ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 026: Antropologia, memória e eventos críticos
Narrar a sobrevivência, elaborar a luta
Neste trabalho, minha intenção é mostrar como experiências vividas por pessoas LGBTQIAP+ engendram tanto memórias de um passado violento, como a busca por outras maneiras viver o presente e de imaginar o futuro. Essa reflexão será feita a partir das histórias de três pessoas assistidas pela CasAmor, casa de acolhimento para pessoas LGBTQIAP+, localizada em Aracaju (SE), onde realizo minha pesquisa de doutorado. As histórias descritas serão de Selma, uma mulher lésbica, moradora da Ocupação Beatriz Nascimento, e de Keila e Gisele, duas travestis, moradoras da Ocupação Valdice Teles. Tais ocupações são coordenadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), cujas ações políticas estão ligadas a política de acolhimento da CasAmor. Como veremos ao longo da primeira parte do texto, em suas narrativas, o passado é recriado e adensado a partir de experiências de sobrevivência vividas na casa da família e na rua. A sobrevivência mobiliza uma série de violências experimentadas nesses lugares, produzindo imagens do insuportável e do perigo. Na história de Selma, as relações vividas no interior da casa são relembradas sob a ótica do abandono e da rejeição, enquanto nas histórias de Keila e Gisele, as memórias da casa revelam as violações e crueldades sofridas por um corpo travesti não aceito pela família. Além disso, esse passado é saturado pelas experiências de humilhação, fome e perigo vividos na rua. Nesse sentido, mostrarei, incipientemente, como essas memórias produzem outras perspectivas no entrelaçamento entre casa, família e cuidado. Numa segunda parte, mostro como essa noção de sobrevivência se modifica e se pluraliza ao caracterizar a luta por moradia que guia as existências presentes e futuras de Selma, Keila e Gisele. A partir do momento que elas passam a morar nas Ocupações, suas lutas para sobreviver se ligam a luta coletiva por moradia gestada pelo MTST. Veremos, então, a sobrevivência refere-se não só a um passado violento, mas também as suas luta diária para criar outras condições de possibilidades para existir no presente, bem como para elaborar outros futuros. É na constituição desse existir no presente e na abertura de outros futuros que a CasAmor aparece nas narrativas delas, justamente porque as assistências oferecidas pela CasAmor são fundamentais as sobrevivências cotidianas das pessoas LGBTQIAP+. Nessa segunda parte, então, exploro como a luta para existir se liga a uma luta por moradia coletiva, conformando outros sentidos para a noção de casa e também outros modos de constituição de si. Dessa forma, busco, nesse texto, explorar as memórias em seus acionamentos criativos, uma vez que no presente vivido convoca-se a reelaboração de experiências passadas, ao mesmo tempo que se projetam outras possibilidades de existir.