Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 026: Antropologia, memória e eventos críticos
Terra, Sangue e Testemunho: Mouloud Feraoun e os Romances Etnográficos
A apresentação propõe a análise do impacto das políticas de assimilação francesa na construção dos dilemas sofridos pela intelectualidade argelina, através do romance etnográfico Terre et sang (1953) do escritor, professor e intelectual argelino Mouloud Feraoun (1913-1962). Os romances etnográficos se inserem em um movimento político-literário, durante o século XX, que buscava registrar e descrever a cultura e o cotidiano de povos nativos que estavam sob ocupação colonial. Conforme aponta Bourdieu (2022), foram fontes fundamentais para escapar de uma produção antropológica com fortes marcas coloniais. Destacam-se nessa apresentação as relações coloniais entre a França e a Argélia, evidenciando as políticas assimilacionistas que aceleram a destruição do modo de vida tradicional Cabila (localizada na cordilheira do Atlas em território argelino). Feraoun escreve seus principais romances, Le fils du pauvre (1950) e Terre et sang (1953) próximo da eclosão da guerra de independência da Argélia (1954-1962) e testemunha os horrores da guerra em seu diário (Journal, 1955-1962), publicado após o seu assassinato por paramilitares franceses, dois meses antes do cessar-fogo em 1962. Sua literatura emerge como expressão significativa na construção e preservação da memória cabila, durante os eventos críticos da descolonização argelina. Nesse complexo contexto, seus manuscritos registram a vida e as tradições cabilas, bem como as alterações sofridas por essa população rural durante a colonização. Paralelamente, Feraoun apresenta em seus textos um alargamento da concepção de humanidade compartilhada, enquanto uma tentativa de humanizar para o leitor o povo cabila frente ao colonizador.Argumentamos que através de seu romance semi-autobiografico, Terre et sang, o autor concilia a sua educação burguesa francesa, adquirida através do regime colonial, com o saber prático cabila, resultando em uma escrita engajada com a denúncia da violência colonial e os horrores perpetrados pelo exército francês. Dessa forma, sua literatura se torna uma busca pela coerência pessoal e coletiva ao dar voz e sentido às suas memórias, enquanto narra e denuncia as violências e desestruturações enfrentadas pelos cabilas. Com base em sua produção intelectual e das análises de Debra Kelly e Jane Hiddleston em Autobiography and Independence (2005) e Decolonising the Intellectual (2014), respectivamente, esse estudo contribui para a compreensão da complexa relação entre o testemunho do intelectual assimilado frente aos eventos críticos da guerra e luta anticolonial.