ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 026: Antropologia, memória e eventos críticos
Aflição, adoecimento e cuidado: a gestão do desastre no cotidiano de mulheres e crianças atingidas de Barra Longa (MG)
Oito anos após o rompimento da barragem de Fundão (Mariana, Minas Gerais), os moradores e moradoras dos territórios afetados ainda lidam com as marcas de uma lama que não sai (Teixeira, 2018). O trabalho que aqui se apresenta objetivou especialmente pensar as formas com as quais acontece a mútua absorção entre o desastre e o ordinário nesse cotidiano envenenado (Das, 2023), a partir das experiências de doença e cuidado vividas por mulheres e crianças atingidas do município de Barra Longa (MG), cidade beiradeira do rio Gualaxo do Norte e do rio do Carmo. Em uma dimensão local e doméstica, busco compreender a gestão do cuidado de mulheres, cujos filhos e filhas apresentaram um quadro de saúde que indica a contaminação, levando em conta a divisão entre homens e mulheres no trabalho do cuidado e a luta pelo reconhecimento enquanto pessoas atingidas. Para isso, realizei entrevistas e analisei os laudos e os relatórios produzidos pelas assessorias técnicas presentes no território. Metais pesados como níquel e arsênio fazem parte da composição dos rejeitos que estão esparramados e diluídos por toda a cidade: nos quintais de cultivo, nos rios, no ar, na água para o consumo doméstico e até mesmo na pavimentação das vias públicas da cidade, já que em Barra longa a lama de rejeitos foi reutilizada. A “reconstituição da cidade, gerida pelas empresas violadoras, a Vale S.A e a BHP Billiton, foi literalmente forjada por uma complexa infraestrutura combinada de rejeitos do desastre, insumos e materiais de construção. Relatos de coceira, dermatites, manchas no corpo e alergias respiratórias, no entanto, foram tomados nesta pesquisa não apenas como sintomas de intoxicação, mas como as formas com as quais o corpo pode falar sobre a convivência ordinária e contínua com o desastre. A doença aqui não é conjugada como um quase-evento (Povinelli, 2011) inserido na rotina, mas como tentáculos do próprio evento preso e absorvido no cotidiano (Das, 2020). Por fim, neste trabalho, trago reflexões sobre adoecimento, memórias do desastre no corpo, o manejo do cuidado gerido por mulheres na contramão das dúvidas aniquiladoras de mundos e a possibilidade da criação de futuros possíveis em recuperação.