Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 094: Saberes Localizados, escritas de si e entre os seus: desafios político-teóricos e metodológicos nas práticas etnográficas
Vidas em trânsito: escrita de si - e de nós - entre mulheres negras brasileiras migrantes.
Este trabalho apresenta o uso da escrita de si em minha pesquisa de doutorado, centrada em histórias de
vida de mulheres negras brasileiras migrantes, a fim de analisar como se expressam, em articulação, as
categorias raça, gênero, classe, nacionalidade e sexualidade em nossas trajetórias, particularmente sobre
processos identitários e sentidos de pertencimento.
Mulher cisgênero, parda, filha de um relacionamento interracial entre classes sociais contrastantes,
brasileira, migrante, bissexual e antropóloga com formação interdisciplinar, pretendo entrelaçar minhas
vivências, situadas em meio a estes trânsitos, a de minhas interlocutoras, mulheres com quem convivi ou
convivo, em um processo relacional de auto-investigação (Santana, 2020; hooks, 2019; Morrison, 2019) que é
também coletivo.
Abordo a categoria migrante a partir da noção de transnacionalidade (Basch, Schiller, Blanc, 1994), em que
coexistem vínculos e circulação geográfica e simbólica entre países diversos. Pessoas migrantes consistem,
portanto, em uma oportunidade de análise do deslocamento de categorias de acordo com as especificidades de
cada territorialidade; e representam noções como fronteira, ambiguidade e encruzilhada, enumeradas por
Gloria Anzaldua (1987) em seu debate sobre uma nova consciência mestiça - para o qual também contribuem
experiências vividas pela autora.
Grada Kilomba (2019) relata episódios de racismo cotidiano vividos por mulheres negras migrantes, inclusive
por ela mesma, em diferentes territórios, resultando em análises que vão desde a esfera do trauma até a
persistência da dicotomia colonial entre senhor e escravizada em relações contemporâneas, em um processo que
entende por epistemologia com o sujeito como parte.
A partir destas e de outras influências como a escrevivência de Conceição Evaristo; o testemunho
recuperado por Sueli Carneiro; a memória como organização de fragmentos, de Eclea Bosi; e a potência da
leitura de biografias de mulheres negras - pretendo neste exercício trazer um recorte de minhas vivências
pertinentes aos assuntos de interesse da etnografia a ser realizada, como também abordar desafios de várias
ordens referentes ao uso destas metodologias.
Por fim, cabe pontuar que este trabalho representa uma continuidade da etnografia do cotidiano da migração
brasileira em Moçambique, a que eu também pertencia, realizada em meu mestrado. Busco agora justamente um
amadurecimento referente ao uso de minhas experiências no processo etnográfico, considerando que, a despeito
da sua ocorrência mais ou menos frequente na antropologia nas últimas décadas, permanece alguma polêmica em
torno destas técnicas, o que se reflete em ponderações sobre seus limites e possibilidades, com as quais o
debate deste grupo de trabalho contribui.