ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 094: Saberes Localizados, escritas de si e entre os seus: desafios político-teóricos e metodológicos nas práticas etnográficas
Notas sobre contingências em campo: recusando (e aceitando) a categoria "mulher"
Este trabalho visa recuperar reflexões a partir de minha experiência de pesquisa e ativismo no campo de estudos e intervenções com homens e masculinidades em contextos de violência de gênero. Em um primeiro momento, acompanhei (do lado de fora) um grupo reflexivo com homens denunciados por crimes de violência contra a mulher. Mais tarde, além de me tornar facilitadora nos grupos, também iniciei uma pesquisa de doutoramento sobre as relações entre homens e feminismos e as possibilidades (e tensões) em torno das categorias "homem feminista", "homem pró-feminista" e "homem aliado dos feminismos". Nesse processo, para além de mapear os sentidos quanto à própria categoria "homem", também fui obrigada a me confrontar com a forma com que eu mesma, pesquisadora, era (e sou) lida em campo. Do lado de cá, observar minha subjetividade e meu corpo sendo descritos a partir da palavra mulher, como se seu significado fosse auto-evidente, me causara e continua causando certa aflição. Ser descrita (e estabilizada) pela palavra/conceito mulher, de maneira exógena, evidenciava a operação que faz com que o gênero seja não apenas algo que descreve corpos e sujeitos, mas principalmente o que os normatiza, regulando o que podem ou não ser e fazer no mundo (Butler, 1990, 1993). Assim, o que me parece interessante salientar é que, pesquisando e atuando com homens, meu olhar esteve desde o início provocado pela percepção quanto aos movimentos que atribuem sentido a corpos e sujeitos determinando exatamente o que podem ser ou fazer. E, na mesma medida, isto me leva a estar permanentemente atenta aos sujeitos que não aceitam os sentidos atribuídos nas permanentes operações que nos posicionam de modo a nos fazer caber em alguma sorte de coerência" dentro de arranjos pré-determinados (não só de gênero, mas também a partir de outros marcadores sociais da diferença). Quando penso aqui na palavra mulher" que me foi oferecida em tantos momentos, os problemas de gênero de Judith Butler questionando os limites da linguagem e das políticas de identidade se juntam à Sojourner Truth, de Ain't I a woman?”, me fazendo lembrar que o meu desconforto com a palavra não é um mero capricho linguístico. Ao contrário, ele se relaciona à consciência de que a escolha e o uso das palavras também colocam em ação e efetivam projetos políticos. E, nesse sentido, quando acompanho homens e os vejo se afirmando feministas, pró-feministas, aliados do feminismos ou sendo constrangidos por utilizarem tais palavras, estou precisamente acompanhando campos discursivos de ação (Alvarez, 2014) que nos sinalizam sobre possibilidades e desafios de um passado, presente e futuro feministas.