ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 096: Sexualidade, gênero, raça e territorialidades: articulações, pertencimentos e direitos em disputa
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Coordenação
Jacqueline Moraes Teixeira (UNB), Roberto Marques (URCA)
Debatedor(a)
Regina Facchini (UNICAMP), Nina Rosas (UFMG), Juliana Farias (UERJ)

Resumo:
Noções de sexualidade e gênero impõem-se como nodais na expressão de relações sociais e conflitos que marcam a emergência de novos sujeitos políticos, direitos e categorias em meio a tentativas de retomada democrática, em contexto de adensamento dos conservadorismos e ultraliberalismos. A antropologia tem fornecido contribuição central para a compreensão desses processos, afirmando seu compromisso histórico com sujeitos cujos direitos e dignidade têm estado sob ataque por diferentes atores sociais. Partindo da perspectiva de que sexualidade e gênero se articulam – e constituem-se mutuamente –a outras categorias, tais como: raça, classe social, geração, territorialidades, pertenças religiosas, e outras, vem se produzido avanços na análise da produção de diferenças e desigualdades, a partir de gramáticas articuladoras de regimes morais, jurídicos e políticos. Esse GT pretende reunir trabalhos que, situados na intersecção entre gênero, sexualidade e outras categorias de diferença, ofereçam reflexões pertinentes ao contexto contemporâneo, particularmente nos seguintes termos: 1) dinâmicas relacionadas à violência em suas diversas modalidades, contextos sociais e formas de administração; 2) produção de corpos e subjetivações relacionados a gênero, sexualidade, raça e religião; 3) constituição de territorialidades, envolvendo circulações, trânsitos, fluxos e fronteiras de diferentes ordens; 4) transformações, conflitos e disputas no campo dos direitos, políticas e movimentos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Homens quilombolas e negros: narrativas do Eu no mundo acadêmico
Alan Augusto Moraes Ribeiro (UFOPA)
Resumo: É crescente a produção no Brasil de debates públicos e estudos acadêmicos sobre homens e masculinidades negras, seja como um tema central, seja como um tema transversal ou lateral. Embora essa crescente produção mobilize críticas a um senso-comum que concebe a análise sobre masculinidades e homens negros de maneira monolítica, homogênea e essencialista, parte desse debate público e dos estudos acadêmicos apresenta-se sob a forma de narrativas mais autorreflexivas e especulativas e menos como estudos a partir de bases empíricas. Diante deste cenário, pesquisar sobre o tema homens e masculinidades negras, portanto, obrigado-nos a teorizar velhos problemas de maneira que seja possível participar do debate público sobre homens negros criticamente, driblando dicotomias e binarismos que ainda são persistentes quando raça e gênero são articulados (West, 1993; Gray, 1995; Gates JR., 2001). Uma análise sobre como jovens homens negros de espaços não-urbanos passam a viver experiências de racialização em instituições educacionais urbanas, a partir de uma pesquisa realizada entre os anos de 2018 e 2019 em Santarém, Oeste do Pará, com jovens homens quilombolas estudantes da Universidade Federal do Oeste do Pará, é parte do exercício de reflexão sobre dispositivos de diferenciação acionados para a confecção de identidades raciais no ethos urbano. Como esses dispositivos interatuam nas narrativas do Eu feitas por esse sujeitos a partir da vida universitária? Qual é o "Eu masculino" de jovens homens negros quilombolas, estudantes universitários, fora dos territórios de origem? Quais os impactos da sociabilidade na universidade sobre a identificação de raça e gênero dos jovens homens negros quilombolas? Um dos pontos de tensão entre os entrevistados reside nas dificuldades de execução de tarefas e atividades pedagógicas acadêmicas e científicas, vistas como parte das exigências necessárias para que um negro quilombola que está na universidade possa merecer estar e obter respeito dos demais colegas. As dificuldades de adaptação envolvem valores e ideias ora explícitas, ora latentes sobre o lugar do trabalho intelectual como atividade legítima entre homens negros de diferentes origens. Tais valores e ideias ainda inscrevem, subrepticiamente, uma imagem espúria de homem negro brutalizado como expressão negativa de uma disputa entre um anti-intelectualismo e uma valorização da educação como prática de autonomia política. Esta disputa faz parte de conflitos individuais vividos pelos entrevistados, para os quais a universidade passa a se constituir como um vetor ambivalente de autovalorização de percepção de si como um corpo racializado e masculinizado.
Trabalho completo

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Convenções e moralidades de gênero e raça nos processos de desumanização violenta: casos de linchamento em revista
Ana Laura Lobato Pinheiro (UNICAMP)
Resumo: O presente trabalho resulta de reflexões preliminares da pesquisa de doutoramento que busca identificar regimes de inteligibilidade sobre uma forma de violência coletiva específica, denominada linchamento. Os resultados apontam para o modo como este fenômeno é constituído por práticas de vingança e punição, que se moldam necessariamente por processos históricos centenários, convenções sociais e moralidades marcadas por sistemas de diferenciação, discriminação e desigualdades de gênero, raça/cor, classe social, sexualidade e território. O linchamento é uma prática coletiva, que figura formas de controle social, da qual se tem conhecimento em vários países do mundo, em diferentes momentos históricos. Comumente caracterizado pela ação coletiva de indivíduos que capturam, imobilizam e efetuam diversas agressões, o linchamento pode resultar na morte do linchado. As motivações variam conforme os sentidos de justiça de cada contexto social podendo ser relacionadas a formas de punição por crimes (suspeitos ou confirmados), ou mesmo por comportamentos sociais considerados inaceitáveis. Há uma sensibilidade jurídica nos linchamentos, que passam fundamentalmente pela experiência dos sujeitos e estão menos afeitas às convenções do que é justo, correto ou adequado, pelos tribunais de Estado. Ela se configura a partir de experiências não apenas de opressão, mas também de violências e violações estão profundamente ancorados num conjunto de convenções e moralidade que tecem a vida social a partir de sistemas de diferenciação e discriminação tais como raça, gênero, classe, religião etc. No caso do Guarujá (2014), as agressões profundamente violentas perpetradas a partir de um boato de que havia na região uma sequestradora de crianças para fins de rituais de magia negra demonstram não apenas a figuração de uma ameaça ancorada em rumores, em moralidades religiosas, em convenções de gênero, mas também de descrença de que a justiça produzida pelo Estado seria adequada ou suficientemente punitiva para aquela ameaça. Do mesmo modo, no caso de São Luís (2015) a tortura daquele corpo negro e desnudado aponta, por um lado, para a indignação pela ameaça sofrida na tentativa de assalto e pelas sistemáticas situações de insegurança vividas no bairro, como também remontam ao imaginário social do corpo negro como criminoso e passível de severas punições, pautados pelo racismo estrutural. A análise de dois casos, de repercussão nacional, sob diferentes tipos de materiais e fontes (judiciais, cinematograficos e teatrais) têm possibilitado uma reflexão pormenorizada do modo pelo qual as convenções e moralidades de gênero e raça conformam processos de sujbetivação, de sujeição e de desumanização de determinados corpos nos contextos de violência coletiva, como são os linchamentos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Direitos em disputa na Política Nacional de Cuidados: uma análise a partir do gênero, raça e sexualidade
Anna Paula Vencato (UFMG), Regina Stela Correa Vieira (UNIFESP)
Resumo: O objeto desta proposta é a análise da pactuação de uma política em andamento e dos direitos em disputa neste processo. O Decreto 11.460/2023 instituiu um grupo interministerial voltado à construção de uma Política Nacional de Cuidados no Brasil. Em face da guinada ultraconservadora e pós-neoliberal da gestão Bolsonaro, no que se inclui a postura "anti-gênero" de Damares Alves, a decisão de quais direitos e obrigações relacionam-se ao cuidado traz desafios que extrapolam aqueles comuns à pactuação de uma política pública. Isso porque três frentes de interesses disputam o desenho da política: o familismo; as demandas feministas sobre o trabalho de cuidado; e os movimentos de pessoas que necessitam dele. Nesse contexto, a elaboração de políticas para quem cuida e quem precisa de cuidado sofre influência de noções de gênero, sexualidade, parentesco, muitas vezes divergentes, e a visão majoritária impacta de modo a instituir ou afastar o conservadorismo. Diante disso, neste trabalho, pretendemos analisar a construção da política nacional de cuidados, por meio de uma abordagem etnográfica documental de publicações oficiais nas páginas do Governo Brasileiro, transcrições das reuniões interministeriais já realizadas e manifestações de diferentes sujeitos envolvidos na produção da política. Tomamos como pressuposto ser o cuidado uma necessidade de todas as pessoas ao longo da vida, com maior demanda vinda de crianças, idosos, pessoas com deficiência e doentes. Ao mesmo tempo, o que os estudos sobre cuidado têm demonstrado é que dimensões como gênero, raça e classe social impactam de modos diversos o recebimento ou provimento dos cuidados. É razoável afirmar que, de modo geral, o trabalho do cuidado é na maior parte das vezes realizado por mulheres e, em muitos casos, sem reconhecimento ou remuneração. Regular o cuidado, seus direitos e deveres, em uma única política integrada é um passo para a efetivação da cidadania dos grupos que cuidam e recebem cuidados, mas que não pode ser pensada sem levar em consideração desigualdades estruturais. Discursos conservadores sobre o cuidado relegam às famílias a responsabilidade do trabalho do cuidado, fazendo com que, por vezes, o cuidado ofertado não seja o melhor possível ou, em outros casos, restrinjam a autonomia do sujeito que necessita dele. Nesse sentido, importa observar a construção da política e como se darão as negociações em torno de representações sociais sobre gênero e sexualidade, sobre raça, classe e deficiência, questionando ou reproduzindo ideias como o "papel feminino", a desvalorização desses trabalhas, a "incapacidade" de certos grupos e outros. Por se tratar de um tema de cidadania e direitos humanos, urge que o cuidado não seja tratado como algo meramente doméstico ou de ordem privada.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Elaborar presença e ausência: o desaparecimento forçado de pessoas trans na Baixada Fluminense
Augusto Torres Perillo (UFRRJ), Isabella Alves Guimarães (UFPEL)
Resumo: O presente trabalho é uma reflexão acerca da pesquisa intitulada Mapeamento exploratório sobre desaparecidos e desaparecimentos forçados em municípios da Baixada Fluminense - Rio de Janeiro”, realizada em 2021. A pesquisa é fruto da parceria entre a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, através do grupo de pesquisa Observatório Fluminense, e o Fórum Grita Baixada. Ela traz o mapeamento das diferentes dinâmicas de se fazer desaparecer pessoas na Baixada Fluminense. Para tanto, valeu-se de diferentes metodologias: levantamento bibliográfico, análise dos bancos de dados do Disque Denúncia e do Instituto de Segurança Pública e acompanhamento de páginas do Facebook e de jornais locais. Contou também com a análise da legislação nacional e internacional e das movimentações de propostas no Congresso Nacional. A partir do trabalho de campo junto a mães e familiares de vítimas da violência de Estado. Parte da metodologia desta pesquisa consistiu em analisar páginas e grupos de Facebook dos territórios da Baixada Fluminense para mapear como se apresenta a dinâmica da procura das vítimas de desaparecimento forçado. O mapeamento realizado apresentou um vazio quantitativo: não houve notícia de desaparecimento de pessoas transgêneras1 no recorte temporal realizado entre 2016-2020. A tabela produzida para a pesquisa foi dividida nas categorias de raça, gênero, idade, territorialidade e se o corpo foi encontrado ou não após a denúncia. O vazio como dado se apresenta ao se interseccionar com os dossiês "Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras" que demonstra o sudeste como a região que mais mata pessoas trans. Em 2018, o Rio de Janeiro liderou o ranking de assassinatos com 16 pessoas e a mídia, como mostrou o mesmo dossiê, não respeita o nome social das vítimas expondo o nome de registro de nascimento e, consequentemente, produz desinformações sobre violências contra pessoas trans. O direito à existência e ao luto, tem sido categorias e além disso, experiências materiais que modelam a vida cotidiana de pessoas trans. No ímpeto de construir narrativas que dê conta do duplo violência <> resistência, intelectuais trans têm construído um quadro narrativo que fornece pistas sobre vida e morte. Jota Mombaça, Abigail Campos Leal, Viviane Vergueiro, Castiel Vitorino Brasileiro, constituem um quadro intelectual que denunciam a morte e exigem a vida das dissidências. A pesquisa propõe refletir sobre dados quantitativos e qualitativos, produzidos por esferas diferentes das Ciências Sociais, a partir de entrevistas semi-estruturada com um coletivo de referência no acolhimento às pessoas LGBTQINB+ do território da Baixada para desobliterar o silêncio produzido pelo cistema colonial-capitalista, seguindo pistas das intelectualidades trans.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
As travestis e as ruas: uma construção de memória, corpos, irmandade e ativismo.
Dediane Souza (UFRN)
Resumo: Aqui, apresento reflexões das experiências vividas, apontamentos teóricos, afetivos e políticos sobre a construção de uma memória coletiva de uma categoria identitária e política: as travestis brasileiras. A centralidade deste artigo é refletir como as travestis, no contexto brasileiro, furaram a bolha de uma memória nacional única para construir memórias subterrâneas (POLLAK, 1989), uma memória que é coletiva e viva: a partir da tradição oral (HAMPATÉ BÁ, 2020), que é sistematizada pelas mais velhas, pelos relatos da repressão policial, das memórias do ativismo e das construções de resistência. Apontar reflexões a partir da minha experiência de ativista e em conjunto com as memórias, a oralidade e as notícias veiculadas nos cadernos policiais nos maiores veículos de comunicação do país; pensar a rua como um palco de construção de memórias, corpos, irmandade e ativismo. Contar nossas historias é lançar luz sobre as existências e as resistências empreendidas por travestis no contexto das grandes cidades no Brasil; é rememorar a perseguição policial, a ditadura civil militar, o exercício do trabalho sexual nas ruas e as primeiras organizações políticas e sociais do segmento de travestis. Apresentar reflexões sobre as operações de segurança pública nas grandes metrópoles brasileiras e as estratégias de manutenção da memória travesti na sociedade contemporânea a partir de uma reivindicação da memória viva.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Sentir-se atrasada": a temporalidade social de uma lésbica não praticante.
Isabella Gonzaga Guimarães Silva (SECTI/GO)
Resumo: Esse trabalho está relacionado com a pesquisa de mestrado realizada entre os anos de 2020 e 2022, cujo objetivo foi desenvolver uma etnografia das relações com os regimes de verdade e a relação crítica que as interlocutoras da pesquisa, mulheres homossexuais com mais de 50 anos e que lançam mão de categorias de autoidentificação como lésbica, madura e entendida, teceram consigo mesmas para a constituição de uma vida possível. O como das suas experiências é narrado através do acionamento de temporalidades distintas que apresentam-se enquanto tecnologias subjetivantes de suas sexualidades. Tais temporalidades apresentam-se como o modo de dizerem da feituras de si mesmas em condições que não são as do tempo de agora. A atenção despendida por elas para dizer sobre o outro tempo aponta para a importância em suas jornadas de dizerem sobre quais são os tempos que as compõem. Pensando que o substrato da antropologia são as relações e cabe ao antropólogo criar conexões entre elas, ao estabelecer a diferença entre o tempo delas e o tempo de hoje, as interlocutoras elaboram, assim, uma teoria etnográfica dos processos de subjetivação na intersecção entre gênero, sexualidade, geração, classe e raça ao longo de distintas formações culturais. Dentre as questões que emergiram a partir da pesquisa, será tomada nesse trabalho o complexo horizonte temporal de uma interlocutora de 51 anos, lésbica e negra que por meio da sua espera pelo tempo ideal de poder viver em liberdade sua sexualidade, elabora o entendimento de que o tempo já passou para ela e de que ela não sabe mais como ser lésbica”. Colocando, assim, em circulação o afeto de sentir-se atrasada o que leva a reflexão sobre como o pertecimento geracional permite visualizar como novos regimes de verdade são engendrados e de como eles operam enquanto dispositivos que colocam em circulação procedimentos de condução das condutas individuais e da produação dos diagramas de subjetividade e verdade. Sua afirmação de "que não sabe mais como é ser lésbica”, pode ser tomada como efeito da não realização de uma narrativa progressista da identidade (Solana, 2016;Kveller, 2022) desembocando em uma fratura em seu próprio entendimento do que é a sua experiência com a sexualidade. Assim, o objetivo desse trabalho é refletir sobre como esses acentos temporais é uma atualização no presente da violência do não-reconhecimento que atravessa diferentes tempos de sua trajetória. Essa discussão é costurada pelos tensionamentos do giro temporal queer e do conceito de "conhecimento envenenado" da Veena Das, para tecer inteligibilidades sobre como o trauma segue interpelando o presente da experiência na homossexualidade feminina da interlocutora.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A ação coletiva de evangélicos progressistas em defesa da democracia nas eleições de 2022
Jeferson Batista da Silva (UNICAMP)
Resumo: Esta comunicação investiga o papel dos "evangélicos progressistas" no Brasil contemporâneo, especialmente sua participação nas disputas pelos sentidos de direitos humanos e de sujeitos de direitos em diferentes campos. Por meio de um olhar etnográfico e revisão bibliográfica, o foco recai sobre a atuação do coletivo Novas Narrativas Evangélicas durante as eleições de 2022. Nesse período, o grupo lançou uma "agenda evangélica antifundamentalista", uma campanha digital contra a violência política nos ambientes eclesiais e desenvolveu outras atividades com o intuito de demonstrar que nem todos os evangélicos são fundamentalistas”, o que, naquele contexto, significava não apoiar Jair Bolsonaro em sua busca pela reeleição no cargo de presidente da República. O argumento é que esses atores adotam diversas estratégias para conciliar sua afiliação religiosa com a defesa dos direitos humanos desde uma perspectiva política progressista”, especialmente em questões de gênero, sexualidade e raça, além de democracia e direitos socioambientais. Ademais, a análise considera que a presença pública dos grupos religiosos "fundamentalistas", marcada por conexões com a extrema-direita, também é um fator que contribuiu para a emergência de grupos como o Novas Narrativas Evangélicas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre o "dom" e o "mérito": notas sobre o recrutamento de mulheres e formação de novas lideranças de ultradireita
Júlia Freire de Alencastro (UFRJ), Elaine Reis Brandão (IESC - UFRJ)
Resumo: Sobretudo na última década, o Brasil tem sofrido instabilidades fundamentais e reorganizações em suas dinâmicas políticas e institucionais com a ascensão de lideranças de extrema direita, culminando na eleição de Jair Bolsonaro para presidência do país em 2018. Em consonância com esse movimento, observamos também a rápida ampliação no número de mulheres em partidos de direita ocupando cargos decisórios no país, em particular nos poderes legislativo e executivo. Por exemplo, o Partido Liberal (PL) e o Republicanos (atual partido de Jair e Michelle Bolsonaro e de Damares Alves, respectivamente), nunca haviam eleito sequer uma mulher à Câmara Federal, mas entre 2019 e 2023 tiveram as duas maiores bancadas femininas da casa. O crescimento do número de mulheres com orientação política de extrema direita neste e em outros espaços tem sido investigado por estudos recentes aos quais o presente trabalho pretende se somar. Nele, proponho analisar o processo de recrutamento e formação política de novas filiadas ao PL e de potenciais candidaturas para as eleições municipais de 2024. Embora Lula (Partido dos Trabalhadores) tenha vencido a presidência em 2022, o PL tem ampla maioria na Câmara Federal e teve o maior número de novos senadores eleitos no pleito. Em 2023, o partido investiu no relançamento da preexistente, mas até então adormecida, plataforma PL Mulher, agrupando diversas pautas na interface do gênero, sexualidade e racialidade. Michelle Bolsonaro assumiu a presidência da plataforma desde março de 2023, e nomeou como sua vice, a deputada federal Amália Barros. A partir de análise documental em registros de acesso público, descrevo duas de suas principais estratégias de ação: os encontros estaduais, que têm sido realizados em diversas cidades desde a nomeação de Michelle à presidência da "célula feminina" do partido; e a recém-lançada "academia brasileira de política conservadora", que reúne materiais pedagógicos com recursos informacionais às novas filiadas e possíveis candidatas pelo partido. A partir de atuações majoritariamente relacionadas a uma moralidade ultraliberal, baseada na família cis-heterossexual, na negação intransigente do abortamento legal e no construto frequentemente acionado da ideologia de gênero e da "violência ideológica", o PL Mulher tem difundido um discurso que transita entre o "mérito" e o "dom" das "mulheres de bem" para ingresso na carreira política, desembocando na naturalização das desigualdades fundadas nas relações sociais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"O Papel da Religião na Construção da Identidade de Mulheres Evangélicas Estudantes da UFBA"
Juliana Maria Teixeira da Conceição (UFBA), Andressa Verena Luz França (UFBA), Alice Alves de Carvalho (UFBA)
Resumo: A construção da identidade perpassa diversas experiências da vida humana. Nesse sentido, a religião, como âmbito de vivência, transformação social, e emergência de novos sujeitos, pode ser entendida como um importante elemento no que tange a construção identitária muito em virtude da natureza das práticas, conhecimentos e discursos envoltos. Tendo em vista que a identidade feminina é construída socialmente, fruto da vivência de um coletivo cuja conjuntura sócio-histórica remete a definição de papeis e, consequentemente, atores sociais e suas atribuições na sociedade, as religiões pentecostais apresentam-se como âmbito de conhecimento para analisar como religião e gênero podem se articular, ao mesmo tempo que servem como guia para a identidade desse grupo influindo diretamente na subjetividade dessas mulheres. O tema a ser abordado na pesquisa visa dar agência às mulheres envolvidas, uma vez que procura escutar e entender, através de seus discursos, como ocorre esse processo de construção da identidade a partir de suas experiências. Assim, o presente trabalho buscou compreender, através da realização de entrevistas e grupos focais, a visão de estudantes evangélicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A escolha metodológica fora de uma análise qualitativa através do uso de categorias da análise do discurso da linha inglesa levando em consideração a importância da experiência no social e sua capacidade reveladora nos meandros discursivos, uma vez que se busca observar a potencialidade dessas mulheres enquanto sujeitos”, sobretudo, sociais e políticos, atuantes e passíveis, ao mesmo tempo, de influência exterior para suas subjetivações e, ademais, contou com a combinação do respaldo teórico tanto da linha sociológica quanto da antropológica. Nesse ínterim, foi desejoso mostrar como arcabouços conceituais tais como as noções de gênero", " subjetividade e religião, por exemplo, são moldadas e moldam o comportamento desse coletivo, e não somente isso, como essas categorias se entrecruzam. Observou-se como resultado depois do contato com as estudantes e através da análise e interpretação dos dados coletados que a religião possui sim um caráter elementar e fundante na construção de suas identidades, perpassando as suas subjetividades, porém ela não é um fator exclusivo, o que levou a percepção de que a produção de determinadas subjetivações e corpos no que toca ao gênero e religião necessitam, ordinariamente, de outros contextos de atravessamento.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O corpo asiático como território de guerra e temporalidade do trauma: raça, gênero e sexualidade na construção do ativismo asiático-brasileiro
Laís Miwa Higa (USP)
Resumo: Abordo a construção do ativismo asiático-brasileiro contemporâneo (2016-2023), desde o surgimento dos três primeiros coletivos de antirracismo, feminismo e LBGTQIA+ asiáticos/amarelos no Facebook, sua expansão para outras redes sociais, na mídia, e em espaços offline. Numa década marcada por enormes transformações e crises, a análise etnográfica contextualiza e articula a trajetória do campo às marcas das Jornadas de Junho (2013); do Impeachment da Presidente Dilma Rousseff (2016); da ascensão da extrema direita, com a eleição de Jair Bolsonaro (2018); da Pandemia de Covid-19 (2020); e da eleição de Lula como Presidente (2022). O objetivo principal é analisar as maneiras pelas quais coletivos e sujeitos asiáticos-brasileiros têm produzido,significados e articulações entre marcadores sociais da diferença – tais como raça, gênero e sexualidade –, na produção de práticas políticas e modos de subjetivação. Parto de minha pesquisa de doutoramento em torno da criação dos primeiros coletivos asiáticos no Facebook e na internet, enquadrada na eclosão dos novos movimentos sociais e do ciberativismo, como local de encontro e construção política e subjetiva de jovens, em contraposição às gerações mais velhas, com representantes conservadores que ocupam as associações étnicas e partidos de direita. Investigo a produção de categorias de identidades asiáticas-brasileiras politizadas e de sujeitos políticos asiático-brasileiros, dando destaque a importância e a valorização atribuídas a pesquisas e a estudos acadêmicos nos debates e embates em torno das categorias étnico-raciais, conceitos e perspectivas teórico-políticas que são constantemente utilizados para fundamentar discursos e práticas do movimento. Por fim, ao perscrutar o mito do Perigo Amarelo e o mito da Minoria Modelo, de maneira a aprofundar os modos pelos quais essa juventude mobiliza memórias e histórias das diásporas, invocando especialmente eventos de guerra, privação e injustiça sofridas por imigrantes e descendentes nos países de origem e no Brasil. Exemplos e análises de pesquisas acadêmicas permitem, por um lado, a recontextualização e a ressignificação das próprias experiências vividas de microagressões, xenofobia, racismo e discriminação. Por outro, contribuem para fundamentação de críticas e análises que fomentam a formação política e o incentivo à atuação em movimentos sociais, coletivos e organizações. Por fim, mobilizo as noções de assombrações de diásporas asiáticas e traumas transgeracionais de Grace Cho junto a ideia de conhecimento venenoso, de Veena Das, para destacar visibilidades opacas e as formas em que as escolhas por certas categorias identitárias e por certas histórias revelam outras camadas de hierarquias e desigualdades nas comunidades e ativismos asiáticos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Explorando a Transversalidade e Interseccionalidade das Políticas Públicas de Saúde para Mulheres: Reflexões sobre Gênero, Raça, Sexualidade e Privação de Liberdade
Layla Vitorio Peçanha (Seeduc), Adriane das Neves Silva (COLEGIO ESTADUAL HILTON GAMA)
Resumo: Numerosos estudos, inclusive este em andamento, têm se dedicado a examinar as deficiências estruturais crônicas do sistema penitenciário brasileiro, que perpetuam uma cultura de violência institucional. Essa cultura alimenta práticas discriminatórias e abordagens violentas, resultando em uma clara violação da dignidade e dos direitos humanos, especialmente no contexto do encarceramento feminino. Essa violação torna-se ainda mais evidente quando destacamos as interseções de raça, gênero, sexualidade revelando uma camada adicional das profundas desigualdades sociais. Como mencionado anteriormente, estabelecemos uma analogia entre o trauma colonial e seus impactos duradouros, juntamente com os silenciamentos promovidos pelo Estado. Apesar dos esforços para implementar políticas públicas que adotem uma abordagem transversal e interseccional, a realidade prisional desafia as próprias premissas dessas políticas, leis e normativas. Assim, a triste constatação é que, por mais bem-intencionadas que sejam, essas medidas não conseguem superar as falhas de um sistema que, por uma cruel e injusta contingência, encarcera 65% de mulheres negras em penas privativas de liberdade (Infopen, 2023), as quais, em uma encruzilhada sombria, se encontram nas entranhas de um sistema carcerário - que, ao contrário de Exu -, não oferece caminhos nem soluções adequadas. Ao aprofundarmos a interseção da identidade racial com a de gênero, destacam-se contrastes gritantes na realidade brasileira. Essas disparidades permeiam transversal e interseccionalmente diversas esferas da vida social, afetando o acesso à educação, saúde, qualidade de vida, saneamento básico, inserção no mercado de trabalho, acesso à informação, busca por justiça e a própria cidadania, como salientado por Segato (2006). Nesse contexto, a observação de Carneiro (2002) de que "o recorte de raça e gênero apresenta diversas especificidades" (p. 210) ganha ainda mais relevância. Nos dedicaremos a explorar como diferentes leis, programas e políticas públicas de saúde se entrelaçam, abordando questões de gênero, raça, sexualidade e identidade em ambientes de privação de liberdade. Por meio desta investigação metodológica, buscamos identificar áreas de convergência, apontar lacunas e destacar oportunidades para aprimorar o atendimento de saúde em contextos prisionais, visando a uma visão mais inclusiva e ampla da saúde pública. REFERENCIA BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN 2023. CARNEIRO, S. A batalha de Durban. Revista Estudos Feministas, ano 10, 1º Semestre. p. 210- 2002. SEGATO, R. L.. Antropologia e direitos humanos: alteridade e ética no movimento de expansão dos direitos universais. Mana, v. 12, n. 1, p. 207–236, abr. 2006.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Moda, Antropoceno e Racismo Ambiental no Sul Global
Lino Gabriel Nascimento dos Santos (IFSC), Verdi Lazaro Alves Vilela (UFSC)
Resumo: Apontamos o impacto da estética nas ciências duras. Argumentamos o papel desempenhado por imagens e modos na definição, divisão e categorização realizadas a partir dos sentidos - particularmente da visão - que redundaram em taxonomias baseadas em diferenças entre comuns. Como nos legou Mirzoeff - falando especificamente das interpenetrações entre geologia, ciências naturais e racismos - é a partir disso que se define, também, o que é humano e o que não é. Fanon é categórico "o negro não é um homem" (2008, p. 26). Definimos como nosso objeto a Moda, açambarcando, inclusive, o caráter polissêmico do termo. Como Moda pode ser fútil em um país onde a estética define quem vive e morre? Ademais, não existe modernidade sem colonialidade e colonialidade sem racismo. Da moda, observamos o fast-fashion, produção acelerada de roupas que se tornou uma das indústrias mais poluentes do mundo, responsável pelo grande aumento das zonas de sacrifício, sobretudo onde vivem pessoas racializadas - devastadas ambiental e culturalmente (Niessen, 2020), como é o caso do gigante cemitério de roupas criado no deserto do Atacama, no Chile. É nesse ínterim que inscrevemos em nosso debate algumas temporalidades complexas: o antropoceno, capitaloceno ou platantioceno, processos antrópicos como forças geológicas, e, como contraponto, a vinculação entre antropoceno e supremacia branca (Mirzoeff, 2018) e as potencialidades generativas do Chtuhuluceno de Donna Haraway.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Qual o gênero do seu mijo? Uma reflexão sobre a luta por políticas de afirmação de gêneros dissidentes na utilização de banheiros públicos dentro da UFPB
Luciana Maria Ribeiro de Oliveira (UFPB), Jota Joana Cabral Fagundes Isnard (UFPB), Gabriella kollontai Silva (UFPB), Ayira Sizernando Liberato (UFPB), Murilo Lorenzi Catunda (UFPB)
Resumo: O ambiente universitário, assim como outras instituições sociais nas quais estamos inserides, é também um espaço de disputas: sejam teóricas, narrativas, e/ou políticas. Quando analisamos a forma como uma corpa trans/travesti vivencia sua existência e permanência dentro destas instituições, percebemos o quão primárias ainda precisam ser as discussões para que lhes sejam assegurados os direitos mais básicos, tais como a utilização de banheiros de acordo com sua identidade de gênero autodeclarada. Paul Preciado (2019), propõe uma reflexão de como a cisgeneridade, a máquina-capital-heterossexual”, não deixa nada escapar em vão; transformando os banheiros públicos, para muito além de locais de simples despejo de dejetos, em espaços arquitetônicos que cumprem um papel de reafirmação e reprodução do gênero. Jota Mombaça (2015) destaca o quanto o espaço acadêmico é um espaço de violências e de geração de conteúdos dominantes, produzindo certas vozes como ausentes em regimes de verdade dentro dos quais não há possibilidade de conhecimento, fala e, muito menos ação. Diante de tais questões, intenta-se realizar uma contextualização histórica e teórica sobre as violências sofridas na utilização de banheiros por parte da população trans/travesti da UFPB, bem como, a luta empreendida nos anos de 2022 e 2023 pelo projeto de extensão Cine Trava (PROBEX/UFPB), em conjunto com outros coletivos, que resultou na minuta que aprovou em dezembro de 2023: a utilização de banheiros e demais espaços segregados por gênero, por estudantes, servidores e visitantes da UFPB de acordo com a identidade de gênero dos mesmos, independentemente do registro civil. Tal medida foi um marco na luta pelos direitos da comunidade trans/travesti dentro da UFPB, sendo resultado de um longo diálogo e força coletiva destas corpas dissidentes.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pensando gênero e a noção de corpo-território a partir do coletivo de mulheres indígenas guajajara Guerreiras da Floresta
Manoela Freire de Oliveira (UFBA)
Resumo: O trabalho discute a imposição das categorias de gênero ocidentais e a noção de corpoterritório, a partir do coletivo composto por mulheres indígenas guajajara, denominado Guerreiras da Floresta. A discussão tem como campo teórico norteador as pensadoras da denominada crítica antirracista e decolonial, como a nigeriana Oyěwùmí, Oyèrónkẹ́ e a colombiana Maria Lugones. Além disso, a discussão levantada por algumas pensadoras indígenas como Manoela Karipuna e Aurora Baniwa sobre o Movimento das Mulheres Indígenas e a noção de corpo território. O coletivo Guerreiras da Floresta se formou no ano de 2012 e é composto por cerca de 20 a 25 mulheres guajajara, da aldeia Maçaranduba, da Terra Indígena Caru, localizada no oeste do estado do Maranhão. O grupo de mulheres guajajara tem como objetivo principal apoiar e promover ações de cuidado e proteção territorial, bem como de sensibilização no entorno da Terra Indígena. As Guerreiras da Floresta usam tecnologia de satélites e patrulhas na mata para inibir a presença de madeireiras em seu território. O resultado: em dois anos, o desmatamento na TI Caru caiu de 2 mil para 63 hectares. A TI Caru fica situada numa zona de transição entre a Amazônia e o Cerrado, onde resta um dos últimos trechos de floresta intacta e contígua no Maranhão. Sendo assim, o trabalho trás as concepções e perspectivas guajajara de cuidado com o que denominam de território”, pensado por elas, como a própria extensão do corpo e do sentido de vida. Além disso, pensa o movimento político e luta dessas mulheres para fora dos limites e de seus lugares de origem, tanto no âmbito estadual, como no contexto nacional. Assim, o coletivo das Guerreiras, é representado aqui como uma iniciativa não muito comum, no universo do trabalho realizado de monitoramento territorial, que tradicionalmente sempre foi ocupado pelos homens. Dessa forma, a noção de corpo-território”, nascida do movimento de mulheres indígenas, é tomada como conceito central para pensar a relação das guerreiras indígenas guajajara nos cuidados com o território e com o movimento político do coletivo para fora das aldeias. A pesquisa insere-se numa abordagem teórico conceitual antropológica de pensar o conceito da construção da identidade e sujeito indígena mulher guajajara”, através das discussões das múltiplas formas sociais e culturais de constituição de gênero e sexualidade em diferentes sociedades ou segmentos sociais, e assim, problematizar a naturalização ocidental do conceito de gênero. Para isso, é de fundamental importância os trabalhos de algumas pensadoras indígenas, sobre feminismo indígena ou movimento de indígenas mulheres, a partir do coletivo Guerreiras da Floresta, tanto nos cuidados com o território, como na luta política dentro do Movimento.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Do Crime à Fé: Estigma e Reconfiguração Territorial na Conversão Evangélica em Bairros Periféricos de Salvador e Região Metropolitana
Mariana Isadora Costa Campos Neves (UFBA), Lidia Ribeiro Bradymir dos Santos (UFBA), Gisele de Deus Souza (UFBA)
Resumo: Este trabalho aborda a conversão evangélica de pessoas previamente envolvidas com o crime em bairros periféricos de Salvador e na Região Metropolitana. A pesquisa explora a transformação na relação do novo convertido com as territorialidades do bairro, destacando as mudanças na dinâmica social e espacial. Ao investigar a relação entre a recém conversão e as modalidades de violências sofridas e/ou perpetradas neste contexto específico, observamos que novos convertidos exercem um papel ambíguo. Ao mesmo passo que sua vida pregressa o torna uma figura de pouca confiança, ela é mobilizada como mediadora entre a igreja e envolvidos”, servindo como exemplo para novas conversões. Assim, o estigma associado às suas transgressões passadas ainda persiste, apesar do engajamento do novo convertido com as atividades religiosas. A reconfiguração das dinâmicas territoriais vivenciadas por essas pessoas é analisada a partir do processo de familiarização do espaço público que existe nos bairros populares da Bahia (Agier, 2019). Nesse sentido, é interessante pensar a transformação da relação do novo convertido com o bairro e as novas formas de familiarização empregadas. Desse modo, o presente resumo apresenta um trabalho onde a análise perpassa a interseção entre raça, territorialidade e religião. AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. Editora Terceiro Nome, 2019.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sexualidade como tema de disputa entre conservadorismo e direitos: pesquisa e intervenção com jovens
Marion Teodósio de Quadros (UFPE), Sirley Vieira da Silva (UFPE)
Resumo: Esta proposta reflete sobre nossas experiências em pesquisa e intervenção relacionadas a promoção de direitos sexuais e reprodutivos, incentivando o conhecimento e autonomia de jovens. Foram oficinas e tentativas de discutir sobre o tema, em diferentes espaços educativos públicos e particulares com homens jovens e pesquisa com mulheres jovens em diferentes locais. Conseguimos detectar dificuldades e reações semelhantes. A conversa ou o processo de educação em gênero e sexualidade provoca reações nas pessoas envolvidas, algumas vezes há ameaças e outras vezes o trabalho passa a não ser mais aceito, por exemplo. Essas e outras dificuldades são refletidas à luz da intensa onda conservadora que foi se consolidando no Brasil essencialmente a partir da segunda década desse século, com o enfraquecimento da luta por direitos sexuais e reprodutivos e o completo apagamento da educação sexual nas escolas. Mostra porém, que as resistências à promoção de direitos e educação sexual já eram fortes mesmo antes da consolidação do conservadorismo, que se alastrou desde o processo do impeachment da Presidenta Dilma, indicando que a extensa rede de destruição de espaços de discussão sobre gênero e sexualidades tinha fortes sustentáculos na sociedade. As reflexões intencionam evidenciar como esse contexto e as dificuldades vivenciadas podem proporcionar subsídios para auxiliar novas iniciativas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Caminhos abertos pela palavra: Reflexões sobre a trajetória profissional de poetas negras do slam
Midria da Silva Pereira (USP)
Resumo: O presente trabalho advém de pesquisa de campo realizada desde 2019 até o presente momento, com poetas negras cisgêneras que atuam na cena de slams de São Paulo. A partir de entrevistas em profundidade e acompanhamento de suas movimentações dentro e fora dos slams como artistas, foi possível compreender a formação de suas identidades como poetas profissionalmente, expandindo suas atuações para campos remunerados por meio de desdobramentos de suas palavras enquanto um produto que reorganiza sentidos sobre seus corpos e vidas. As poetas focalizadas foram Kimani, Luz Ribeiro, Mel Duarte e Patricia Jimin. Ao longo da exposição será possível ter acesso à uma introdução sobre o histórico do movimento de slam no Brasil, permitindo uma visualização geral da significação da presença de mulheres negras dentro dos slams e reflexões sobre as potencialidades de sua atuação profissional como artistas no cenário da sociedade brasileira que se engendra historicamente desde às bases com a opressão de corpos como os seus.
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Gênero e sexualidade nas redes sociais de lideranças religiosas cristãs: mapeando narrativas e disputas em ano eleitoral
Olívia Bandeira de Melo Carvalho (Intervozes)
Resumo: Nos últimos anos, questões de gênero e sexualidade se tornaram centrais nos debates que acontecem em contextos de eleições no Brasil. Parte desse fenômeno se dá pela crescente participação de agentes religiosos, sobretudo evangélicos e católicos, nas disputas eleitorais, assim como pelo recrudescimento dos conservadorismos e das direitas que atuam para barrar os direitos conquistados ou a conquistar por mulheres e pela população LGBTQIAP+. Nesse sentido, temas como ideologia de gênero e a defesa da família se tornaram bandeiras de campanha de candidatos e candidatas aos cargos legislativos e fonte de debates e questionamentos nas campanhas para o executivo. As mídias, sobretudos as digitais, apropriadas de forma intensa pelos ativismos religiosos e cada vez mais parte da vida cotidiana, se tornaram arena central onde as questões de gênero e sexualidade, a produção de corpos e subjetivações e as políticas públicas são discursadas e disputadas, incluindo o uso de desinformação e de violência de gênero misógina como estratégia política. A mediação do gênero e da sexualidade pelas redes sociais acontece não apenas no período eleitoral, mas de forma contínua por meio da atuação de lideranças religiosas e políticas que articulam o online e o off-line na tentativa de delimitar moralidades dominantes. Partindo de concepções da antropologia digital que consideram os entrelaçamentos entre o online e o off-line e também a agência do design das plataformas digitais e de seus algoritmos no consumo de mídias e na conformação dos debates públicos, este trabalho, em andamento, tem como objetivo discutir os temas e as abordagens sobre gênero e sexualidade que circulam nas redes sociais de lideranças religiosas e políticas cristãs em um contexto pré-eleitoral. A pesquisa parte das redes sociais de Michelle Bolsonaro – figura fundamental nas eleições de 2022, com papel crescente na política desde então – como um dos nós de uma rede que conecta outros perfis de agentes religiosos e políticos que atuam nas redes e nas ruas. Com foco no Instagram, no Tik Tok e no Twitter, que possuem diferenças relacionadas aos tipos de mensagens propagadas e aos públicos, a pesquisa acompanha perfis de lideranças religiosas e políticas de janeiro a junho de 2024. Reflexões parciais indicam que a defesa da família patriarcal e heteronormativa associada a um projeto de construção de uma nação cristã se torna tema relevante mesmo em um contexto de eleições municipais. Indica também a construção do papel da mulher como mediadora da luta do bem contra o mal não apenas no interior das famílias e das igrejas, mas na ocupação de espaços políticos a partir de ações que negam os feminismos ao mesmo tempo que utilizam de forma estratégica algumas de suas bandeiras.

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Mais Mulheres na Política: vivências e violências, a eterna disputa por espaço.
Pietra Alves Nogueira (UERJ), Ana Beatriz Dutra Cid Coutinho (UERJ)
Resumo: Em uma sociedade estruturada pelo domínio capitalista e patriarcal, determinados corpos foram postos em uma posição social marcada pela subalternidade, sobretudo quando esses sujeitos se encontram localizados na interseccionalidade. Logo, ainda que demandas por direitos permaneçam sendo pautadas, as estruturas políticas permanecem sendo moldadas a partir de uma perspectiva masculina, cis, heterossexual, branca que age sobre o corpo social. Assim, com o objetivo da modificação da realidade existente, a luta por direitos, pelo o fim das discriminações de gênero, raça e sexualidade tal como a busca por mais espaço na política vem crescendo cada vez mais. A Lei das Eleições (9.504/1997) obtinha por princípio estabelecer um preenchimento mínimo de 30% de candidaturas por gênero, o que deveria ser assegurado por cada partido ou coligação política. Entretanto, somente em 2014 que o número de candidaturas femininas chegou perto dos 30%, ainda assim, proporcionalmente, a taxa de sucesso de mulheres decresceu. A partir de dados recentes, percebe-se que as leis de cotas e ações afirmativas contribuíram para a inserção de mulheres no campo político, todavia, as cotas ainda não se apresentam como um mecanismo capaz de oferecer a paridade de gênero ou assegurar a permanência de mulheres na política. Assim como, torna-se essencial considerar fatores que estão além do gênero, – como raça, sexualidade e classe social – e que se tornam barreiras à ascensão social e política de determinados grupos. Atrelada a tais preconceitos, surge a violência, neste caso faz-se necessário citar os casos simbólicos de Dilma Rousseff e Marielle Franco, exemplo de máxima da violência política de gênero e raça, assassinada na noite de 14 de março de 2018 no Rio de Janeiro. Dessa forma, com a função da maior conscientização e da diminuição dos casos de violência política de gênero, em 2021 foi consolidada a lei 14.192 que estabelece os parâmetros para a prevenção e o combate a violência política de gênero no Brasil. Entre diversas campanhas de prevenção a violência, escolhemos ressaltar a campanha Mais Mulheres na Política promovida pelo TSE em 2021, que ilustra não apenas as diferentes formas de violência política de gênero mas também retrata a importância da diversidade no campo político. Assim, a pesquisa foi estruturada a partir de uma análise da campanha promovida pelo TSE enquanto em paralelo ocorrerá uma análise de entrevistas – vestidas nos mesmos moldes da campanha – com integrantes de movimentos sociais e partidos políticos. Dessa forma, estudaremos as percepções dessas mulheres sobre as vivências dentro da política, como também, os pareceres sobre a realidade da violência política de gênero, e como tais entendimentos se modificam a partir de seu local interseccional.
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ENTRE ABUSOS SEXUAIS, AMEAÇAS, RESTRIÇÕES E ENFRENTAMENTOS: uma análise antropológica das experiências violentas vivenciadas por travestis em uma cidade interiorana potiguar
Pietra Conceição Azevedo da Silva Paiva (UFRN)
Resumo: Esse paper faz parte das primeiras reflexões que estou tecendo para minha tese de doutorado, que se trata de uma etnografia sobre as travestilidades e violências de um contexto interiorano do Rio Grande do Norte. Todos os estudos acadêmicos recentes com enfoque nas travestis, produzidos nas duas primeiras décadas do novo milênio e inspirados nos trabalhos iniciais de Neuza Maria de Oliveira (1994), Hélio Silva (1993) Don Kulick (2008) e Marcos Benedetti (2005), sinalizam, em menor ou maior intensidade, a realidade violenta que atravessa a experiências dessas sujeitas em várias localidades do Brasil. No entanto, ainda são poucas as pesquisas densas e etnográficas sobre a temática das travestilidades e violências cotidianas. Provocada por essas questões e considerando a recente atenção sobre as relações de gênero e sexualidades dos contextos interioranos, discutirei acerca das experiências violentas descritas por 10 (dez) travestis que residiam em uma cidade de médio porte localizada em um dos interiores potiguares. Para tanto, serão consideradas como interlocução as entrevistas semiestruturadas, guiadas pela ética pajubariana (Favero, 2020), realizadas com essas sujeitas. A partir das trajetórias de vida (Bourdieu, 2006) que foram narradas, foi possível estabelecer análises antropológicas sobre o abuso sexual infantil de crianças viadas”, as ameaças de cunho travestifóbico com arma de fogo, as restrições afetivas e de deslocamento, bem como, sobre as reações e os enfretamentos a esses processos marcados por violências. Neste percurso analítico, foram consideradas as intersecções dos marcadores sociais da diferença de gênero, sexualidades, classe, raça, corpo e ocupação profissional.
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"Precisamos normalizar mulheres cristãs imperfeitas": sensibilidades feministas e pós-feministas no discurso de gênero de uma evangélica influenciadora digital
Tatiana Bezerra de Oliveira Lopes (UFSC), Alinne de Lima Bonetti (UFSC)
Resumo: Alana Carla é influenciadora digital no Instagram. Seu perfil atrai mulheres cristãs, sobretudo evangélicas, que se interessam por conteúdos sobre mulheres, teologia e feminilidade bíblica. Advogada, teóloga e doutoranda em Ciências das Religiões, a influenciadora produz reflexões dissonantes no meio cristão conservador. Em um reels, publicado em janeiro de 2024, ela convida suas seguidoras a normalizarem a imperfeição. Na legenda, questiona: Quem foi que exigiu perfeição de nós? A palavra de Deus ou simples normas culturais?. A perfeição a que se refere vai desde a (auto)cobrança estética ao alto desempenho no cuidado doméstico e familiar, tópicos abordados no vídeo por meio de recursos sonoros e visuais ambivalentes. Enquanto passam pela tela frames de Alana em momentos de lazer e realizando tarefas cotidianas - como a organização do lar e o estudo bíblico -, ouvimos sua narração de que tudo bem às mulheres cristãs não serem perfeitas, já que nem as mulheres da bíblia o foram. Em seu argumento, Maria, mãe de Jesus, é citada como exemplo de uma mulher imperfeita, pois teria esquecido o Jesus de 12 anos no templo de Jerusalém, demorando um dia para perceber sua ausência. Nesta comunicação, buscaremos aproximar a narrativa da feminilidade bíblica da imperfeição às sensibilidades feministas e pós-feministas e apresentaremos um contraponto etnográfico à pesquisa realizada por Nina Rosas (2023) sobre os ensinamentos de Ana Paula Valadão. O discurso da pastora e celebridade religiosa, analisado por Rosas, orienta mulheres evangélicas sob um dispositivo da perfeição, em que um corpo moldado e uma personalidade domada evidenciam as sensibilidades pós-feministas conforme explicitadas por Rosalind Gill (2007). O pós-feminismo enquanto um processo político e social, pode ser compreendido como um emaranhado de pautas feministas e antifeministas. Nessa sensibilidade pós-feminista contemporânea, a feminilidade é percebida como um propriedade corporal capaz de ser manejada por uma constante autovigilância e autodisciplina. A performatividade de gênero da mulher virtuosa imperfeita, encontrada em nosso trabalho de campo, nos inspira a pensar como reverberações feministas e pós-feministas estão implicadas no discurso de uma nova geração de evangélicas conservadoras e na constituição de outras sensibilidades pós-feministas no contexto evangélico brasileiro.