ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 026: Antropologia, memória e eventos críticos
Coisas, corpos e falas: índices que narram o desastre patrimonial
De modo cotidiano somos atravessados por desastres que são marcados pela narrativa da perda e do trauma, tanto quanto da resiliência e da luta. O enfoque do presente texto está no que chamarei de desastre patrimonial, ou seja, um evento crítico que causa prejuízos ou mesmo a destruição de um patrimônio. Em especial, tomo como caso paradigmático o Museu Nacional (Rio de Janeiro, Brasil). O paço de São Cristóvão, sua sede, sofreu um incêndio de grandes proporções no dia 2 de setembro de 2018, que afetou e destruiu parte considerável das coleções científicas e didáticas, bem como, dos espaços expositivos, reservas técnicas e salas de aula. Para analisar as mudanças e permanências do pós desastre, partirei das memórias e narrativas produzidas pela comunidade museal, atentando para os variados suportes privilegiados. É importante observar o contexto de disputa em que as memórias do desastre são tecidas, visto que logo na primeira semana se iniciam as investigações para determinar as causas do fogo e a possibilidade de improbidade administrativa. Na imprensa, a administração universitária é posta em suspeita, enquanto se discute a criação de uma agência estatal para gerir a reconstrução, a Agência Brasileira de Museus que viria a substituir o Instituto Brasileiro de Museus, tirando do organograma da UFRJ o Museu Nacional. Nos anos seguintes, as disputas permanecem, com destaque para a proposição que o Paço passasse a abrigar um centro dedicado à memória da família imperial. Desta vez, sugerindo a retirada do Paço, da administração universitária. No que tange às narrativas tecidas pela própria comunidade museal, ganha destaque uma linguagem cara aos museus, as exposições. Apenas cerca de quatro meses após o incêndio, em janeiro de 2019, é inaugurada a primeira exposição contando com itens de coleções resgatadas, “Quando Nem Tudo era Gelo – Novas Descobertas no Continente Antártico”. No mês seguinte foi inaugurada a amostra “Museu Nacional Vive – Arqueologia do Resgate” contando com coleções resgatadas e novas aquisições. As coisas expostas evidenciaram os trajetos variados do fogo, alterando formas e materiais. Lado a lado às exposições, a memória do desastre se desdobra em uma série de suportes, tais como, publicações, lives e até mesmo, no corpo da comunidade museal, através de tatuagens referentes à símbolos da instituição, caso do próprio edifício. A recomposição das memórias geradas no contexto pós-incêndio pela comunidade museal, diretamente afetada, transitam pelo passado e projetos de futuro que modelam os caminhos da reconstrução, enquanto as próprias identidades e papéis sociais são reconfigurados.