ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 096: Sexualidade, gênero, raça e territorialidades: articulações, pertencimentos e direitos em disputa
Entre o "dom" e o "mérito": notas sobre o recrutamento de mulheres e formação de novas lideranças de ultradireita
Sobretudo na última década, o Brasil tem sofrido instabilidades fundamentais e reorganizações em suas dinâmicas políticas e institucionais com a ascensão de lideranças de extrema direita, culminando na eleição de Jair Bolsonaro para presidência do país em 2018. Em consonância com esse movimento, observamos também a rápida ampliação no número de mulheres em partidos de direita ocupando cargos decisórios no país, em particular nos poderes legislativo e executivo. Por exemplo, o Partido Liberal (PL) e o Republicanos (atual partido de Jair e Michelle Bolsonaro e de Damares Alves, respectivamente), nunca haviam eleito sequer uma mulher à Câmara Federal, mas entre 2019 e 2023 tiveram as duas maiores bancadas femininas da casa. O crescimento do número de mulheres com orientação política de extrema direita neste e em outros espaços tem sido investigado por estudos recentes aos quais o presente trabalho pretende se somar. Nele, proponho analisar o processo de recrutamento e formação política de novas filiadas ao PL e de potenciais candidaturas para as eleições municipais de 2024. Embora Lula (Partido dos Trabalhadores) tenha vencido a presidência em 2022, o PL tem ampla maioria na Câmara Federal e teve o maior número de novos senadores eleitos no pleito. Em 2023, o partido investiu no relançamento da preexistente, mas até então adormecida, plataforma PL Mulher, agrupando diversas pautas na interface do gênero, sexualidade e racialidade. Michelle Bolsonaro assumiu a presidência da plataforma desde março de 2023, e nomeou como sua vice, a deputada federal Amália Barros. A partir de análise documental em registros de acesso público, descrevo duas de suas principais estratégias de ação: os encontros estaduais, que têm sido realizados em diversas cidades desde a nomeação de Michelle à presidência da "célula feminina" do partido; e a recém-lançada "academia brasileira de política conservadora", que reúne materiais pedagógicos com recursos informacionais às novas filiadas e possíveis candidatas pelo partido. A partir de atuações majoritariamente relacionadas a uma moralidade ultraliberal, baseada na família cis-heterossexual, na negação intransigente do abortamento legal e no construto frequentemente acionado da ideologia de gênero e da "violência ideológica", o PL Mulher tem difundido um discurso que transita entre o "mérito" e o "dom" das "mulheres de bem" para ingresso na carreira política, desembocando na naturalização das desigualdades fundadas nas relações sociais.