ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 094: Saberes Localizados, escritas de si e entre os seus: desafios político-teóricos e metodológicos nas práticas etnográficas
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Coordenação
Leandro de Oliveira (UFMG), Moisés Alessandro de Souza Lopes (UFMT)

Resumo:
Historicamente, a Antropologia tem sido marcada por um viés coletivista/ objetivista, em detrimento da atenção à subjetividade, ao "biográfico" e à experiência pessoal. Nos anos 1970 surgem etnografias em que a/o autora/o se constrói como personagem ativa, na interação com interlocutores ou na explicitação de sua trajetória e posicionamentos político-epistemológicos. Esta antropologia reflexiva é coetânea à formação de pesquisadoras/es oriundas/os de comunidades tradicionais, que recorrem à escrita de si (e entre os seus) na etnografia, focando o pertencimento coletivo mais que a experiência interior. Tais abordagens, por vezes rotuladas como autoantropologia ou autoetnografia, foram alvo de suspeição por seu suposto individualismo e não-cientificidade. Gerando polêmica e tensão criativa no campo, contribuem para a crítica ao presente e autoridade etnográficas, para a reflexão sobre aspectos ético-políticos e metodológicos da pesquisa, e a construção de "saberes localizados" (Haraway, 1995). O GT dá continuidade a grupo iniciado na XIV RAM (2023), congregando etnografias junto a grupos/ categorias a que a/o pesquisadora/o pertence (transexuais e outras pessoas LGBTI+; indígenas; pessoas negras; mulheres cisgênero; etc), e contemplando abordagens plurais (epistemologias negras feminista e transfeminista; escrevivência; etnografia entre parentes; estudos sobre branquitude e cisgeneridade; etc). Desejamos fomentar a reflexão comparativa sobre potencialidades destas abordagens.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A filosofia Africana e as potencialidades das abordagens que recorrem a escrita de si no contexto da pesquisa em educação
Alessandra Maria da Silva Gomes (UFMG)
Resumo: Na pesquisa qualitativa se tem agregado conhecimento e sentidos aos fatos estudados na esteira da Ciências Sociais e Humanas fazendo com que a investigação, na área da educação, possibilite problematizar e fomentar as discussões em torno do pertencimento dos pesquisadores, ao locus investigativo e a importância da utilização de sua subjetividade como perspectiva metodológica para análise de dados. Para tanto, se tem exigido um processo de familiaridade/estranhamento onde se faz uso das impressões pessoais para refletir ao mesmo tempo, o papel de investigador e de participante da pesquisa, pautando-se em um engajamento que ao perpassar a experiência e a vivência no terreno da coletividade, contextualiza a cultura do grupo social de imersão. Nesse âmbito, a metodologia rotulada autoetnográfica permeia o estudo, servindo de bússola para as análises e interpretações dos dados gerados. Essa abordagem converge para uma postura autoreflexiva que, como ferramenta de prática, permite a valoração da subjetividade do pesquisador/participante ao levar em consideração seus valores e saberes. Ao utiliza-la o pesquisador anseia à uma descolonização acadêmica marcada pela busca de uma abertura ampla ao conhecimento, em um exercício que torna possível uma autonomia na escrita oferecendo uma sobreposição/neutralização do gênero científico-literário típico da modernidade que, sob a perspectiva de uma cultura dominante, impôs seus aspectos eurocêntricos, hegemônicos, onde a subjetividade do pesquisador é irrelevante e, portanto, são desconsideradas nas práticas de análise e nas práticas discursivas das pesquisas, inclusive as de cunho qualitativo. Defendo que na investigação na área da Educação, assim como na Antropologia, a relação de uma pessoa com o saber exige um entrelaçamento de si própria com o outro e uma abertura a um mundo social no qual, o pesquisador, ocupa posições das quais ele é elemento ativo, permitindo deitar o olhar a influência da própria subjetividade para a operacionalização da pesquisa. Palavras-Chave: Racismo religioso; Educação; Autoetnografia.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A língua de resistência do quilombo raiz: O valorar da cultura e identidade local
Andreia Ferreira dos Santos Ribeiro (UFVJM), Josélia Barroso Queiroz lima (UFVJM), Marivaldo Aparecido de Carvalho (UFVJM)
Resumo: Esta comunicação tem como objetivo tecer reflexões a partir da pesquisa de mestrado que se encontra em fase de desenvolvimento e que se concentra na análise da importância cultural de uma língua específica utilizada entre os membros do quilombo de raiz, localizado no Município de Presidente Kubitschek, mg, em contextos de interação. Nesta perspectiva, encontro-me em um duplo lugar, de pesquisadora e de jovem liderança, que possui vínculos profundos com esse território, mantendo laços sólidos com a cultura e a identidade quilombola, incluindo a tradição de apanhar flores sempre-vivas. Para além da questão do conhecimento linguístico enquanto afirmação identitária e territorial, a pesquisa proporciona contribuições significativas quanto ao meu papel de pesquisadora envolvida com uma pesquisa em seu próprio território. Nesse contexto, buscarei refletir sobre as dificuldades que reside em adotar uma perspectiva externa à comunidade para compreender os aspectos internos a esta dinâmica; sobre como lidar com um sistema acadêmico no qual o comitê de ética em pesquisa (CEP) questiona o meu papel de pesquisadora por encontrar-me profundamente imersa no território; dos desafios inerentes aos conflitos entre a prática de escrever e a vivência cotidiana, além de redefinir a compreensão do tempo entre ser pesquisadora e liderança. Como afirma Conceição Evaristo a respeito da elaboração da sua dissertação de mestrado, este foi um momento no qual a escritora iniciou um processo "entre escrever-viver", "escrever-se-ver" e "escrever-se-vendo", culminando no termo "escrevivência”. A origem dessa ideia vem de um fundamento histórico, que é o processo da escravidão dos povos africanos. Segundo a autora, a nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande, e sim para acordá-los de seus sonos injustos”. Pretendo expor que a escrevivência é de grande importância, pois me permite contar a minha própria história e ser a pesquisadora da minha herança cultural, dando voz às experiências, memórias e perspectivas do meu povo, a partir de um olhar de dentro do território. Como afirmado por simone weil (2022) quem é desenraizado desenraiza. Quem é enraizado não desenraiza”. Trago comigo as palavras não ditas, espaços não ocupados. Pois como nos lembra Ecléa Bosi o vínculo com o passado, que é vital, porque dele se extrai, a seiva para a formação da identidade. Nesse sentido também está a noção de direito ao enraizamento, de Simone Weil, para quem este é um direito humano semelhante a outros direitos ligados à sobrevivência do homem (Bosi, 2012: 199).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Experiências religiosas: explorando a reflexividade e os saberes situados na pesquisa etnográfica na Congregação Cristã no Brasil
Carlijaniele dos Santos Silva (UFRN)
Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir a transformação da abordagem antropológica ao longo do tempo, especialmente em relação à inclusão da subjetividade, narrativas pessoais e saberes situados na pesquisa etnográfica por meio da revisão bibliográfica. A produção antropológica dedicada à reflexão sobre a subjetividade e à condição situada da produção do conhecimento experimentou um notável crescimento por ocasião da virada antropológica. Este aumento de interesse reflete uma mudança de paradigma na disciplina, que passou a reconhecer a importância de considerar as perspectivas e experiências subjetivas dos pesquisadores no processo de investigação. Gilberto Velho (1978), Neuza dos Santos (1983), José Cantor Guilherme Magnani (1984), Lélia Gonzáles (1984) entre outros, corroboram com essa discussão ao mergulhar profundamente na realidade social e cultural analisando aspectos como relações de vizinhança, formas de sociabilidade, práticas religiosas, expressões culturais, discriminação racial, movimentos de resistência e dinâmicas de poder incorporando sua própria experiência como pesquisador(a) ao texto, compartilhando suas reflexões e impressões pessoais sobre o campo. Nesse sentido, incorporo parte de minha experiência adquirida durante a pesquisa etnográfica que deu origem a minha dissertação de mestrado, destacando a importância de estar "de perto e de dentro" da comunidade estudada, participar ativamente da vida cotidiana dos interlocutores e compreender suas perspectivas a partir de uma posição de empatia e proximidade ao mesmo tempo em que assumo uma postura crítica e reflexiva em relação ao meu papel como pesquisadora, reconhecendo os desafios e limitações da prática etnográfica. Por tratar-se de um estudo bibliográfico incorporado em uma pesquisa etnográfica mais ampla sobre religião e saúde pública entre membros da Congregação Cristã no Brasil, instituição na qual permaneci como membro por doze anos, onde todos me são familiares e me consideram membro, apesar de meu afastamento, reconheço que essa posição peculiar me possibilitou, nos termos de Berger, repensar experiências religiosas com um olhar reflexivo direcionado a cosmovisão do grupo, observando como ela se reapresenta para mim, levando em consideração minha atuação enquanto pesquisadora, além de me dar acesso aos membros e suas representações socioculturais tendo acesso a discursos que destoam do que é politicamente correto para o grupo, o discurso normatizado, que frequentemente encontramos em pesquisas sobre o grupo. Assim, discutimos questões éticas, metodológicas e teóricas, buscando constantemente aprimorar abordagem etnográfica e contribuir para o desenvolvimento da Antropologia Urbana no Brasil. Palavras-chave: Etnografia; subjetividades; reflexividade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Eu sou, como ele é: reflexões sobre os desafios e as potências do trabalho de campo realizado em casa”
Cassio Oliveira dos Santos (UFPE)
Resumo: O fazer etnográfico demanda dos seus praticantes uma constante atenção acerca de método, autoria, ética, bem como, sobre o lugar da subjetividade e os limites nas relações estabelecidas entre o pesquisador e o objeto estudado. Nesse sentido, este trabalho busca abordar quais os desafios, dilemas e possivéis vantagens ou desvantagens que surgem no exercício do trabalho de campo, considerando a natureza dinâmica das interações entre o antropólogo e os sujeitos que compõem a questão investigada quando estes, compartilham de certa maneira uma mesma realidade, como por exemplo: ser homem (cisgênero), negro e periférico. Em outras palavras, quando estes comungam de aspectos da experiência de gênero que se processam dentro de uma lógica patriarcal, racista e capitalista. Tal reflexão de cunho metodológico emerge da minha pesquisa de doutorado recém iniciada que se preocupa em investigar a produção e performance da masculinidade de homens negros cisgêneros, residentes na periferia de Salvador- Bahia, sendo que eu, o antropólogo, sou como eles são.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Escrevivências Episódicas: tensões entre as noções de "sujeito", "objeto", "autoria" e "temática" no registro de si e do outro dentro da escrita etnográfica.
Daniel de Oliveira Baptista (UFMG)
Resumo: Partindo do interior das regras e práticas acadêmicas institucionais, esse trabalho procura analisar como discentes cotistas negros, negras, indígenas e PCD's tem o seu reconhecimento enquanto sujeitos, e produtores e produtoras de conhecimento, negado a partir de uma leitura muito específica de suas ações e comportamentos dentro da estrutura institucional da Universidade Federal de Minas Gerais, e, mais especificamente, do PPGAN-UFMG, a comunidade acadêmica estudada em questão. Este trabalho procura mostrar como suas ações e comportamentos não são lidas pela instituição acadêmica, pelos membros de sua comunidade, assim como parte do corpo docente da instituição, como legítimos ou apropriados, na medida em que os significados previamente estabelecidos pela instituição têm por referencial as noções e práticas da chamada "tematização" de corpos e sujeitos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A antropologia e os outros, e o outro que sou eu: reflexões sobre um trabalho de campo feito por e com mulheres negras em deslocamento
Elisa Hipólito do Espírito Santo (Afro-Cebrap)
Resumo: A proposta deste texto nasce de alguns questionamentos e reflexões que surgiram durante os quatro anos em que realizei um trabalho de campo e de pesquisa junto com mulheres negras imigrantes na cidade de São Paulo. Sendo eu uma mulher negra, pesquisadora, belorizontina, que já foi imigrantes e que agora mora em uma cidade outra que não a sua natal. Reflexões essas que se misturam à sentimentos e compartilhamentos mútuos e distintos das experiências de sermos corpos femininos negros em constante trânsito. Diante dessa convivência intensa se fez necessário e imprescindível durante a escrita da dissertação falar de mim e como o meu corpo se coloca em campo: como o campo me comove, tornando a minha escrita constituída da minha subjetividade e história. Sendo assim, no presente texto, inicialmente analiso e retomo as discussões sobre os distanciamentos e aproximações entre pesquisadores e interlocutores, já que foram movimentos que vivenciei e me questionei durante todo esse processo. Posteriormente dialogo com as colaborações de autoras e autores que defendem o pesquisar de perto e de dentro, de construir uma pesquisa encarnada (Nascimento, 2019; Messeder, 2020) e com posicionamento político associada ao desejo de uma Ciências Sociais e de uma Antropologia aberta para a escrita de si, da escrevivência, atenta às subjetividades e apta às reelaborações.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mochila, estrada e uma etnografia viajante pela América do Sul
Ester Paixão Corrêa (UFRN)
Resumo: O objetivo deste trabalho é compartilhar uma experiência de pesquisa multissituada que envolveu sentir a viagem no corpo enquanto mulher que viajava de mochila. Fazer uma etnografia viajante foi sentir a experiência etnográfica no corpo. Por meio de um mochilão etnográfico, nos anos de 2019-2020, decidi jogar o corpo no mundo para construir as rotas da pesquisa do doutorado pela América do Sul. Essa experiência etnográfica envolveu a subjetividade da pesquisadora: meu corpo e minhas emoções fizeram parte das rotas da pesquisa. As estratégias metodológicas que transitaram comigo estavam relacionadas com a experiência pessoal e a coragem enquanto viajante. A perspectiva da Antropologia Feminista considera colocar em evidência as subjetividades, como uma forma de produzir conhecimento situado. Desde a minha dupla posição na estrada, ser uma pesquisadora mulher viajando – sozinha, em vários trechos – impôs limites espaciais, temporais e emocionais à pesquisa, trazendo à tona a questão do gênero na prática etnográfica, da mesma forma que meu ser viajante me empurrava para deixar fluir o movimento da estrada, algo que está relacionado ao campo da intuição. Experimentei sensações outras além da visual e da auditiva. Os encontros com alteridades acionavam as localizações e as posições em campo, além de conectar-me com diferentes mulheres com quem partilhava das experiências fronteiriças. O corpo-pesquisadora que viajava era também um território, o lugar ao qual pertenço está inscrito no meu corpo. Ser uma mulher afro-indígena, amazônida, interiorana, artista, pesquisadora e viajante, acionaram diferentes movimentos e rumos. Tais marcadores eram ativados nos contextos de pesquisa, me lembrando dos lugares que meu corpo ocupa no mundo. A prática etnográfica se construiu marcadamente a sombra da prática de viagem masculina heroica, na qual os deslocamentos por longas distâncias eram desaconselhados para as mulheres. Ainda vivenciamos isso, a estrada é visto como um lugar perigoso para as mulheres. Os desafios em pesquisar em um contexto cultural, que é familiar, mas instável, exigiu estar em trânsito em cinco países diferentes, cruzando diferentes fronteiras culturais e linguísticas, circulando por espaços/lugares em meio a instabilidade política e sanitária. A vulnerabilidade, o medo da violência de gênero e do abuso sexual era recorrente e compartilhado. O prazer da viagem também. Estes atravessaram os sentidos de ser mulher fazendo um trabalho de campo que é móvel, que se desloca, que expõe. Expor as minhas flutuações entre as identidades que circulavam durante a prática etnográfica, podem mostrar que as nossas pesquisas são marcadas por aspectos das nossas trajetórias, identidades, prática e valores, pois estes marcam as relações intersubjetivas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Uma carta de amor, luta e cuidado: quando a escrivivência de trabalhadoras domésticas impacta no pesquisar feminista
Gabriela Maria Vieira dos Santos (UEMG)
Resumo: Por muitas vezes, as trabalhadoras domésticas são faladas por outrem, descrevem essas como aquelas que estão sempre dispostas a servir e como máquinas de trabalho. Mas pouco é considerado daquilo que elas desejam falar e construir sobre suas próprias histórias e memórias. Colocada esta problemática, o presente trabalho é um texto fruto do meu trabalho de conclusão de curso que se caracterizou como um ensaio acadêmico que se trata de uma carta-ensaio feita com e para trabalhadoras domésticas. Sendo uma estratégia de possibilitar encontros, afetos e cuidado com aquelas que são colocadas em posição de subalternidade constantemente. Para tal, a carta elaborada se constitui com diferentes intelectuais: trabalhadoras domésticas, ativistas, teóricas e familiares. Logo, o texto articula e argumenta a partir das epistemologias feministas negras como as nossas pesquisas são articuladas com nossos corpos, cotidianos e territórios. Sendo realizado uma carta que se divide em três momentos: um primeiro no qual me apresento para as trabalhadoras domésticas e digo para minhas leitoras dos meus processos de escrevivência. Nesta carta utilizo de minhas vivências enquanto filha e neta de trabalhadoras para refletir como é desenvolver uma pesquisa que aborda a temática daquelas que me cercam; a segunda carta do ensaio busquei evidenciar como as leituras de narrativas feitas por domésticas proporciona um novo repertório para pensarmos mudanças em tal contexto, algo que possibilita criamos novos imaginários a partir da coletividade proporcionada pelas autoras; por último uma carta direcionada a articulação entre teóricas que demonstram como o ato de escrever possibilita o registro de histórias mal contatas e o enfrentamento das opressões a partir da perspectiva de quem tem o corpo violado. A pesquisa demonstra como a escrita é algo que está para além das normas academistas coloniais, podendo reinventar mundos e contar histórias mal contatadas sobre o corpo da mulher trabalhadora doméstica. Desse modo, compreendo como pesquisar com as domésticas, investigar como elas resistiam a partir de suas escritas, me fez repensar a própria estrutura e metodologia da pesquisa, fazendo com que o texto produzido não fosse apenas algo distante daquelas que eram sujeitas da pesquisa.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Eco - Uma Nova Grafia do Meu Nome ou Como Eu Me Sinto uma Pessoa Trans: Reflexões em diálogo com Zora Neale Hurston e Audre Lorde
Ian Lofego Silveira (UFMG)
Resumo: Neste ensaio, estabeleço conexões com as autoras Zora Hurston e Audre Lorde enquanto construo textualmente minha própria identidade e descrevo meu processo de escrita, por vezes de forma íntima até demais. A partir da narração recortada pelas categorias da transgeneridade, da branquitude, da neurodivergência e da classe, dialogo com essas e outras autoras, desenvolvendo fluxos de consciência que se inspiram no gênero literário batizado por Lorde de biomitografia, qualificando o trabalho dentro da categoria de pastiche.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Notas sobre contingências em campo: recusando (e aceitando) a categoria "mulher"
Isabela Venturoza de Oliveira (FESPSP)
Resumo: Este trabalho visa recuperar reflexões a partir de minha experiência de pesquisa e ativismo no campo de estudos e intervenções com homens e masculinidades em contextos de violência de gênero. Em um primeiro momento, acompanhei (do lado de fora) um grupo reflexivo com homens denunciados por crimes de violência contra a mulher. Mais tarde, além de me tornar facilitadora nos grupos, também iniciei uma pesquisa de doutoramento sobre as relações entre homens e feminismos e as possibilidades (e tensões) em torno das categorias "homem feminista", "homem pró-feminista" e "homem aliado dos feminismos". Nesse processo, para além de mapear os sentidos quanto à própria categoria "homem", também fui obrigada a me confrontar com a forma com que eu mesma, pesquisadora, era (e sou) lida em campo. Do lado de cá, observar minha subjetividade e meu corpo sendo descritos a partir da palavra mulher, como se seu significado fosse auto-evidente, me causara e continua causando certa aflição. Ser descrita (e estabilizada) pela palavra/conceito mulher, de maneira exógena, evidenciava a operação que faz com que o gênero seja não apenas algo que descreve corpos e sujeitos, mas principalmente o que os normatiza, regulando o que podem ou não ser e fazer no mundo (Butler, 1990, 1993). Assim, o que me parece interessante salientar é que, pesquisando e atuando com homens, meu olhar esteve desde o início provocado pela percepção quanto aos movimentos que atribuem sentido a corpos e sujeitos determinando exatamente o que podem ser ou fazer. E, na mesma medida, isto me leva a estar permanentemente atenta aos sujeitos que não aceitam os sentidos atribuídos nas permanentes operações que nos posicionam de modo a nos fazer caber em alguma sorte de coerência" dentro de arranjos pré-determinados (não só de gênero, mas também a partir de outros marcadores sociais da diferença). Quando penso aqui na palavra mulher" que me foi oferecida em tantos momentos, os problemas de gênero de Judith Butler questionando os limites da linguagem e das políticas de identidade se juntam à Sojourner Truth, de Ain't I a woman?”, me fazendo lembrar que o meu desconforto com a palavra não é um mero capricho linguístico. Ao contrário, ele se relaciona à consciência de que a escolha e o uso das palavras também colocam em ação e efetivam projetos políticos. E, nesse sentido, quando acompanho homens e os vejo se afirmando feministas, pró-feministas, aliados do feminismos ou sendo constrangidos por utilizarem tais palavras, estou precisamente acompanhando campos discursivos de ação (Alvarez, 2014) que nos sinalizam sobre possibilidades e desafios de um passado, presente e futuro feministas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Meu Corpo é Político, Coletivo E Re(ex)sistência
Jéferson Oliveira Morais (es)
Resumo: O objetivo desta produção intelectual repousa em analisar, a partir da minha trajetória universitária, as nuances da incidência do racismo estrutural e como suas tecnologias opressivas configuram este espaço de poder. Justifica-se por ser um ato político que quebra o meu silenciamento; poder falar sobre a minha história - que se parece com tantas outras - é contribuir ativamente para o desmonte do sistema que cristaliza minha opressão. A metodologia utilizada foi de caráter autoetnográfico, que consiste em uma abordagem etnográfica e analítica, em um tipo de fazer específico por sua forma de proceder, ou seja, refere-se à maneira de construir um relato sobre um grupo de pertença, a partir de si mesmo. Dessa forma, este trabalho pretende dar luzes ao silenciamento das camadas profundas da minha própria experiência, tecendo uma narrativa que transcende o pessoal para abraçar o cultural e o social. Ao adotar essa abordagem, espero proporcionar uma compreensão contextualizada das interseções que fazem meu corpo ser marginalizado em todos os âmbitos da sociedade em virtude do racismo estrutural, assim como todos os corpos não brancos. Antecipo uma jornada reflexiva, na qual cada lembrança se torna uma peça no quebra-cabeça mais amplo da minha identidade, desafiando-me a explorar não apenas o "eu", mas também a teia de influências que moldam minha história. Utilizei também uma base de dados secundários referentes ao funcionamento da Universidade, junto a um referencial bibliográfico de pesquisadores clássicos e decoloniais, como Silvio Almeida, Bell Hooks, Conceição Evaristo, Pierre Bourdieu, Frantz Fanon, Neusa Santos Sousa, Paulo Freire, Grada Kilomba e outros, como categoria de análise. Por conseguinte, foi posto em evidência a dicotomia acadêmica e educacional que apresenta um potencial transformador e opressor para pessoas negras, visto que ao mesmo passo que ela emancipa estes corpos da alienação colonial, ela consegue amarrá-los ao fazer a manutenção do sistema Racista. Dessa forma, pode-se concluir que, embora ela apresente em sua totalidade epistêmica e na sua configuração institucional o caldo do discurso colonial, ela ainda é um dos maiores vetores para a negritude - como também outros grupos marginalizados - alcançar a tão sonhada ascensão social, e que permanecer e concluir o percurso é, sem dúvidas, re(ex)sistência.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Da dificuldade de acesso ao campo na autoetnografia
Júlia Mistro Rodrigues (UFRGS)
Resumo: Brevemente: existem dois perigos no fazer autoetnográfico: o primeiro deles é a dissolução completa da perspectiva de um invólucro em torno do Eu – que o faria uma unidade fechada em relação à outras unidades igualmente fechadas com as quais esse eu estabeleceria vínculos, os Outros – o que acarreta, em maior ou menor intensidade, uma sensação muito vívida de dissolução de si, uma percepção exacerbada de que existem extensas zonas e fluxos desconhecidos nesse Eu e uma crescente dúvida sobre se, de fato, esse Eu sequer exista; o segundo perigo, muito maior, é que o primeiro não ocorra. A noção de um sujeito atômico, egocêntrico, auto-interessado, competitivo e amedrontado do modelo político-liberal moderno (contratualista) como descreve Zirbel (2016), faz com que exista também a presunção de que sabemos tudo de nós mesmas, quem somos. Mas as teorias do cuidado nos convidam a pensar em outro tipo de sujeito: um self relacional que não se constitui de modo autônomo, mas são resultado das interações com os demais: a maior parte de nós mesmas é, então, por nós desconhecida, nós não sabemos a priori quem somos ou esses tantos fluxos constantes que nos constituem, enquanto as teorias da imagem tensionam os modos de autopercepção e da relação entre o Eu e o Outro – como, por exemplo, o mito de Narciso. A autoetnografia me parece olhar para isso que nos compõem com o compromisso de realizar uma implosão de si (Dumit, 2014), com uma dúvida um olhar direcionado, sim, mas olhar para essa vastidão de nós que desconhecemos com o compromisso de etnografá-la, percebendo o outro dentro de si como algo que é e não é o si mesmo. Essa zona desconhecida não pode seguir (e não segue) infinitamente, é importante e configura um sujeito de pesquisa que care about o estabelecimento de cortes (Strathern, 2017). E dio surgem questões: o que acontece quando usamos o cuidado como uma forma de cortar a rede que nos constitui e que permite o fazer autoetnográfico? E a pesquisa já em andamento oferece uma resposta: somos convidadas a implodir a nós mesmas – e, pode não parecer, mas essa é nossa melhor opção – e é o que proponho realizar neste trabalho em que, esmiuçando alguns desafios do fazer autoetnográfico e os cruzando com reflexões das teorias do cuidado e da imagem, tensiono a por vezes falsa presunção de facilidade de acesso ao campo nesse tipo de pesquisa para, com isso, contribuir com uma reflexão sobre o narcisismo na autoetnografia.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Reflexões e afetos contra-hegemônicos
Keo Silva (UFSC)
Resumo: A proposta desse ensaio/relatório, foi construir a partir da articulação entre as perspectivas teóricas abordadas em uma aula durante meu período de doutoramento e seus efeitos. Considerando uma perspectiva interdisciplinar onde dialogam questões relacionadas aos afetos/afetações, ao corpo, questões relacionadas à produção de conhecimento, perspectivas descoloniais e algumas questões referentes a bibliografia sugerida para aula. Tal experimento versa sobre uma descrição autoetnográfica da aula, comentarei sobre algumas menções feitas por colegas de turma e professores na sala de aula. Seguido de breve reflexão teórica sobre tais temas, que apareceram em forma de insights e reflexões, desse modo considero uma forma de compartilhar o relatório como uma parte dos meus cadernos de campo. A primeira etapa do ensaio versa sobre as temáticas das autoras trabalhadas no dia da aula sobre a arte, a interpretação e os artifícios das cidades imaginadas. E como a partir disso emergiram os primeiros insights que acabaram por construir uma cidade imaginada na sala de aula. A segunda etapa versa sobre reflexões sobre corpo dentro de uma abordagem interdisciplinar e descolonial, resgatando o argumento de quais corpos são permitidos nos espaços de ensino, desde locus de enunciação em que não corresponda ao estatuto de objeto de investigação. A terceira etapa dialoga sobre a produção de conhecimento, no ímpeto de tecer uma crítica a perspectivas hegemônicas que desconsideram o campo da produção do saber elaborado por novos sujeitos nos espaços acadêmicos. A partir da ideia de cibercidade problematizo as perspectivas dos diferentes modos sensoriais sobre como diferentes corpos são afetados pela cidade. Palavras-chaves: autoetnografia; cidades imaginadas; cisnormatividade;

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mulheres negras, famílias e trabalho subalterno: práticas etnográficas a partir de um olhar de dentro”
Layla Gomes da Silva (.)
Resumo: Este trabalho propõe refletir sobre a realidade social de mulheres negras que experenciaram em suas vivências o trabalho subalterno, no qual a família tende a apresentar-se enquanto uma instituição que naturaliza e reproduz eixos de subordinação, repercutindo nas subjetividades desses sujeitos e no seu assujeitamento em diversas instâncias da vida, dentre elas, no mundo do trabalho. Esta proposta é um desdobramento da minha pesquisa de dissertação, uma pesquisa etnográfica, centrada na análise de histórias de vidas de três mulheres negras residentes de Rio das Ostras (cidade da baixada litorânea do estado do Rio de Janeiro), com idade entre 55 e 69 anos e que em comum possuem trajetórias marcadas por diversos tipos de violências e relação com o trabalho doméstico (infantil), função que, historicamente, materializa a subordinação de gênero, raça e classe de modo imbricado. Destaco ainda que em minha pesquisa uma das pesquisadas trata-se da minha mãe, sendo, portanto, a minha família etnografada. Nesse contexto, eu, enquanto mulher negra da classe trabalhadora, filha de ex-trabalhadora doméstica, que geralmente seria lida apenas enquanto objeto de conhecimento, venho ocupando espaço na academia (tal qual outros grupos marginalizados), enquanto pesquisadora, desenvolvendo esta pesquisa a partir de um lugar proximidade, não alheia ou externa ao campo, mas enquanto um sujeito que teve a vida condicionada por eixos de subordinação de gênero, raça e classe e que observou de perto o contexto de exploração e opressões que incidiam sobre familiares e pessoas do meu ciclo social. Por fim, embaso-me epistemologicamente na teoria crítica do feminismo negro, na teoria decolonial e interseccional. Palavras-chave: interseccionalidade, trabalho subalterno, família, práticas etnográficas. 

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Textos, tempos e composições que (se) transformam: coescrita como experimentação etnográfica frente à AIDS e suas linguagens de dor
Lucas Pereira de Melo (USP)
Resumo: Esta comunicação toma como eixo a construção de relações com uma interlocutora no contexto de uma etnografia interessada em descrever experiências de sofrimento social entre pessoas que vivem com HIV/AIDS no Brasil. Durante uma de nossas conversas, em março de 2020, fui afetado pela narrativa de Vanessa Campos, uma mulher amazonense que vive com HIV/AIDS desde 1990, a qual era estruturada por múltiplas experiências de violência que articulavam AIDS, gênero e lugar. Além da perplexidade diante das situações narradas, logo após o início da conversa percebi que a interlocutora tinha algo a falar que, num primeiro momento, parecia dispensar a necessidade do meu roteiro de entrevista. A partir dali, coloquei-me na posição de alguém interessado em escutar e passei a seguir o fluxo narrativo de Vanessa. Esta interlocução me colocou algumas questões: como transcrever o áudio da entrevista e ouvir tudo outra vez? Como ler e reler o texto transcrito? Como analisar e escrever? Como fazer circular entre múltiplas audiências? Como se posicionar como autor naquela narrativa? Como escrever e não matar? Nesta comunicação desenvolvo um relato sobre como a escrita etnográfica se tornou possível no encontro e nas alianças que Vanessa Campos e eu construímos ao longo da nossa interlocução. O propósito é criar um espaço para demonstrar escritas, escolhas, bibliografias, relações, afetos, contextos, argumentos que, como pedras ao pavimentar um caminho, constituem a face do nosso artesanato intelectual que fica ocultada em nossos textos. Assim, elaboro uma experimentação etnográfica mediante a comparação de três textos que escrevi, dois individual e um colaborativamente, ao longo da interlocução com Vanessa entre os anos de 2019 e 2023: (1) uma comunicação oral apresentada num grupo de trabalho da 32ª Reunião Brasileira de Antropologia; (2) a versão revista e ampliada dessa comunicação oral que se transformou num artigo publicado num dossiê sobre os 40 anos da epidemia de AIDS; e (3) o livro SoroposidHIVa, uma mulher na diáspora da AIDS escrito por Vanessa Campos em colaboração comigo e Thiago Oliveira publicado pela Andarilha Edições. Com essas comparações pretendo pensar esses textos como artefatos etnográficos. Faço isso ao colocar em relação três formas textuais: a comunicação em congresso, o artigo científico e o livro; o que abre outras possibilidades de discussão sobre escrita etnográfica e gêneros textuais. Além disso, busco discutir questões como estilos de autoridade etnográfica, autoria/coautoria, escrita/coescrita e, assim, deixar em relevo uma abordagem de etnografia como com-posição: composição com as pessoas com quem nos relacionamos em campo e suas lutas; e com posicionamento político (IMUÊ, 2019).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Falando entre/com os meus: A construção das masculinidades de homens gays no Brasil contemporâneo
Moisés Alessandro de Souza Lopes (UFMT)
Resumo: Esta proposta de trabalho parte de uma investigação que está em desenvolvimento sobre a construção das masculinidades entre homens gays e bissexuais no Brasil contemporâneo analisando especialmente as concepções e interrelações entre saúde, cuidado e sexualidades a partir da metodologia qualitativa e de uma perspectiva multissituada. Nesta pesquisa em desenvolvimento abordo dados que envolvem a relação entre as práticas de (auto)cuidado e as práticas sexuais, em especial as envolvidas com o uso de estratégias de prevenção a ISTs e HIV/Aids tais como, preservativos, profilaxia pré-exposição (PREP), profilaxia pós-exposição (PEP) e vacinas (hepatites, meningite e HPV). Pretendo abordar nesta apresentação como as relações estabelecidas em campo com outros homens são facilitadas, mas ao mesmo tempo dificultadas, pelo fato do pesquisador fazer parte do grupo investigado. É importante dizer que nesta pesquisa pretendo abordar elementos que envolvem uma análise dos marcadores sociais da diferença e como estes constroem na prática uma diversidade de masculinidades, práticas e estratégias de cuidado, agenciamentos das políticas públicas de saúde e, com isso, distintas formas de vivência das sexualidades.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pelo, gordura e odor: branquitude e cisgeneridade materializadas
Nonô Arantes Lima (UFMG), Luana Rodrigues Nascimento (UFMG)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo, através da experiência intelectual corporizada de ambas autoras e da bibliografia selecionada, identificar os cruzos e paralelos das violências que se escondem sob a égide do pacto narcísico da branquitude cisheternormativa’ (NASCIMENTO, 2023). Faremos isso dando atenção especial ao corpo e a algumas categorias de diferenciação que se materializaram enquanto marcas da colonialidade, como os pelos corporais (BRAZ, 2022), a distribuição de gordura corporal (NOVAIS; MACHADO, 2021) e os odores. A semântica do pacto evoca um entrelace de acordos no agir, no existir e também nos momentos/modos de classificação e percepção das alteridades. Assim, não são apenas as nossas concordâncias para com ele (o pacto) que faz a nossa permanência, dependemos de concordâncias terceiras. A pertença num acordo pode ter seus limites, pois para além das parecenças, as diferenças também são cruciais diante de um pacto bem estabelecido e materializado em diversas formas de opressão. Desta forma, a não plenitude dos espelhamentos resulta na ruptura de um pacto e por conseguinte na ausência da proteção que esse acordar pode lhe conferir? Lélia Gonzalez aciona o conceito de denegação em sua compreensão do racismo brasileiro enquanto algo ativado apenas na condição de ser negado. Num momento onde a cisgeneridade e a branquitude, apesar de devidamente conceituadas e engendradas por intelectuais e pelos movimentos sociais, percebemos que há articulações daquelus que acionam tais termos numa condição negatória de forma a arguir a sua suposta não pertença aos pactos que as estruturas proporcionam. Assim, a ideia de saberes localizados (HARAWAY, 1995) torna-se um exercício reflexivo contínuo ou uma citação desconexa? Se sim, para essa última, servira apenas como ferramenta de resgate da disciplina antropológica afetada após crítica pós-moderna? Este trabalho é profundamente marcado pela experiência de corpas que, apesar de diferentes, são afetadas de diferentes formas a partir das três categorias alocadas no título. Se a branquitude, a gordofobia e cisheteronormatividade andam de mãos dadas, não seria mais justo para todes que as proporções das violências sofridas no convívio enquanto diferença’ ou subjetividade Outra’, fossem resguardadas? Aqui não se trata de hierarquizar o sofrimento, mas sim, num movimento de tensionamento, refletir sobre os impactos de categorias que são materializadas em formas de opressão, por vezes sobrepostas, por vezes feitas opacas por marcadores de privilégio.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pesquisada agora e Pesquisadora: Antropóloga Quilombola Kalunga e agora?
Rosiene Francisco dos Santos (UNB)
Resumo: Neste artigo, empreendo uma análise reflexiva sobre minha experiência acadêmica enquanto Quilombola Kalunga, doutoranda em Antropologia Social na Universidade de Brasília. O mesmo foi inspirado na disciplina Métodos e Técnicas de Pesquisa em Antropologia, ministrada pela professora Dra. Soraya Resende Fleischer no primeiro semestre de 2023. No decorrer deste texto, pretendo apresentar minhas reflexões e percepções sobre a intersecção entre minha identidade étnica e cultural e o ambiente acadêmico, tanto como estudante quanto como professora doutoranda na disciplina de Introdução à Antropologia. Para isso, utilizarei uma abordagem autobiográfica coletiva, incluindo a escutavivência de uma intelectual quilombola ( SILVIA 2023) e as cartas produzidas pelos estudantes da graduação, em que fui afetada( FAVRET-SAADA 2005). Trata-se de uma escrita circular, espiralada ou até mesmo sem forma, mostrando a importância da oralidade e da vivacidade em nosso cotidiano quilombola, contrastando com a lógica temporal urbana. Por meio de uma carta dirigida a um "destinatário desconhecido", compartilharei minhas memórias da infância no quilombo, destacando os valores de cuidado, afeto e conexão com a natureza, e principalmente com os ensinamentos do ser tão velho, CERRADO, dentro da universidade. Além disso, neste momento, convido todos a seguirem na estrada cavalheira, cientes de que essa caminhada é marcada por obstáculos e apoios. Espero que estejam preparados fisicamente, pois será uma jornada longa. O Antônio Bispo dos Santos - Nego Bispo, relator/intelectual Quilombola de Saco Curtume, Piauí, já nos lembra que somos começo, meio e começo, e meu grande desafio é manter a linearidade na escrita. Mas por que buscá-la? A circularidade nos permite revisitar e reformular pensamentos, e a repetição na circularidade também reforça os argumentos. Vamos seguir de forma circular, espiralada, as formas da natureza ou mesmo sem definição de forma. Poderia me posicionar como uma outsider within (COLLINS, 2016), porém carrego em minha corporalidade e territorialidade a minha pretitude e etnicidade, ouso a falar que sou outsider within QUILOMBISTA em movimento na universidade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Qual é o seu gênero?": Gênero e sexualidade a partir da experiência de um professor-antropólogo na educação básica
Samue Douglas Farias Costa (UFG)
Resumo: “Gênero e sexualidade são categorias que atravessam a educação básica a partir de várias entradas: normativas curriculares, eventos, projetos e relações interpessoais. Contudo, nem sempre aparecem com os sentidos em que são mobilizadas nas teorias filosóficas e das ciências humanas. Em minha pesquisa de campo na escola em que trabalho como professor de sociologia (ciências sociais), na cidade de Cuiabá (MT), dois interlocutores e colegas de profissão me responderam que são do gênero hétero. A partir dessa situação e de minha posição e experiência como um homem branco, cisgênero, gay, de 32 anos, professor e antropólogo em uma escola pública estadual de Cuiabá, questiono quais são os sentidos e contextos em que gênero e sexualidade aparecem na educação básica e no espaço escolar. Para esta tarefa, descrevo e problematizo documentos curriculares, práticas pedagógicas (minhas e de colegas de profissão) e situações cotidianas entre docentes. A proposta é criar perspectivas parciais e colocar os materiais do campo em relação com teorias de gênero e sexualidade para criar conexões, analogias, deslocamentos e contrastes, o que Marilyn Strathern (2014) denomina de efeito etnográfico.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Na verdade, agora já é desabafo, é o momento de desabafar": reflexões sobre as narrativas de uma liderança quilombola enquanto processo político e epistemológico
Tainá Silva Candido (UNESC), Viviane Kraieski de Assunção (UNESC)
Resumo: Este resumo refere-se a um recorte de uma pesquisa de doutorado em andamento, que considera as narrativas de Tinho, liderança da comunidade quilombola Ilhotinha, como um processo político e epistemológico. Nossa intenção é destacar o percurso da pesquisa, juntamente com as estratégias metodológicas empregadas ao longo do processo. Nos primeiros encontros com Tinho, indagamos sobre sua motivação para narrar sua história de vida e suas preferências em relação à maneira como gostaria de narrar. Além da entrevista, devido ao seu gosto pela escrita, ele escolheu narrar sua história por meio de cartas virtuais endereçadas à sua interlocutora. A pesquisa vem se desenvolvendo com os aportes teóricos de Evaristo (2020), Rivas-Flores et al. (2020), Kilomba (2019), Nascimento (2022), dentre outros. Entendemos que o interesse em partir das vozes subalternizadas não é para obter a verdade”, tampouco buscar validez ou crédito sobre um acontecimento, mas captar a visão que o sujeito tem sobre si mesmo e de seu contexto, bem como o que suas narrativas representam (Rivas-Flores et al., 2020). No entanto, para alguns grupos sociais não basta falar, mas se fazer ouvir (Evaristo, 2020). Quando Tinho cria laços com o campo acadêmico, estrategicamente está buscando o poder de se fazer ouvir, bem como quando escolhe o que narrar. Para Evaristo (2020), palavra mais ação, é autorização. Experiência transformada em texto, auto autorização. Escrevivência. Sobre suas motivações, Tinho fala: na verdade, agora já é desabafo, é o momento de desabafar. Logo, a palavra é a arma para a transformação contínua da história (Nascimento, 2022). A narrativa de Tinho se origina numa perspectiva pessoal, mas contempla uma coletividade, afinal, a comunidade não é sem mim e eu não sou sem a comunidade (Tinho). Assim, percebemos nele uma escrita e narrativa que escancara um incômodo e evidencia uma revolta. Para ele, é necessário contar a história com nosso olhar, sob a nossa perspectiva. Reescrever a história; usar a escrita e a fala como ato político, como passagem de objeto para sujeito (Kilomba, 2019). Potência para desarmar as palavras do inimigo enquanto fortalece palavras enfraquecidas (Santos, 2023). Portanto, acreditamos que a narrativa e sua produção se configuram como agência outra, uma possibilidade narrativa desde a diferença cultural na qual práticas silenciadas de sujeitos sociais subalternizados desvelam a matriz colonial de poder e a naturalização da discriminação racial/étnica e cultural, bem como a produção discursiva de subjetividades em dominadas e dominantes, dando destaque às práticas de reexistência identitária, política e cultural (Cotta, 2019).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Vidas em trânsito: escrita de si - e de nós - entre mulheres negras brasileiras migrantes.
Yssyssay Divina Rodrigues (UNB)
Resumo: Este trabalho apresenta o uso da escrita de si em minha pesquisa de doutorado, centrada em histórias de vida de mulheres negras brasileiras migrantes, a fim de analisar como se expressam, em articulação, as categorias raça, gênero, classe, nacionalidade e sexualidade em nossas trajetórias, particularmente sobre processos identitários e sentidos de pertencimento. Mulher cisgênero, parda, filha de um relacionamento interracial entre classes sociais contrastantes, brasileira, migrante, bissexual e antropóloga com formação interdisciplinar, pretendo entrelaçar minhas vivências, situadas em meio a estes trânsitos, a de minhas interlocutoras, mulheres com quem convivi ou convivo, em um processo relacional de auto-investigação (Santana, 2020; hooks, 2019; Morrison, 2019) que é também coletivo. Abordo a categoria migrante a partir da noção de transnacionalidade (Basch, Schiller, Blanc, 1994), em que coexistem vínculos e circulação geográfica e simbólica entre países diversos. Pessoas migrantes consistem, portanto, em uma oportunidade de análise do deslocamento de categorias de acordo com as especificidades de cada territorialidade; e representam noções como fronteira”, ambiguidade e encruzilhada”, enumeradas por Gloria Anzaldua (1987) em seu debate sobre uma nova consciência mestiça - para o qual também contribuem experiências vividas pela autora. Grada Kilomba (2019) relata episódios de racismo cotidiano vividos por mulheres negras migrantes, inclusive por ela mesma, em diferentes territórios, resultando em análises que vão desde a esfera do trauma até a persistência da dicotomia colonial entre senhor e escravizada em relações contemporâneas, em um processo que entende por epistemologia com o sujeito como parte. A partir destas e de outras influências – como a escrevivência de Conceição Evaristo; o testemunho recuperado por Sueli Carneiro; a memória como organização de fragmentos, de Eclea Bosi; e a potência da leitura de biografias de mulheres negras - pretendo neste exercício trazer um recorte de minhas vivências pertinentes aos assuntos de interesse da etnografia a ser realizada, como também abordar desafios de várias ordens referentes ao uso destas metodologias. Por fim, cabe pontuar que este trabalho representa uma continuidade da etnografia do cotidiano da migração brasileira em Moçambique, a que eu também pertencia, realizada em meu mestrado. Busco agora justamente um amadurecimento referente ao uso de minhas experiências no processo etnográfico, considerando que, a despeito da sua ocorrência mais ou menos frequente na antropologia nas últimas décadas, permanece alguma polêmica em torno destas técnicas, o que se reflete em ponderações sobre seus limites e possibilidades, com as quais o debate deste grupo de trabalho contribui.