Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 096: Sexualidade, gênero, raça e territorialidades: articulações, pertencimentos e direitos em disputa
"Sentir-se atrasada": a temporalidade social de uma lésbica não praticante.
Esse trabalho está relacionado com a pesquisa de mestrado realizada entre os anos de 2020 e 2022, cujo
objetivo foi desenvolver uma etnografia das relações com os regimes de verdade e a relação crítica que as
interlocutoras da pesquisa, mulheres homossexuais com mais de 50 anos e que lançam mão de categorias de
autoidentificação como lésbica, madura e entendida, teceram consigo mesmas para a constituição de uma vida
possível. O como das suas experiências é narrado através do acionamento de temporalidades distintas que
apresentam-se enquanto tecnologias subjetivantes de suas sexualidades. Tais temporalidades apresentam-se
como o modo de dizerem da feituras de si mesmas em condições que não são as do tempo de agora. A atenção
despendida por elas para dizer sobre o outro tempo aponta para a importância em suas jornadas de dizerem
sobre quais são os tempos que as compõem. Pensando que o substrato da antropologia são as relações e cabe ao
antropólogo criar conexões entre elas, ao estabelecer a diferença entre o tempo delas e o tempo de hoje, as
interlocutoras elaboram, assim, uma teoria etnográfica dos processos de subjetivação na intersecção entre
gênero, sexualidade, geração, classe e raça ao longo de distintas formações culturais.
Dentre as questões que emergiram a partir da pesquisa, será tomada nesse trabalho o complexo horizonte
temporal de uma interlocutora de 51 anos, lésbica e negra que por meio da sua espera pelo tempo ideal de
poder viver em liberdade sua sexualidade, elabora o entendimento de que o tempo já passou para ela e de que
ela não sabe mais como ser lésbica. Colocando, assim, em circulação o afeto de sentir-se atrasada o que
leva a reflexão sobre como o pertecimento geracional permite visualizar como novos regimes de verdade são
engendrados e de como eles operam enquanto dispositivos que colocam em circulação procedimentos de condução
das condutas individuais e da produação dos diagramas de subjetividade e verdade. Sua afirmação de "que não
sabe mais como é ser lésbica, pode ser tomada como efeito da não realização de uma narrativa progressista
da identidade (Solana, 2016;Kveller, 2022) desembocando em uma fratura em seu próprio entendimento do que é
a sua experiência com a sexualidade.
Assim, o objetivo desse trabalho é refletir sobre como esses acentos temporais é uma atualização no presente
da violência do não-reconhecimento que atravessa diferentes tempos de sua trajetória. Essa discussão é
costurada pelos tensionamentos do giro temporal queer e do conceito de "conhecimento envenenado" da Veena
Das, para tecer inteligibilidades sobre como o trauma segue interpelando o presente da experiência na
homossexualidade feminina da interlocutora.
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