Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 026: Antropologia, memória e eventos críticos
Guardiãs da Memória: Mulheres e Modos de Produção de Memória na Pandemia de Covid-19
Em meio a uma pandemia, na qual a doença e a morte individuais se fundem em uma experiência coletiva e traumática, os desafios se multiplicam, chamando a atenção não apenas para os aspectos sanitários, mas também para as dimensões da construção da memória. Este resumo insere-se no campo da Antropologia da Morte e da Memória, buscando compreender os processos ritualísticos em torno da morte e do luto durante a pandemia de covid-19, especificamente o modo como ocorreu (e ocorre) a produção da memória das vítimas da covid, destacando os desafios enfrentados e os recursos mobilizados por mulheres enlutadas. As perdas em massa, atreladas às normas de biossegurança que afetaram radicalmente o acompanhamento dos pacientes hospitalizados e os rituais de passagem após a morte, nomeadamente nos primeiros tempos da pandemia, são o pano de fundo inescapável sobre o qual precisamos compreender os modos específicos de produção de uma memória pandêmica por parte dessas mulheres. Ao examinar as diretrizes e protocolos que foram implementados para lidar com os impactos da pandemia na esfera funerária e de luto, torna-se possível identificar como as autoridades governamentais condicionaram a maneira como as enlutadas lidaram com a passagem, bem como como essas intervenções regulamentares podem ter moldado a experiência de morte e o processo do luto no post-mortem. Diante da ausência de despedidas coletivas, com caixões lacrados e, por vezes, em valas comuns, a produção de memória se volta a criar suportes materiais e virtuais para o luto, quer seja nas redes sociais, como é o caso do Memorial das Vítimas do Novo Coronavírus no Facebook, quer na custódia dos símbolos de materialidade ligados à pessoa perdida e, por vezes, de sua passagem pelo hospital (laudos, exames etc.), ou pela Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (AVICO), como também entre outras práticas. Destacamos a importância dos celulares e smartphones como novos actantes nesse processo - funcionando como única ponte entre o doente e seus familiares na hospitalização solitária, ele continua sendo uma forma de comunicação post-mortem, em conversas que se estendem até hoje. Como também os registros fotográficos, desenhos e cartas. Esclarecemos que a escolha das mulheres ("guardiãs da memória") não foi definida a priori; é antes resultado da observação em campo que ofereceu um importante recorte de gênero na produção da memória das vítimas da covid. Por fim, os resultados aqui apresentados podem alcançar um entendimento sobre práticas voltadas para a memória dos corpos mortos na pandemia, bem como sobre políticas públicas que possam assegurar ações para as enlutadas, analisando as respostas que estão sendo criadas neste momento de desafio e crise sanitária.