ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 096: Sexualidade, gênero, raça e territorialidades: articulações, pertencimentos e direitos em disputa
Direitos em disputa na Política Nacional de Cuidados: uma análise a partir do gênero, raça e sexualidade
O objeto desta proposta é a análise da pactuação de uma política em andamento e dos direitos em disputa neste processo. O Decreto 11.460/2023 instituiu um grupo interministerial voltado à construção de uma Política Nacional de Cuidados no Brasil. Em face da guinada ultraconservadora e pós-neoliberal da gestão Bolsonaro, no que se inclui a postura "anti-gênero" de Damares Alves, a decisão de quais direitos e obrigações relacionam-se ao cuidado traz desafios que extrapolam aqueles comuns à pactuação de uma política pública. Isso porque três frentes de interesses disputam o desenho da política: o familismo; as demandas feministas sobre o trabalho de cuidado; e os movimentos de pessoas que necessitam dele. Nesse contexto, a elaboração de políticas para quem cuida e quem precisa de cuidado sofre influência de noções de gênero, sexualidade, parentesco, muitas vezes divergentes, e a visão majoritária impacta de modo a instituir ou afastar o conservadorismo. Diante disso, neste trabalho, pretendemos analisar a construção da política nacional de cuidados, por meio de uma abordagem etnográfica documental de publicações oficiais nas páginas do Governo Brasileiro, transcrições das reuniões interministeriais já realizadas e manifestações de diferentes sujeitos envolvidos na produção da política. Tomamos como pressuposto ser o cuidado uma necessidade de todas as pessoas ao longo da vida, com maior demanda vinda de crianças, idosos, pessoas com deficiência e doentes. Ao mesmo tempo, o que os estudos sobre cuidado têm demonstrado é que dimensões como gênero, raça e classe social impactam de modos diversos o recebimento ou provimento dos cuidados. É razoável afirmar que, de modo geral, o trabalho do cuidado é na maior parte das vezes realizado por mulheres e, em muitos casos, sem reconhecimento ou remuneração. Regular o cuidado, seus direitos e deveres, em uma única política integrada é um passo para a efetivação da cidadania dos grupos que cuidam e recebem cuidados, mas que não pode ser pensada sem levar em consideração desigualdades estruturais. Discursos conservadores sobre o cuidado relegam às famílias a responsabilidade do trabalho do cuidado, fazendo com que, por vezes, o cuidado ofertado não seja o melhor possível ou, em outros casos, restrinjam a autonomia do sujeito que necessita dele. Nesse sentido, importa observar a construção da política e como se darão as negociações em torno de representações sociais sobre gênero e sexualidade, sobre raça, classe e deficiência, questionando ou reproduzindo ideias como o "papel feminino", a desvalorização desses trabalhas, a "incapacidade" de certos grupos e outros. Por se tratar de um tema de cidadania e direitos humanos, urge que o cuidado não seja tratado como algo meramente doméstico ou de ordem privada.