Grupos de Trabalho (GT)
GT 094: Saberes Localizados, escritas de si e entre os seus: desafios político-teóricos e metodológicos nas práticas etnográficas
Coordenação
Leandro de Oliveira (UFMG), Moisés Alessandro de Souza Lopes (UFMT)
Resumo:
Historicamente, a Antropologia tem sido marcada por um viés coletivista/ objetivista, em detrimento da atenção à subjetividade, ao "biográfico" e à experiência pessoal. Nos anos 1970 surgem etnografias em que a/o autora/o se constrói como personagem ativa, na interação com interlocutores ou na explicitação de sua trajetória e posicionamentos político-epistemológicos. Esta antropologia reflexiva é coetânea à formação de pesquisadoras/es oriundas/os de comunidades tradicionais, que recorrem à escrita de si (e entre os seus) na etnografia, focando o pertencimento coletivo mais que a experiência interior. Tais abordagens, por vezes rotuladas como autoantropologia ou autoetnografia, foram alvo de suspeição por seu suposto individualismo e não-cientificidade. Gerando polêmica e tensão criativa no campo, contribuem para a crítica ao presente e autoridade etnográficas, para a reflexão sobre aspectos ético-políticos e metodológicos da pesquisa, e a construção de "saberes localizados" (Haraway, 1995). O GT dá continuidade a grupo iniciado na XIV RAM (2023), congregando etnografias junto a grupos/ categorias a que a/o pesquisadora/o pertence (transexuais e outras pessoas LGBTI+; indígenas; pessoas negras; mulheres cisgênero; etc), e contemplando abordagens plurais (epistemologias negras feminista e transfeminista; escrevivência; etnografia entre parentes; estudos sobre branquitude e cisgeneridade; etc). Desejamos fomentar a reflexão comparativa sobre potencialidades destas abordagens.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Alessandra Maria da Silva Gomes (UFMG)
Resumo: Na pesquisa qualitativa se tem agregado conhecimento e sentidos aos fatos estudados na
esteira da Ciências Sociais e Humanas fazendo com que a investigação, na área da
educação, possibilite problematizar e fomentar as discussões em torno do pertencimento dos
pesquisadores, ao locus investigativo e a importância da utilização de sua subjetividade como
perspectiva metodológica para análise de dados. Para tanto, se tem exigido um processo de
familiaridade/estranhamento onde se faz uso das impressões pessoais para refletir ao
mesmo tempo, o papel de investigador e de participante da pesquisa, pautando-se em
um engajamento que ao perpassar a experiência e a vivência no terreno da coletividade,
contextualiza a cultura do grupo social de imersão. Nesse âmbito, a metodologia
rotulada autoetnográfica permeia o estudo, servindo de bússola para as análises e
interpretações dos dados gerados. Essa abordagem converge para uma postura
autoreflexiva que, como ferramenta de prática, permite a valoração da subjetividade do
pesquisador/participante ao levar em consideração seus valores e saberes. Ao utiliza-la
o pesquisador anseia à uma descolonização acadêmica marcada pela busca de uma
abertura ampla ao conhecimento, em um exercício que torna possível uma autonomia na
escrita oferecendo uma sobreposição/neutralização do gênero científico-literário típico
da modernidade que, sob a perspectiva de uma cultura dominante, impôs seus aspectos
eurocêntricos, hegemônicos, onde a subjetividade do pesquisador é irrelevante e,
portanto, são desconsideradas nas práticas de análise e nas práticas discursivas das
pesquisas, inclusive as de cunho qualitativo. Defendo que na investigação na área da
Educação, assim como na Antropologia, a relação de uma pessoa com o saber exige um
entrelaçamento de si própria com o outro e uma abertura a um mundo social no qual, o
pesquisador, ocupa posições das quais ele é elemento ativo, permitindo deitar o olhar a
influência da própria subjetividade para a operacionalização da pesquisa.
Palavras-Chave: Racismo religioso; Educação; Autoetnografia.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Andreia Ferreira dos Santos Ribeiro (UFVJM), Josélia Barroso Queiroz lima (UFVJM), Marivaldo Aparecido
de Carvalho (UFVJM)
Resumo: Esta comunicação tem como objetivo tecer reflexões a partir da pesquisa de mestrado que se encontra em
fase de desenvolvimento e que se concentra na análise da importância cultural de uma língua específica
utilizada entre os membros do quilombo de raiz, localizado no Município de Presidente Kubitschek, mg, em
contextos de interação. Nesta perspectiva, encontro-me em um duplo lugar, de pesquisadora e de jovem
liderança, que possui vínculos profundos com esse território, mantendo laços sólidos com a cultura e a
identidade quilombola, incluindo a tradição de apanhar flores sempre-vivas.
Para além da questão do conhecimento linguístico enquanto afirmação identitária e territorial, a pesquisa
proporciona contribuições significativas quanto ao meu papel de pesquisadora envolvida com uma pesquisa em
seu próprio território. Nesse contexto, buscarei refletir sobre as dificuldades que reside em adotar uma
perspectiva externa à comunidade para compreender os aspectos internos a esta dinâmica; sobre como lidar com
um sistema acadêmico no qual o comitê de ética em pesquisa (CEP) questiona o meu papel de pesquisadora por
encontrar-me profundamente imersa no território; dos desafios inerentes aos conflitos entre a prática de
escrever e a vivência cotidiana, além de redefinir a compreensão do tempo entre ser pesquisadora e
liderança. Como afirma Conceição Evaristo a respeito da elaboração da sua dissertação de mestrado, este foi
um momento no qual a escritora iniciou um processo "entre escrever-viver", "escrever-se-ver" e
"escrever-se-vendo", culminando no termo "escrevivência. A origem dessa ideia vem de um fundamento
histórico, que é o processo da escravidão dos povos africanos. Segundo a autora, a nossa escrevivência não é
para adormecer os da casa grande, e sim para acordá-los de seus sonos injustos. Pretendo expor que a
escrevivência é de grande importância, pois me permite contar a minha própria história e ser a pesquisadora
da minha herança cultural, dando voz às experiências, memórias e perspectivas do meu povo, a partir de um
olhar de dentro do território. Como afirmado por simone weil (2022) quem é desenraizado desenraiza. Quem é
enraizado não desenraiza. Trago comigo as palavras não ditas, espaços não ocupados. Pois como nos lembra
Ecléa Bosi o vínculo com o passado, que é vital, porque dele se extrai, a seiva para a formação da
identidade. Nesse sentido também está a noção de direito ao enraizamento, de Simone Weil, para quem este é
um direito humano semelhante a outros direitos ligados à sobrevivência do homem (Bosi, 2012: 199).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Carlijaniele dos Santos Silva (UFRN)
Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir a transformação da abordagem antropológica ao longo do tempo,
especialmente em relação à inclusão da subjetividade, narrativas pessoais e saberes situados na pesquisa
etnográfica por meio da revisão bibliográfica. A produção antropológica dedicada à reflexão sobre a
subjetividade e à condição situada da produção do conhecimento experimentou um notável crescimento por
ocasião da virada antropológica. Este aumento de interesse reflete uma mudança de paradigma na disciplina,
que passou a reconhecer a importância de considerar as perspectivas e experiências subjetivas dos
pesquisadores no processo de investigação. Gilberto Velho (1978), Neuza dos Santos (1983), José Cantor
Guilherme Magnani (1984), Lélia Gonzáles (1984) entre outros, corroboram com essa discussão ao mergulhar
profundamente na realidade social e cultural analisando aspectos como relações de vizinhança, formas de
sociabilidade, práticas religiosas, expressões culturais, discriminação racial, movimentos de resistência e
dinâmicas de poder incorporando sua própria experiência como pesquisador(a) ao texto, compartilhando suas
reflexões e impressões pessoais sobre o campo. Nesse sentido, incorporo parte de minha experiência adquirida
durante a pesquisa etnográfica que deu origem a minha dissertação de mestrado, destacando a importância de
estar "de perto e de dentro" da comunidade estudada, participar ativamente da vida cotidiana dos
interlocutores e compreender suas perspectivas a partir de uma posição de empatia e proximidade ao mesmo
tempo em que assumo uma postura crítica e reflexiva em relação ao meu papel como pesquisadora, reconhecendo
os desafios e limitações da prática etnográfica. Por tratar-se de um estudo bibliográfico incorporado em uma
pesquisa etnográfica mais ampla sobre religião e saúde pública entre membros da Congregação Cristã no
Brasil, instituição na qual permaneci como membro por doze anos, onde todos me são familiares e me
consideram membro, apesar de meu afastamento, reconheço que essa posição peculiar me possibilitou, nos
termos de Berger, repensar experiências religiosas com um olhar reflexivo direcionado a cosmovisão do grupo,
observando como ela se reapresenta para mim, levando em consideração minha atuação enquanto pesquisadora,
além de me dar acesso aos membros e suas representações socioculturais tendo acesso a discursos que destoam
do que é politicamente correto para o grupo, o discurso normatizado, que frequentemente encontramos em
pesquisas sobre o grupo. Assim, discutimos questões éticas, metodológicas e teóricas, buscando
constantemente aprimorar abordagem etnográfica e contribuir para o desenvolvimento da Antropologia Urbana no
Brasil.
Palavras-chave: Etnografia; subjetividades; reflexividade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cassio Oliveira dos Santos (UFPE)
Resumo: O fazer etnográfico demanda dos seus praticantes uma constante atenção acerca de método, autoria, ética,
bem como, sobre o lugar da subjetividade e os limites nas relações estabelecidas entre o pesquisador e o
objeto estudado. Nesse sentido, este trabalho busca abordar quais os desafios, dilemas e possivéis vantagens
ou desvantagens que surgem no exercício do trabalho de campo, considerando a natureza dinâmica das
interações entre o antropólogo e os sujeitos que compõem a questão investigada quando estes, compartilham de
certa maneira uma mesma realidade, como por exemplo: ser homem (cisgênero), negro e periférico. Em outras
palavras, quando estes comungam de aspectos da experiência de gênero que se processam dentro de uma lógica
patriarcal, racista e capitalista. Tal reflexão de cunho metodológico emerge da minha pesquisa de doutorado
recém iniciada que se preocupa em investigar a produção e performance da masculinidade de homens negros
cisgêneros, residentes na periferia de Salvador- Bahia, sendo que eu, o antropólogo, sou como eles são.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Daniel de Oliveira Baptista (UFMG)
Resumo: Partindo do interior das regras e práticas acadêmicas institucionais, esse trabalho procura analisar
como discentes cotistas negros, negras, indígenas e PCD's tem o seu reconhecimento enquanto sujeitos, e
produtores e produtoras de conhecimento, negado a partir de uma leitura muito específica de suas ações e
comportamentos dentro da estrutura institucional da Universidade Federal de Minas Gerais, e, mais
especificamente, do PPGAN-UFMG, a comunidade acadêmica estudada em questão. Este trabalho procura mostrar
como suas ações e comportamentos não são lidas pela instituição acadêmica, pelos membros de sua comunidade,
assim como parte do corpo docente da instituição, como legítimos ou apropriados, na medida em que os
significados previamente estabelecidos pela instituição têm por referencial as noções e práticas da chamada
"tematização" de corpos e sujeitos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Elisa Hipólito do Espírito Santo (Afro-Cebrap)
Resumo: A proposta deste texto nasce de alguns questionamentos e reflexões que surgiram durante os quatro anos
em que realizei um trabalho de campo e de pesquisa junto com mulheres negras imigrantes na cidade de São
Paulo. Sendo eu uma mulher negra, pesquisadora, belorizontina, que já foi imigrantes e que agora mora em uma
cidade outra que não a sua natal. Reflexões essas que se misturam à sentimentos e compartilhamentos mútuos e
distintos das experiências de sermos corpos femininos negros em constante trânsito. Diante dessa convivência
intensa se fez necessário e imprescindível durante a escrita da dissertação falar de mim e como o meu corpo
se coloca em campo: como o campo me comove, tornando a minha escrita constituída da minha subjetividade e
história. Sendo assim, no presente texto, inicialmente analiso e retomo as discussões sobre os
distanciamentos e aproximações entre pesquisadores e interlocutores, já que foram movimentos que vivenciei e
me questionei durante todo esse processo. Posteriormente dialogo com as colaborações de autoras e autores
que defendem o pesquisar de perto e de dentro, de construir uma pesquisa encarnada (Nascimento, 2019;
Messeder, 2020) e com posicionamento político associada ao desejo de uma Ciências Sociais e de uma
Antropologia aberta para a escrita de si, da escrevivência, atenta às subjetividades e apta às
reelaborações.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ester Paixão Corrêa (UFRN)
Resumo: O objetivo deste trabalho é compartilhar uma experiência de pesquisa multissituada que envolveu sentir a
viagem no corpo enquanto mulher que viajava de mochila. Fazer uma etnografia viajante foi sentir a
experiência etnográfica no corpo. Por meio de um mochilão etnográfico, nos anos de 2019-2020, decidi jogar o
corpo no mundo para construir as rotas da pesquisa do doutorado pela América do Sul. Essa experiência
etnográfica envolveu a subjetividade da pesquisadora: meu corpo e minhas emoções fizeram parte das rotas da
pesquisa. As estratégias metodológicas que transitaram comigo estavam relacionadas com a experiência pessoal
e a coragem enquanto viajante. A perspectiva da Antropologia Feminista considera colocar em evidência as
subjetividades, como uma forma de produzir conhecimento situado. Desde a minha dupla posição na estrada, ser
uma pesquisadora mulher viajando sozinha, em vários trechos impôs limites espaciais, temporais e
emocionais à pesquisa, trazendo à tona a questão do gênero na prática etnográfica, da mesma forma que meu
ser viajante me empurrava para deixar fluir o movimento da estrada, algo que está relacionado ao campo da
intuição. Experimentei sensações outras além da visual e da auditiva. Os encontros com alteridades acionavam
as localizações e as posições em campo, além de conectar-me com diferentes mulheres com quem partilhava das
experiências fronteiriças. O corpo-pesquisadora que viajava era também um território, o lugar ao qual
pertenço está inscrito no meu corpo. Ser uma mulher afro-indígena, amazônida, interiorana, artista,
pesquisadora e viajante, acionaram diferentes movimentos e rumos. Tais marcadores eram ativados nos
contextos de pesquisa, me lembrando dos lugares que meu corpo ocupa no mundo. A prática etnográfica se
construiu marcadamente a sombra da prática de viagem masculina heroica, na qual os deslocamentos por longas
distâncias eram desaconselhados para as mulheres. Ainda vivenciamos isso, a estrada é visto como um lugar
perigoso para as mulheres. Os desafios em pesquisar em um contexto cultural, que é familiar, mas instável,
exigiu estar em trânsito em cinco países diferentes, cruzando diferentes fronteiras culturais e
linguísticas, circulando por espaços/lugares em meio a instabilidade política e sanitária. A
vulnerabilidade, o medo da violência de gênero e do abuso sexual era recorrente e compartilhado. O prazer da
viagem também. Estes atravessaram os sentidos de ser mulher fazendo um trabalho de campo que é móvel, que se
desloca, que expõe. Expor as minhas flutuações entre as identidades que circulavam durante a prática
etnográfica, podem mostrar que as nossas pesquisas são marcadas por aspectos das nossas trajetórias,
identidades, prática e valores, pois estes marcam as relações intersubjetivas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gabriela Maria Vieira dos Santos (UEMG)
Resumo: Por muitas vezes, as trabalhadoras domésticas são faladas por outrem, descrevem essas como aquelas que
estão sempre dispostas a servir e como máquinas de trabalho. Mas pouco é considerado daquilo que elas
desejam falar e construir sobre suas próprias histórias e memórias. Colocada esta problemática, o presente
trabalho é um texto fruto do meu trabalho de conclusão de curso que se caracterizou como um ensaio acadêmico
que se trata de uma carta-ensaio feita com e para trabalhadoras domésticas. Sendo uma estratégia de
possibilitar encontros, afetos e cuidado com aquelas que são colocadas em posição de subalternidade
constantemente. Para tal, a carta elaborada se constitui com diferentes intelectuais: trabalhadoras
domésticas, ativistas, teóricas e familiares. Logo, o texto articula e argumenta a partir das epistemologias
feministas negras como as nossas pesquisas são articuladas com nossos corpos, cotidianos e territórios.
Sendo realizado uma carta que se divide em três momentos: um primeiro no qual me apresento para as
trabalhadoras domésticas e digo para minhas leitoras dos meus processos de escrevivência. Nesta carta
utilizo de minhas vivências enquanto filha e neta de trabalhadoras para refletir como é desenvolver uma
pesquisa que aborda a temática daquelas que me cercam; a segunda carta do ensaio busquei evidenciar como as
leituras de narrativas feitas por domésticas proporciona um novo repertório para pensarmos mudanças em tal
contexto, algo que possibilita criamos novos imaginários a partir da coletividade proporcionada pelas
autoras; por último uma carta direcionada a articulação entre teóricas que demonstram como o ato de escrever
possibilita o registro de histórias mal contatas e o enfrentamento das opressões a partir da perspectiva de
quem tem o corpo violado. A pesquisa demonstra como a escrita é algo que está para além das normas
academistas coloniais, podendo reinventar mundos e contar histórias mal contatadas sobre o corpo da mulher
trabalhadora doméstica. Desse modo, compreendo como pesquisar com as domésticas, investigar como elas
resistiam a partir de suas escritas, me fez repensar a própria estrutura e metodologia da pesquisa, fazendo
com que o texto produzido não fosse apenas algo distante daquelas que eram sujeitas da pesquisa.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ian Lofego Silveira (UFMG)
Resumo: Neste ensaio, estabeleço conexões com as autoras Zora Hurston e Audre Lorde enquanto construo
textualmente minha própria identidade e descrevo meu processo de escrita, por vezes de forma íntima até
demais. A partir da narração recortada pelas categorias da transgeneridade, da branquitude, da
neurodivergência e da classe, dialogo com essas e outras autoras, desenvolvendo fluxos de consciência que se
inspiram no gênero literário batizado por Lorde de biomitografia, qualificando o trabalho dentro da
categoria de pastiche.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Isabela Venturoza de Oliveira (FESPSP)
Resumo: Este trabalho visa recuperar reflexões a partir de minha experiência de pesquisa e ativismo no campo de
estudos e intervenções com homens e masculinidades em contextos de violência de gênero. Em um primeiro
momento, acompanhei (do lado de fora) um grupo reflexivo com homens denunciados por crimes de violência
contra a mulher. Mais tarde, além de me tornar facilitadora nos grupos, também iniciei uma pesquisa de
doutoramento sobre as relações entre homens e feminismos e as possibilidades (e tensões) em torno das
categorias "homem feminista", "homem pró-feminista" e "homem aliado dos feminismos". Nesse processo, para
além de mapear os sentidos quanto à própria categoria "homem", também fui obrigada a me confrontar com a
forma com que eu mesma, pesquisadora, era (e sou) lida em campo. Do lado de cá, observar minha subjetividade
e meu corpo sendo descritos a partir da palavra mulher, como se seu significado fosse auto-evidente, me
causara e continua causando certa aflição. Ser descrita (e estabilizada) pela palavra/conceito mulher, de
maneira exógena, evidenciava a operação que faz com que o gênero seja não apenas algo que descreve corpos e
sujeitos, mas principalmente o que os normatiza, regulando o que podem ou não ser e fazer no mundo (Butler,
1990, 1993). Assim, o que me parece interessante salientar é que, pesquisando e atuando com homens, meu
olhar esteve desde o início provocado pela percepção quanto aos movimentos que atribuem sentido a corpos e
sujeitos determinando exatamente o que podem ser ou fazer. E, na mesma medida, isto me leva a estar
permanentemente atenta aos sujeitos que não aceitam os sentidos atribuídos nas permanentes operações que nos
posicionam de modo a nos fazer caber em alguma sorte de coerência" dentro de arranjos pré-determinados (não
só de gênero, mas também a partir de outros marcadores sociais da diferença). Quando penso aqui na palavra
mulher" que me foi oferecida em tantos momentos, os problemas de gênero de Judith Butler questionando os
limites da linguagem e das políticas de identidade se juntam à Sojourner Truth, de Ain't I a woman?, me
fazendo lembrar que o meu desconforto com a palavra não é um mero capricho linguístico. Ao contrário, ele se
relaciona à consciência de que a escolha e o uso das palavras também colocam em ação e efetivam projetos
políticos. E, nesse sentido, quando acompanho homens e os vejo se afirmando feministas, pró-feministas,
aliados do feminismos ou sendo constrangidos por utilizarem tais palavras, estou precisamente acompanhando
campos discursivos de ação (Alvarez, 2014) que nos sinalizam sobre possibilidades e desafios de um passado,
presente e futuro feministas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Jéferson Oliveira Morais (es)
Resumo: O objetivo desta produção intelectual repousa em analisar, a partir da minha trajetória universitária,
as nuances da incidência do racismo estrutural e como suas tecnologias opressivas configuram este espaço de
poder. Justifica-se por ser um ato político que quebra o meu silenciamento; poder falar sobre a minha
história - que se parece com tantas outras - é contribuir ativamente para o desmonte do sistema que
cristaliza minha opressão. A metodologia utilizada foi de caráter autoetnográfico, que consiste em uma
abordagem etnográfica e analítica, em um tipo de fazer específico por sua forma de proceder, ou seja,
refere-se à maneira de construir um relato sobre um grupo de pertença, a partir de si mesmo. Dessa forma,
este trabalho pretende dar luzes ao silenciamento das camadas profundas da minha própria experiência,
tecendo uma narrativa que transcende o pessoal para abraçar o cultural e o social. Ao adotar essa abordagem,
espero proporcionar uma compreensão contextualizada das interseções que fazem meu corpo ser marginalizado em
todos os âmbitos da sociedade em virtude do racismo estrutural, assim como todos os corpos não brancos.
Antecipo uma jornada reflexiva, na qual cada lembrança se torna uma peça no quebra-cabeça mais amplo da
minha identidade, desafiando-me a explorar não apenas o "eu", mas também a teia de influências que moldam
minha história. Utilizei também uma base de dados secundários referentes ao funcionamento da Universidade,
junto a um referencial bibliográfico de pesquisadores clássicos e decoloniais, como Silvio Almeida, Bell
Hooks, Conceição Evaristo, Pierre Bourdieu, Frantz Fanon, Neusa Santos Sousa, Paulo Freire, Grada Kilomba e
outros, como categoria de análise. Por conseguinte, foi posto em evidência a dicotomia acadêmica e
educacional que apresenta um potencial transformador e opressor para pessoas negras, visto que ao mesmo
passo que ela emancipa estes corpos da alienação colonial, ela consegue amarrá-los ao fazer a manutenção do
sistema Racista. Dessa forma, pode-se concluir que, embora ela apresente em sua totalidade epistêmica e na
sua configuração institucional o caldo do discurso colonial, ela ainda é um dos maiores vetores para a
negritude - como também outros grupos marginalizados - alcançar a tão sonhada ascensão social, e que
permanecer e concluir o percurso é, sem dúvidas, re(ex)sistência.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Júlia Mistro Rodrigues (UFRGS)
Resumo: Brevemente: existem dois perigos no fazer autoetnográfico: o primeiro deles é a dissolução completa da
perspectiva de um invólucro em torno do Eu que o faria uma unidade fechada em relação à outras unidades
igualmente fechadas com as quais esse eu estabeleceria vínculos, os Outros o que acarreta, em maior ou
menor intensidade, uma sensação muito vívida de dissolução de si, uma percepção exacerbada de que existem
extensas zonas e fluxos desconhecidos nesse Eu e uma crescente dúvida sobre se, de fato, esse Eu sequer
exista; o segundo perigo, muito maior, é que o primeiro não ocorra. A noção de um sujeito atômico,
egocêntrico, auto-interessado, competitivo e amedrontado do modelo político-liberal moderno (contratualista)
como descreve Zirbel (2016), faz com que exista também a presunção de que sabemos tudo de nós mesmas, quem
somos. Mas as teorias do cuidado nos convidam a pensar em outro tipo de sujeito: um self relacional que não
se constitui de modo autônomo, mas são resultado das interações com os demais: a maior parte de nós mesmas
é, então, por nós desconhecida, nós não sabemos a priori quem somos ou esses tantos fluxos constantes que
nos constituem, enquanto as teorias da imagem tensionam os modos de autopercepção e da relação entre o Eu e
o Outro como, por exemplo, o mito de Narciso. A autoetnografia me parece olhar para isso que nos compõem
com o compromisso de realizar uma implosão de si (Dumit, 2014), com uma dúvida um olhar direcionado, sim,
mas olhar para essa vastidão de nós que desconhecemos com o compromisso de etnografá-la, percebendo o outro
dentro de si como algo que é e não é o si mesmo. Essa zona desconhecida não pode seguir (e não segue)
infinitamente, é importante e configura um sujeito de pesquisa que care about o estabelecimento de cortes
(Strathern, 2017). E dio surgem questões: o que acontece quando usamos o cuidado como uma forma de cortar a
rede que nos constitui e que permite o fazer autoetnográfico? E a pesquisa já em andamento oferece uma
resposta: somos convidadas a implodir a nós mesmas e, pode não parecer, mas essa é nossa melhor opção e
é o que proponho realizar neste trabalho em que, esmiuçando alguns desafios do fazer autoetnográfico e os
cruzando com reflexões das teorias do cuidado e da imagem, tensiono a por vezes falsa presunção de
facilidade de acesso ao campo nesse tipo de pesquisa para, com isso, contribuir com uma reflexão sobre o
narcisismo na autoetnografia.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Keo Silva (UFSC)
Resumo:
A proposta desse ensaio/relatório, foi construir a partir da articulação entre as perspectivas teóricas
abordadas em uma aula durante meu período de doutoramento e seus efeitos. Considerando uma perspectiva
interdisciplinar onde dialogam questões relacionadas aos afetos/afetações, ao corpo, questões relacionadas à
produção de conhecimento, perspectivas descoloniais e algumas questões referentes a bibliografia sugerida
para aula. Tal experimento versa sobre uma descrição autoetnográfica da aula, comentarei sobre algumas
menções feitas por colegas de turma e professores na sala de aula. Seguido de breve reflexão teórica sobre
tais temas, que apareceram em forma de insights e reflexões, desse modo considero uma forma de compartilhar
o relatório como uma parte dos meus cadernos de campo.
A primeira etapa do ensaio versa sobre as temáticas das autoras trabalhadas no dia da aula sobre a arte, a
interpretação e os artifícios das cidades imaginadas. E como a partir disso emergiram os primeiros insights
que acabaram por construir uma cidade imaginada na sala de aula. A segunda etapa versa sobre reflexões sobre
corpo dentro de uma abordagem interdisciplinar e descolonial, resgatando o argumento de quais corpos são
permitidos nos espaços de ensino, desde locus de enunciação em que não corresponda ao estatuto de objeto de
investigação. A terceira etapa dialoga sobre a produção de conhecimento, no ímpeto de tecer uma crítica a
perspectivas hegemônicas que desconsideram o campo da produção do saber elaborado por novos sujeitos nos
espaços acadêmicos. A partir da ideia de cibercidade problematizo as perspectivas dos diferentes modos
sensoriais sobre como diferentes corpos são afetados pela cidade.
Palavras-chaves: autoetnografia; cidades imaginadas; cisnormatividade;
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Layla Gomes da Silva (.)
Resumo: Este trabalho propõe refletir sobre a realidade social de mulheres negras que experenciaram em suas
vivências o trabalho subalterno, no qual a família tende a apresentar-se enquanto uma instituição que
naturaliza e reproduz eixos de subordinação, repercutindo nas subjetividades desses sujeitos e no seu
assujeitamento em diversas instâncias da vida, dentre elas, no mundo do trabalho. Esta proposta é um
desdobramento da minha pesquisa de dissertação, uma pesquisa etnográfica, centrada na análise de histórias
de vidas de três mulheres negras residentes de Rio das Ostras (cidade da baixada litorânea do estado do Rio
de Janeiro), com idade entre 55 e 69 anos e que em comum possuem trajetórias marcadas por diversos tipos de
violências e relação com o trabalho doméstico (infantil), função que, historicamente, materializa a
subordinação de gênero, raça e classe de modo imbricado. Destaco ainda que em minha pesquisa uma das
pesquisadas trata-se da minha mãe, sendo, portanto, a minha família etnografada. Nesse contexto, eu,
enquanto mulher negra da classe trabalhadora, filha de ex-trabalhadora doméstica, que geralmente seria lida
apenas enquanto objeto de conhecimento, venho ocupando espaço na academia (tal qual outros grupos
marginalizados), enquanto pesquisadora, desenvolvendo esta pesquisa a partir de um lugar proximidade, não
alheia ou externa ao campo, mas enquanto um sujeito que teve a vida condicionada por eixos de subordinação
de gênero, raça e classe e que observou de perto o contexto de exploração e opressões que incidiam sobre
familiares e pessoas do meu ciclo social. Por fim, embaso-me epistemologicamente na teoria crítica do
feminismo negro, na teoria decolonial e interseccional.
Palavras-chave: interseccionalidade, trabalho subalterno, família, práticas etnográficas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Lucas Pereira de Melo (USP)
Resumo: Esta comunicação toma como eixo a construção de relações com uma interlocutora no contexto de uma
etnografia interessada em descrever experiências de sofrimento social entre pessoas que vivem com HIV/AIDS
no Brasil. Durante uma de nossas conversas, em março de 2020, fui afetado pela narrativa de Vanessa Campos,
uma mulher amazonense que vive com HIV/AIDS desde 1990, a qual era estruturada por múltiplas experiências de
violência que articulavam AIDS, gênero e lugar. Além da perplexidade diante das situações narradas, logo
após o início da conversa percebi que a interlocutora tinha algo a falar que, num primeiro momento, parecia
dispensar a necessidade do meu roteiro de entrevista. A partir dali, coloquei-me na posição de alguém
interessado em escutar e passei a seguir o fluxo narrativo de Vanessa. Esta interlocução me colocou algumas
questões: como transcrever o áudio da entrevista e ouvir tudo outra vez? Como ler e reler o texto
transcrito? Como analisar e escrever? Como fazer circular entre múltiplas audiências? Como se posicionar
como autor naquela narrativa? Como escrever e não matar? Nesta comunicação desenvolvo um relato sobre como a
escrita etnográfica se tornou possível no encontro e nas alianças que Vanessa Campos e eu construímos ao
longo da nossa interlocução. O propósito é criar um espaço para demonstrar escritas, escolhas,
bibliografias, relações, afetos, contextos, argumentos que, como pedras ao pavimentar um caminho, constituem
a face do nosso artesanato intelectual que fica ocultada em nossos textos. Assim, elaboro uma experimentação
etnográfica mediante a comparação de três textos que escrevi, dois individual e um colaborativamente, ao
longo da interlocução com Vanessa entre os anos de 2019 e 2023: (1) uma comunicação oral apresentada num
grupo de trabalho da 32ª Reunião Brasileira de Antropologia; (2) a versão revista e ampliada dessa
comunicação oral que se transformou num artigo publicado num dossiê sobre os 40 anos da epidemia de AIDS; e
(3) o livro SoroposidHIVa, uma mulher na diáspora da AIDS escrito por Vanessa Campos em colaboração comigo e
Thiago Oliveira publicado pela Andarilha Edições. Com essas comparações pretendo pensar esses textos como
artefatos etnográficos. Faço isso ao colocar em relação três formas textuais: a comunicação em congresso, o
artigo científico e o livro; o que abre outras possibilidades de discussão sobre escrita etnográfica e
gêneros textuais. Além disso, busco discutir questões como estilos de autoridade etnográfica,
autoria/coautoria, escrita/coescrita e, assim, deixar em relevo uma abordagem de etnografia como
com-posição: composição com as pessoas com quem nos relacionamos em campo e suas lutas; e com posicionamento
político (IMUÊ, 2019).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Moisés Alessandro de Souza Lopes (UFMT)
Resumo: Esta proposta de trabalho parte de uma investigação que está em desenvolvimento sobre a construção das
masculinidades entre homens gays e bissexuais no Brasil contemporâneo analisando especialmente as concepções
e interrelações entre saúde, cuidado e sexualidades a partir da metodologia qualitativa e de uma perspectiva
multissituada. Nesta pesquisa em desenvolvimento abordo dados que envolvem a relação entre as práticas de
(auto)cuidado e as práticas sexuais, em especial as envolvidas com o uso de estratégias de prevenção a ISTs
e HIV/Aids tais como, preservativos, profilaxia pré-exposição (PREP), profilaxia pós-exposição (PEP) e
vacinas (hepatites, meningite e HPV). Pretendo abordar nesta apresentação como as relações estabelecidas em
campo com outros homens são facilitadas, mas ao mesmo tempo dificultadas, pelo fato do pesquisador fazer
parte do grupo investigado. É importante dizer que nesta pesquisa pretendo abordar elementos que envolvem
uma análise dos marcadores sociais da diferença e como estes constroem na prática uma diversidade de
masculinidades, práticas e estratégias de cuidado, agenciamentos das políticas públicas de saúde e, com
isso, distintas formas de vivência das sexualidades.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nonô Arantes Lima (UFMG), Luana Rodrigues Nascimento (UFMG)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo, através da experiência intelectual corporizada de ambas autoras e
da bibliografia selecionada, identificar os cruzos e paralelos das violências que se escondem sob a égide do
pacto narcísico da branquitude cisheternormativa (NASCIMENTO, 2023). Faremos isso dando atenção especial ao
corpo e a algumas categorias de diferenciação que se materializaram enquanto marcas da colonialidade, como
os pelos corporais (BRAZ, 2022), a distribuição de gordura corporal (NOVAIS; MACHADO, 2021) e os odores. A
semântica do pacto evoca um entrelace de acordos no agir, no existir e também nos momentos/modos de
classificação e percepção das alteridades. Assim, não são apenas as nossas concordâncias para com ele (o
pacto) que faz a nossa permanência, dependemos de concordâncias terceiras. A pertença num acordo pode ter
seus limites, pois para além das parecenças, as diferenças também são cruciais diante de um pacto bem
estabelecido e materializado em diversas formas de opressão. Desta forma, a não plenitude dos espelhamentos
resulta na ruptura de um pacto e por conseguinte na ausência da proteção que esse acordar pode lhe conferir?
Lélia Gonzalez aciona o conceito de denegação em sua compreensão do racismo brasileiro enquanto algo ativado
apenas na condição de ser negado. Num momento onde a cisgeneridade e a branquitude, apesar de devidamente
conceituadas e engendradas por intelectuais e pelos movimentos sociais, percebemos que há articulações
daquelus que acionam tais termos numa condição negatória de forma a arguir a sua suposta não pertença aos
pactos que as estruturas proporcionam. Assim, a ideia de saberes localizados (HARAWAY, 1995) torna-se um
exercício reflexivo contínuo ou uma citação desconexa? Se sim, para essa última, servira apenas como
ferramenta de resgate da disciplina antropológica afetada após crítica pós-moderna? Este trabalho é
profundamente marcado pela experiência de corpas que, apesar de diferentes, são afetadas de diferentes
formas a partir das três categorias alocadas no título. Se a branquitude, a gordofobia e
cisheteronormatividade andam de mãos dadas, não seria mais justo para todes que as proporções das violências
sofridas no convívio enquanto diferença ou subjetividade Outra, fossem resguardadas? Aqui não se trata de
hierarquizar o sofrimento, mas sim, num movimento de tensionamento, refletir sobre os impactos de categorias
que são materializadas em formas de opressão, por vezes sobrepostas, por vezes feitas opacas por marcadores
de privilégio.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rosiene Francisco dos Santos (UNB)
Resumo:
Neste artigo, empreendo uma análise reflexiva sobre minha experiência acadêmica enquanto Quilombola Kalunga,
doutoranda em Antropologia Social na Universidade de Brasília. O mesmo foi inspirado na disciplina Métodos e
Técnicas de Pesquisa em Antropologia, ministrada pela professora Dra. Soraya Resende Fleischer no primeiro
semestre de 2023.
No decorrer deste texto, pretendo apresentar minhas reflexões e percepções sobre a intersecção entre minha
identidade étnica e cultural e o ambiente acadêmico, tanto como estudante quanto como professora doutoranda
na disciplina de Introdução à Antropologia. Para isso, utilizarei uma abordagem autobiográfica coletiva,
incluindo a escutavivência de uma intelectual quilombola ( SILVIA 2023) e as cartas produzidas pelos
estudantes da graduação, em que fui afetada( FAVRET-SAADA 2005).
Trata-se de uma escrita circular, espiralada ou até mesmo sem forma, mostrando a importância da oralidade e
da vivacidade em nosso cotidiano quilombola, contrastando com a lógica temporal urbana. Por meio de uma
carta dirigida a um "destinatário desconhecido", compartilharei minhas memórias da infância no quilombo,
destacando os valores de cuidado, afeto e conexão com a natureza, e principalmente com os ensinamentos do
ser tão velho, CERRADO, dentro da universidade.
Além disso, neste momento, convido todos a seguirem na estrada cavalheira, cientes de que essa caminhada é
marcada por obstáculos e apoios. Espero que estejam preparados fisicamente, pois será uma jornada longa. O
Antônio Bispo dos Santos - Nego Bispo, relator/intelectual Quilombola de Saco Curtume, Piauí, já nos lembra
que somos começo, meio e começo, e meu grande desafio é manter a linearidade na escrita. Mas por que
buscá-la? A circularidade nos permite revisitar e reformular pensamentos, e a repetição na circularidade
também reforça os argumentos. Vamos seguir de forma circular, espiralada, as formas da natureza ou mesmo sem
definição de forma. Poderia me posicionar como uma outsider within (COLLINS, 2016), porém carrego em minha
corporalidade e territorialidade a minha pretitude e etnicidade, ouso a falar que sou outsider within
QUILOMBISTA em movimento na universidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Samue Douglas Farias Costa (UFG)
Resumo: Gênero e sexualidade são categorias que atravessam a educação básica a partir de várias entradas:
normativas curriculares, eventos, projetos e relações interpessoais. Contudo, nem sempre aparecem com os
sentidos em que são mobilizadas nas teorias filosóficas e das ciências humanas. Em minha pesquisa de campo
na escola em que trabalho como professor de sociologia (ciências sociais), na cidade de Cuiabá (MT), dois
interlocutores e colegas de profissão me responderam que são do gênero hétero. A partir dessa situação e de
minha posição e experiência como um homem branco, cisgênero, gay, de 32 anos, professor e antropólogo em uma
escola pública estadual de Cuiabá, questiono quais são os sentidos e contextos em que gênero e sexualidade
aparecem na educação básica e no espaço escolar. Para esta tarefa, descrevo e problematizo documentos
curriculares, práticas pedagógicas (minhas e de colegas de profissão) e situações cotidianas entre docentes.
A proposta é criar perspectivas parciais e colocar os materiais do campo em relação com teorias de gênero e
sexualidade para criar conexões, analogias, deslocamentos e contrastes, o que Marilyn Strathern (2014)
denomina de efeito etnográfico.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Tainá Silva Candido (UNESC), Viviane Kraieski de Assunção (UNESC)
Resumo: Este resumo refere-se a um recorte de uma pesquisa de doutorado em andamento, que considera as
narrativas de Tinho, liderança da comunidade quilombola Ilhotinha, como um processo político e
epistemológico. Nossa intenção é destacar o percurso da pesquisa, juntamente com as estratégias
metodológicas empregadas ao longo do processo. Nos primeiros encontros com Tinho, indagamos sobre sua
motivação para narrar sua história de vida e suas preferências em relação à maneira como gostaria de narrar.
Além da entrevista, devido ao seu gosto pela escrita, ele escolheu narrar sua história por meio de cartas
virtuais endereçadas à sua interlocutora. A pesquisa vem se desenvolvendo com os aportes teóricos de
Evaristo (2020), Rivas-Flores et al. (2020), Kilomba (2019), Nascimento (2022), dentre outros. Entendemos
que o interesse em partir das vozes subalternizadas não é para obter a verdade, tampouco buscar validez ou
crédito sobre um acontecimento, mas captar a visão que o sujeito tem sobre si mesmo e de seu contexto, bem
como o que suas narrativas representam (Rivas-Flores et al., 2020). No entanto, para alguns grupos sociais
não basta falar, mas se fazer ouvir (Evaristo, 2020). Quando Tinho cria laços com o campo acadêmico,
estrategicamente está buscando o poder de se fazer ouvir, bem como quando escolhe o que narrar. Para
Evaristo (2020), palavra mais ação, é autorização. Experiência transformada em texto, auto autorização.
Escrevivência. Sobre suas motivações, Tinho fala: na verdade, agora já é desabafo, é o momento de desabafar.
Logo, a palavra é a arma para a transformação contínua da história (Nascimento, 2022). A narrativa de Tinho
se origina numa perspectiva pessoal, mas contempla uma coletividade, afinal, a comunidade não é sem mim e eu
não sou sem a comunidade (Tinho). Assim, percebemos nele uma escrita e narrativa que escancara um incômodo e
evidencia uma revolta. Para ele, é necessário contar a história com nosso olhar, sob a nossa perspectiva.
Reescrever a história; usar a escrita e a fala como ato político, como passagem de objeto para sujeito
(Kilomba, 2019). Potência para desarmar as palavras do inimigo enquanto fortalece palavras enfraquecidas
(Santos, 2023). Portanto, acreditamos que a narrativa e sua produção se configuram como agência outra, uma
possibilidade narrativa desde a diferença cultural na qual práticas silenciadas de sujeitos sociais
subalternizados desvelam a matriz colonial de poder e a naturalização da discriminação racial/étnica e
cultural, bem como a produção discursiva de subjetividades em dominadas e dominantes, dando destaque às
práticas de reexistência identitária, política e cultural (Cotta, 2019).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Yssyssay Divina Rodrigues (UNB)
Resumo: Este trabalho apresenta o uso da escrita de si em minha pesquisa de doutorado, centrada em histórias de
vida de mulheres negras brasileiras migrantes, a fim de analisar como se expressam, em articulação, as
categorias raça, gênero, classe, nacionalidade e sexualidade em nossas trajetórias, particularmente sobre
processos identitários e sentidos de pertencimento.
Mulher cisgênero, parda, filha de um relacionamento interracial entre classes sociais contrastantes,
brasileira, migrante, bissexual e antropóloga com formação interdisciplinar, pretendo entrelaçar minhas
vivências, situadas em meio a estes trânsitos, a de minhas interlocutoras, mulheres com quem convivi ou
convivo, em um processo relacional de auto-investigação (Santana, 2020; hooks, 2019; Morrison, 2019) que é
também coletivo.
Abordo a categoria migrante a partir da noção de transnacionalidade (Basch, Schiller, Blanc, 1994), em que
coexistem vínculos e circulação geográfica e simbólica entre países diversos. Pessoas migrantes consistem,
portanto, em uma oportunidade de análise do deslocamento de categorias de acordo com as especificidades de
cada territorialidade; e representam noções como fronteira, ambiguidade e encruzilhada, enumeradas por
Gloria Anzaldua (1987) em seu debate sobre uma nova consciência mestiça - para o qual também contribuem
experiências vividas pela autora.
Grada Kilomba (2019) relata episódios de racismo cotidiano vividos por mulheres negras migrantes, inclusive
por ela mesma, em diferentes territórios, resultando em análises que vão desde a esfera do trauma até a
persistência da dicotomia colonial entre senhor e escravizada em relações contemporâneas, em um processo que
entende por epistemologia com o sujeito como parte.
A partir destas e de outras influências como a escrevivência de Conceição Evaristo; o testemunho
recuperado por Sueli Carneiro; a memória como organização de fragmentos, de Eclea Bosi; e a potência da
leitura de biografias de mulheres negras - pretendo neste exercício trazer um recorte de minhas vivências
pertinentes aos assuntos de interesse da etnografia a ser realizada, como também abordar desafios de várias
ordens referentes ao uso destas metodologias.
Por fim, cabe pontuar que este trabalho representa uma continuidade da etnografia do cotidiano da migração
brasileira em Moçambique, a que eu também pertencia, realizada em meu mestrado. Busco agora justamente um
amadurecimento referente ao uso de minhas experiências no processo etnográfico, considerando que, a despeito
da sua ocorrência mais ou menos frequente na antropologia nas últimas décadas, permanece alguma polêmica em
torno destas técnicas, o que se reflete em ponderações sobre seus limites e possibilidades, com as quais o
debate deste grupo de trabalho contribui.