Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 094: Saberes Localizados, escritas de si e entre os seus: desafios político-teóricos e metodológicos nas práticas etnográficas
Notas sobre contingências em campo: recusando (e aceitando) a categoria "mulher"
Este trabalho visa recuperar reflexões a partir de minha experiência de pesquisa e ativismo no campo de
estudos e intervenções com homens e masculinidades em contextos de violência de gênero. Em um primeiro
momento, acompanhei (do lado de fora) um grupo reflexivo com homens denunciados por crimes de violência
contra a mulher. Mais tarde, além de me tornar facilitadora nos grupos, também iniciei uma pesquisa de
doutoramento sobre as relações entre homens e feminismos e as possibilidades (e tensões) em torno das
categorias "homem feminista", "homem pró-feminista" e "homem aliado dos feminismos". Nesse processo, para
além de mapear os sentidos quanto à própria categoria "homem", também fui obrigada a me confrontar com a
forma com que eu mesma, pesquisadora, era (e sou) lida em campo. Do lado de cá, observar minha subjetividade
e meu corpo sendo descritos a partir da palavra mulher, como se seu significado fosse auto-evidente, me
causara e continua causando certa aflição. Ser descrita (e estabilizada) pela palavra/conceito mulher, de
maneira exógena, evidenciava a operação que faz com que o gênero seja não apenas algo que descreve corpos e
sujeitos, mas principalmente o que os normatiza, regulando o que podem ou não ser e fazer no mundo (Butler,
1990, 1993). Assim, o que me parece interessante salientar é que, pesquisando e atuando com homens, meu
olhar esteve desde o início provocado pela percepção quanto aos movimentos que atribuem sentido a corpos e
sujeitos determinando exatamente o que podem ser ou fazer. E, na mesma medida, isto me leva a estar
permanentemente atenta aos sujeitos que não aceitam os sentidos atribuídos nas permanentes operações que nos
posicionam de modo a nos fazer caber em alguma sorte de coerência" dentro de arranjos pré-determinados (não
só de gênero, mas também a partir de outros marcadores sociais da diferença). Quando penso aqui na palavra
mulher" que me foi oferecida em tantos momentos, os problemas de gênero de Judith Butler questionando os
limites da linguagem e das políticas de identidade se juntam à Sojourner Truth, de Ain't I a woman?, me
fazendo lembrar que o meu desconforto com a palavra não é um mero capricho linguístico. Ao contrário, ele se
relaciona à consciência de que a escolha e o uso das palavras também colocam em ação e efetivam projetos
políticos. E, nesse sentido, quando acompanho homens e os vejo se afirmando feministas, pró-feministas,
aliados do feminismos ou sendo constrangidos por utilizarem tais palavras, estou precisamente acompanhando
campos discursivos de ação (Alvarez, 2014) que nos sinalizam sobre possibilidades e desafios de um passado,
presente e futuro feministas.