Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 096: Sexualidade, gênero, raça e territorialidades: articulações, pertencimentos e direitos em disputa
Entre o "dom" e o "mérito": notas sobre o recrutamento de mulheres e formação de novas lideranças de
ultradireita
Sobretudo na última década, o Brasil tem sofrido instabilidades fundamentais e reorganizações em suas
dinâmicas políticas e institucionais com a ascensão de lideranças de extrema direita, culminando na eleição
de Jair Bolsonaro para presidência do país em 2018. Em consonância com esse movimento, observamos também a
rápida ampliação no número de mulheres em partidos de direita ocupando cargos decisórios no país, em
particular nos poderes legislativo e executivo. Por exemplo, o Partido Liberal (PL) e o Republicanos (atual
partido de Jair e Michelle Bolsonaro e de Damares Alves, respectivamente), nunca haviam eleito sequer uma
mulher à Câmara Federal, mas entre 2019 e 2023 tiveram as duas maiores bancadas femininas da casa. O
crescimento do número de mulheres com orientação política de extrema direita neste e em outros espaços tem
sido investigado por estudos recentes aos quais o presente trabalho pretende se somar. Nele, proponho
analisar o processo de recrutamento e formação política de novas filiadas ao PL e de potenciais candidaturas
para as eleições municipais de 2024. Embora Lula (Partido dos Trabalhadores) tenha vencido a presidência em
2022, o PL tem ampla maioria na Câmara Federal e teve o maior número de novos senadores eleitos no pleito.
Em 2023, o partido investiu no relançamento da preexistente, mas até então adormecida, plataforma PL Mulher,
agrupando diversas pautas na interface do gênero, sexualidade e racialidade. Michelle Bolsonaro assumiu a
presidência da plataforma desde março de 2023, e nomeou como sua vice, a deputada federal Amália Barros. A
partir de análise documental em registros de acesso público, descrevo duas de suas principais estratégias de
ação: os encontros estaduais, que têm sido realizados em diversas cidades desde a nomeação de Michelle à
presidência da "célula feminina" do partido; e a recém-lançada "academia brasileira de política
conservadora", que reúne materiais pedagógicos com recursos informacionais às novas filiadas e possíveis
candidatas pelo partido. A partir de atuações majoritariamente relacionadas a uma moralidade ultraliberal,
baseada na família cis-heterossexual, na negação intransigente do abortamento legal e no construto
frequentemente acionado da ideologia de gênero e da "violência ideológica", o PL Mulher tem difundido um
discurso que transita entre o "mérito" e o "dom" das "mulheres de bem" para ingresso na carreira política,
desembocando na naturalização das desigualdades fundadas nas relações sociais.
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