Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 026: Antropologia, memória e eventos críticos
Patrimônio, Silêncio e Aniquilação da Memória afro-amerindia: um relato do Nordeste do Brasil
Apesar da antiguidade histórica e relativa importância no cenário cultural nacional, João Pessoa desconhece o valor de muitos de seus bens patrimoniais materiais e imateriais. Embora não seja um caso isolado no Brasil, buscamos mitigar essa realidade entre 2015 e 2019 organizando Oficinas em educação patrimonial com universitários da UFPB que dialogavam com adolescentes de um Centro Cultural de João Pessoa, o Piollin, situado no bairro do Roger. Ao longo de cinco anos, muitas foram as descobertas da comunidade envolvida, inicialmente surpresa e reticente por nosso interesse por suas expressões culturais, artísticas e religiosas: o que estávamos ali procurando, já que “nada havia” para encontrar? O tema da “falta” e da “ausência” patrimonial revelou-se de grande valor pedagógico e possibilitou Oficinas surpreendentes aos sentidos de todos. Enquanto o “público” da educação patrimonial se dirigia para as referências culturais relevantes de sua identidade (pessoas, edificações, espaços de culto religioso, monumentos, espaços públicos, alimentos e instituições do seu território), foi sendo coletivamente elaborada uma nova percepção daquela localidade, permitindo o afloramento de uma consciência positiva da identidade e da autoridade cultural do seu território.
Após o encerramento destas Oficinas algumas questões continuaram provocando nossa reflexão, notadamente no que se refere à “aniquilação simbólica” (SMALL: 2012) do patrimônio. Como compreender que a afrodescendência seja ignorada enquanto tema de debate naquele Centro Cultural, se jovens e adolescentes pobres, negros e pardos residindo em suas proximidades desenvolvem suas habilidades teatrais e circenses num antigo engenho de cana de açúcar desativado? Por que encobrir as senzalas, hoje convertidas em salas de aula, de trabalho, bibliotecas, camarins e refeitórios? O que nos revelam o antigo banguê, reformado em sala de espetáculos e a casa grande, transformada em salão de reuniões, celebrações e festas? Esse artigo busca seguir o fio dessas transformações, combinando a negociação dos sentidos e narrativas subterrâneas (POLLAK:1983) ao “desapossamento dos atores originais de narrarem a si mesmos” (RICOEUR: 2007). Podemos considerar que as oficinas de educação patrimonial afloraram “zonas de silêncio” no inventário participativo de 18 referências culturais majoritariamente afro-indigenas? Ou estamos diante de “uma forma ardilosa de esquecimento ”combinando incorporação relativa, marginalização e a aniquilação simbólica" (SMALL: 2012) de um passado escravocrata e patriarcal que ali se deseja esquecer?