)
Resumo: O poder de um evento crítico pode ser visto com o tempo, na medida em que seus desdobramentos não cessam de imediato. A morte, como evento crítico, é capaz de transformar profundamente a vida de diversas pessoas. E um massacre estatal marca um ponto de inflexão na história de famílias e comunidades, produzindo efeitos duráveis.
O objetivo desse trabalho é analisar quais os efeitos mnemônicos que um massacre oficioso promovido pelo Estado em maio de 2006 na Baixada Santista do estado de São Paulo, no evento conhecido como Crimes de Maio, gerou nas mães e familiares das vítimas da violência estatal que formaram o Movimento Mães de Maio.
Através de uma pesquisa etnográfica realizada durante cinco anos, busco deslindar qual a relação da memória com esse evento crítico que remodelou irreversivelmente as vidas dessas mães. Por um lado, almejo saber quais marcações a violência de Estado gerou na memória dos familiares (a exemplo da dor, do sofrimento, da nostalgia e do trauma). Por outro lado, busco compreender como esses familiares produzem ativamente práticas mnemônicas que implicam um valor político para a memória do filho morto e da injustiça cometida.
Nesse sentido, observo como as composições de memória (BORGES, 1944) das Mães de Maio em relação aos Crimes de Maio são formadas, bem como quais as imagens agentes que tais composições criam e inventam (CURRUTHERS, 2000). Assim, a memória será encarada nesse trabalho não como meio de representações, mas a partir daquilo que ela cria, das relacionalidades que faz e desfaz (CARSTEN, 2007).
Portanto, ao analisar a história, práticas e falas das Mães de Maio, interpelo a noção, o conceito e o tema da memória a partir de cinco eixos iniciais: a) as formas de inscrição da memória no corpo; b) a memória como plataforma de luta contra o genocídio e o esquecimento; c) a memória como ferramenta constitutiva da identidade política e existencial; d) a memória como dispositivo de pertencimento a uma comunidade moral; e) a memória como forma de conexão entre vivos e mortos.
Consequentemente, ao explorar as relações entre memória e evento crítico por meio dessas diferentes linhas de aproximação à temática, interessa-me apreender os sentidos etnográficos que conectam memória, parentesco e política para o Movimento Mães de Maio.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Paulo Victor Neri Cardeal (IFPA), Paulo Victor Neri Cardeal (IFPA)
Resumo: O propósito deste trabalho é abordar o esquecimento como uma política estatal diante de graves violações de Direitos Humanos. A pesquisa focaliza na análise etnográfica das dez mil páginas do relatório conclusivo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instituída em 1967, e presidida pelo procurador Jader de Figueiredo Correia. Esta CPI foi estabelecida com o intuito de investigar irregularidades administrativas no Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão encarregado das políticas indigenistas naquela época. Denominado como Relatório Figueiredo, esse documento, além de apontar indícios de desvios nas finanças públicas, revela inúmeros casos de violações de Direitos Humanos contra comunidades indígenas, tais como torturas, estupros, execuções sumárias, entre outras violações. A pesquisa baseou-se na análise dos diversos tipos de documentos que compõem o relatório, os quais foram organizados e examinados de forma interdisciplinar. Este estudo proporciona uma análise abrangente das interações entre o Estado e os Povos Indígenas, os quais foram considerados como obstáculos ao progresso na nação e relegados a uma posição secundária na narrativa da História Oficial, além de suas vidas serem menosprezadas e afetadas pela colonialidade. Discute-se, ainda, o esquecimento por mais de quarenta anos deste documento considerado, na época de sua elaboração, como o "escândalo do século", que registra como o governo militar percebia os corpos indígenas e gerenciava seus territórios, bem como as políticas de memória que posteriormente contribuíram para o seu ressurgimento, especialmente no contexto da Comissão Nacional da Verdade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ramiro Esdras Carneiro Batista (UNIFAP), Daniel da Silva Miranda (UEPA), Gildo Firmino Nunes (UNIFAP)
Resumo: A colonização da região do escudo das guianas foi demarcada dentre fluxos e refluxos pelo clarim de diferentes máquinas de guerra euro-americanas, ao longo de cinco séculos, o que determinou a sujeição da territorialidade dos povos autóctones que inadvertidamente participaram da produção de novas fronteiras arbitrárias, engajando-se, ora como aliados, ora como inimigos dos agentes coloniais. Nesse sentido, o exercício de (re)compor a história da invasão e colonização guianense deve partir de fontes mnemônicas e historiográficas outras, que não a interessada produção eurocêntrica. Tal possibilidade/exercício ganha novos significados quando nos deparamos com os registros da contra-história ou, se pudermos assim conceituar, de uma modalidade de antropologia-histórica reversa, tornada possível no passado e no presente pelo trabalho de uma elite de pessoas indígenas que se aplicaram e aplicam à apropriação das ferramentas de domínio cultural do colonizador – a exemplo do código alfabético – na tentativa de organizar seu mundo e seu próprio lugar na história, segundo critérios epistêmicos próprios. Aparentemente, foi a partir desse exercício de “se reassenhorear de si mesmo” e de seu lugar na história/mundo – proposição de Albert Memmi em direção ao sujeito colonizado (MEMMI, 2007, p. 177) – que os manuscritos do ancião indígena Koko Tavi (1953-2016) foram coligidos ao longo do século XX, guardando, no tempo presente, o potencial de permitir-nos o vislumbre de uma história Galibi Marworno, tida e havida em seus próprios termos, no caso de conseguir-se realizar uma tradução intercultural adequada. Na presente reflexão pretende-se, aos manuscritos indígenas, acrescentar imagens e informações coligidas sobre a Segunda Guerra Mundial no interior da antiga Guiana portuguesa – atual ente federado do Amapá –, tendo em vista que a conflagração guarda a característica de ser o conflito mais bem documentado da história global, tendo em vista o vigor documental da propaganda de guerra das nações beligerantes. Dos registros constantes do diário do escritor/memorialista indígena, nos concentraremos nas menções a segunda guerra, evento que parece ter marcado um profundo sulco na memória do Povo Marworno, nação de origem Carib, atualmente territorializada na Terra Indígena Uaçá, município de Oiapoque/Amapá/Brasil.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rodolfo Junqueira Fonseca (CMD - PPGSOL / Unb)
Resumo: Este artigo relata e analisa o processo de pesquisa e produção do curta-metragem Foto Revolução de Abril (2022), filme realizado pelos autores na Oficina Colaborativa de Audiovisual Brasil-Portugal: Ditaduras e Resistência(s), promovida pela FGV/CPDOC e a Fundação Mário Soares e Maria Barroso, de Portugal. Por meio de uma narrativa estabelecida na montagem entre fotografias, áudios, ruídos de arquivo e da voz off de duas entrevistas gravadas, o filme desvela os pontos de vista, sensações, vivências e memórias de dois fotógrafos portugueses, Alfredo Cunha e Mário Varela, nos dias 25 e 26 de Abril de 1974, durante a Revolução dos Cravos, em Portugal - Lisboa. Alfredo Cunha, reconhecido como o “Fotógrafo de 25 de Abril”, já era um jornalista e fotógrafo profissional em 1974, do Jornal português “O Século”. Já Mário Varela era um homem da cultura e estudante de arquitetura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Através de suas fotos realizadas em pontos de vista distintos diante dos acontecimentos, no mesmo dia e espaço urbano de Lisboa, é possível construir uma cartografia e descobrir novas miradas que revisitam o clima político e social. Um marco da história portuguesa contemporânea que completa 50 anos em 2024. Para Ronaldo Entler (2008), “desejamos que a imagem funcione como memória objetiva, explicando o momento que lhe deu origem e, enquanto não puder fazê-lo, nós a guardamos e catalogamos na esperança de que um dia ela possa entregar efetivamente aquilo que tem a dizer. Mas o que ela tem a dizer?” Ele argumenta que um documento como a fotografia oferece poucas garantias de uma compreensão e leitura precisa, pois o discurso da fotografia é poroso, permeável às intenções, usos, contextos e memórias que a confrontam. O que tem a nos dizer as imagens da Revolução dos Cravos hoje? Este artigo busca traduzir em diálogo com o filme alguns dos sentidos atuais destas imagens na porosidade dos olhares e memórias conhecidas, e outras desconhecidas. Trata-se de ver nas fotografias não apenas documentos históricos, mas novos olhares em detalhes e re-enquadramentos inéditos das imagens, isto, em diálogo com o discurso e a memória dos próprios fotógrafos. Alfredo Cunha é hoje um reconhecido fotojornalista internacional e possui imagens icônicas da Revolução e guerras ao redor do mundo. Já Mário Varella Gomes é hoje um Professor e Arqueólogo na Universidade Nova Lisboa e fotógrafo amador. Assim, este artigo busca traduzir o processo de construção e a narrativa do filme em expor e atualizar as memórias dos fotógrafos sobre suas próprias fotografias, revisitando seus pontos de vista à época, em sentimentos e vivências naqueles dias de radicais mudanças, e atualizam suas perspectivas, passados 50 anos da vida de cada um.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Victor Marchezini (Cemaden)
Resumo: O sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas indica a intensificação dos eventos extremos de tempo e clima, como os relacionados à temperatura e precipitação, tais como ondas de calor, secas e chuvas intensas. Esses eventos extremos, associados aos processos de intensificação da vulnerabilidade social no território, podem acarretar eventos críticos, como desastres associados a inundações e deslizamentos. Diante de um cenário de crise climática e social – acentuada pela pandemia da Covid-19 -, como desenvolver métodos e abordagens transdisciplinares que possam subsidiar a implementação de políticas públicas de preparação para eventos extremos de tempo e clima? Em busca de respostas a esta pergunta, o objetivo deste trabalho é analisar as práticas sociais de preparação frente a eventos extremos de tempo e clima. A partir de uma pesquisa longitudinal com os sobreviventes dos desastres de 2010 em São Luiz do Paraitinga(SP) e 2011 em Nova Friburgo(RJ), tem-se utilizado metodologias de pesquisa para análise das memórias sobre o evento crítico, como também de compreensão sobre os desafios de preparação frente aos futuros eventos críticos. Ao longo desta pesquisa longitudinal têm sido utilizados métodos de pesquisa social (etnografia, história oral, entrevistas, questionários e grupos focais) como também outros considerados participativos como cartografia social e maquetes interativas. A combinação desses diferentes métodos catalisou diversas formas de “falar sobre o desastre”, bem como de dialogar sobre as possíveis práticas de preparação frente a eventos críticos futuros. A pesquisa tem envolvido estudantes e professores (as) de Ensino Médio, estudantes de pós-graduação, agentes de defesa civil e representantes de organizações não-governamentais. Os estudantes de Ensino Médio têm sido envolvidos na aprendizagem de alguns desses métodos, a fim de que dialoguem com os sobreviventes dos desastres e se tornem jovens pesquisadores(as) que estudam sobre suas localidades, preparando-se para futuros desastres. Ao longo da pesquisa longitudinal é possível identificar mudanças e novos desafios no modo como as pessoas percebem e representam suas práticas de preparação frente aos desastres, sobretudo diante da emergência de novas tecnologias, redes sociais e indústria da desinformação.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Victória Smith de Sousa Cunha Silva (UFRJ)
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar a coleção de fotomontagens feita pela estudante
Gabriela Zchrotke intitulada “I walk through my memories everyday – connections 1968 –
2018”1
a partir de uma perspectiva do surrealismo etnográfico. As análises da coleção serão
feitas a partir da apresentação de conceitos relativos à fotografia, para que a partir da
introdução dos conceitos possa ser possível delinear a construção do surrealismo etnográfico
presente na exposição, entendendo-a como uma representação prática e teórica da
justaposição, um fundamento crucial para a relação entre o surrealismo e a etnografia
(Clifford, 2014). A proposta de analisar a coleção sob um viés surrealista é fundamentada
justamente pela intenção do trabalho da estudante, revelar os contrastes e continuidades entre
o campus da Universidade de Brasília entre 1968 e 2018, as imbricações entre o passado e o
presente, e como as justaposições entre os dois períodos marcam continuidades que não são
vistas a olho nu, são marcas que se fazem presentes no espaço da universidade mesmo que
não sejam percebidas sem um olhar atento ao que a universidade representa quando
reconhecida enquanto um espaço de resistência à ditadura militar (1964 – 1985), a criação do
contraste entre passado e presente convida à reflexão sobre a identidade da universidade
(Stemmy, 2023).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Weverson Bezerra Silva (UFPB), Mónica Lourdes Franch Gutiérrez (UFPB)
Resumo: Em meio a uma pandemia, na qual a doença e a morte individuais se fundem em uma experiência coletiva e traumática, os desafios se multiplicam, chamando a atenção não apenas para os aspectos sanitários, mas também para as dimensões da construção da memória. Este resumo insere-se no campo da Antropologia da Morte e da Memória, buscando compreender os processos ritualísticos em torno da morte e do luto durante a pandemia de covid-19, especificamente o modo como ocorreu (e ocorre) a produção da memória das vítimas da covid, destacando os desafios enfrentados e os recursos mobilizados por mulheres enlutadas. As perdas em massa, atreladas às normas de biossegurança que afetaram radicalmente o acompanhamento dos pacientes hospitalizados e os rituais de passagem após a morte, nomeadamente nos primeiros tempos da pandemia, são o pano de fundo inescapável sobre o qual precisamos compreender os modos específicos de produção de uma memória pandêmica por parte dessas mulheres. Ao examinar as diretrizes e protocolos que foram implementados para lidar com os impactos da pandemia na esfera funerária e de luto, torna-se possível identificar como as autoridades governamentais condicionaram a maneira como as enlutadas lidaram com a passagem, bem como como essas intervenções regulamentares podem ter moldado a experiência de morte e o processo do luto no post-mortem. Diante da ausência de despedidas coletivas, com caixões lacrados e, por vezes, em valas comuns, a produção de memória se volta a criar suportes materiais e virtuais para o luto, quer seja nas redes sociais, como é o caso do Memorial das Vítimas do Novo Coronavírus no Facebook, quer na custódia dos símbolos de materialidade ligados à pessoa perdida e, por vezes, de sua passagem pelo hospital (laudos, exames etc.), ou pela Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (AVICO), como também entre outras práticas. Destacamos a importância dos celulares e smartphones como novos actantes nesse processo - funcionando como única ponte entre o doente e seus familiares na hospitalização solitária, ele continua sendo uma forma de comunicação post-mortem, em conversas que se estendem até hoje. Como também os registros fotográficos, desenhos e cartas. Esclarecemos que a escolha das mulheres ("guardiãs da memória") não foi definida a priori; é antes resultado da observação em campo que ofereceu um importante recorte de gênero na produção da memória das vítimas da covid. Por fim, os resultados aqui apresentados podem alcançar um entendimento sobre práticas voltadas para a memória dos corpos mortos na pandemia, bem como sobre políticas públicas que possam assegurar ações para as enlutadas, analisando as respostas que estão sendo criadas neste momento de desafio e crise sanitária.