Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 096: Sexualidade, gênero, raça e territorialidades: articulações, pertencimentos e direitos em disputa
Convenções e moralidades de gênero e raça nos processos de desumanização violenta: casos de linchamento
em revista
O presente trabalho resulta de reflexões preliminares da pesquisa de doutoramento que busca identificar
regimes de inteligibilidade sobre uma forma de violência coletiva específica, denominada linchamento. Os
resultados apontam para o modo como este fenômeno é constituído por práticas de vingança e punição, que se
moldam necessariamente por processos históricos centenários, convenções sociais e moralidades marcadas por
sistemas de diferenciação, discriminação e desigualdades de gênero, raça/cor, classe social, sexualidade e
território. O linchamento é uma prática coletiva, que figura formas de controle social, da qual se tem
conhecimento em vários países do mundo, em diferentes momentos históricos. Comumente caracterizado pela ação
coletiva de indivíduos que capturam, imobilizam e efetuam diversas agressões, o linchamento pode resultar na
morte do linchado. As motivações variam conforme os sentidos de justiça de cada contexto social podendo ser
relacionadas a formas de punição por crimes (suspeitos ou confirmados), ou mesmo por comportamentos sociais
considerados inaceitáveis. Há uma sensibilidade jurídica nos linchamentos, que passam fundamentalmente pela
experiência dos sujeitos e estão menos afeitas às convenções do que é justo, correto ou adequado, pelos
tribunais de Estado. Ela se configura a partir de experiências não apenas de opressão, mas também de
violências e violações estão profundamente ancorados num conjunto de convenções e moralidade que tecem a
vida social a partir de sistemas de diferenciação e discriminação tais como raça, gênero, classe, religião
etc. No caso do Guarujá (2014), as agressões profundamente violentas perpetradas a partir de um boato de que
havia na região uma sequestradora de crianças para fins de rituais de magia negra demonstram não apenas a
figuração de uma ameaça ancorada em rumores, em moralidades religiosas, em convenções de gênero, mas também
de descrença de que a justiça produzida pelo Estado seria adequada ou suficientemente punitiva para aquela
ameaça. Do mesmo modo, no caso de São Luís (2015) a tortura daquele corpo negro e desnudado aponta, por um
lado, para a indignação pela ameaça sofrida na tentativa de assalto e pelas sistemáticas situações de
insegurança vividas no bairro, como também remontam ao imaginário social do corpo negro como criminoso e
passível de severas punições, pautados pelo racismo estrutural. A análise de dois casos, de repercussão
nacional, sob diferentes tipos de materiais e fontes (judiciais, cinematograficos e teatrais) têm
possibilitado uma reflexão pormenorizada do modo pelo qual as convenções e moralidades de gênero e raça
conformam processos de sujbetivação, de sujeição e de desumanização de determinados corpos nos contextos de
violência coletiva, como são os linchamentos.