ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 094: Saberes Localizados, escritas de si e entre os seus: desafios político-teóricos e metodológicos nas práticas etnográficas
Mochila, estrada e uma etnografia viajante pela América do Sul
O objetivo deste trabalho é compartilhar uma experiência de pesquisa multissituada que envolveu sentir a viagem no corpo enquanto mulher que viajava de mochila. Fazer uma etnografia viajante foi sentir a experiência etnográfica no corpo. Por meio de um mochilão etnográfico, nos anos de 2019-2020, decidi jogar o corpo no mundo para construir as rotas da pesquisa do doutorado pela América do Sul. Essa experiência etnográfica envolveu a subjetividade da pesquisadora: meu corpo e minhas emoções fizeram parte das rotas da pesquisa. As estratégias metodológicas que transitaram comigo estavam relacionadas com a experiência pessoal e a coragem enquanto viajante. A perspectiva da Antropologia Feminista considera colocar em evidência as subjetividades, como uma forma de produzir conhecimento situado. Desde a minha dupla posição na estrada, ser uma pesquisadora mulher viajando – sozinha, em vários trechos – impôs limites espaciais, temporais e emocionais à pesquisa, trazendo à tona a questão do gênero na prática etnográfica, da mesma forma que meu ser viajante me empurrava para deixar fluir o movimento da estrada, algo que está relacionado ao campo da intuição. Experimentei sensações outras além da visual e da auditiva. Os encontros com alteridades acionavam as localizações e as posições em campo, além de conectar-me com diferentes mulheres com quem partilhava das experiências fronteiriças. O corpo-pesquisadora que viajava era também um território, o lugar ao qual pertenço está inscrito no meu corpo. Ser uma mulher afro-indígena, amazônida, interiorana, artista, pesquisadora e viajante, acionaram diferentes movimentos e rumos. Tais marcadores eram ativados nos contextos de pesquisa, me lembrando dos lugares que meu corpo ocupa no mundo. A prática etnográfica se construiu marcadamente a sombra da prática de viagem masculina heroica, na qual os deslocamentos por longas distâncias eram desaconselhados para as mulheres. Ainda vivenciamos isso, a estrada é visto como um lugar perigoso para as mulheres. Os desafios em pesquisar em um contexto cultural, que é familiar, mas instável, exigiu estar em trânsito em cinco países diferentes, cruzando diferentes fronteiras culturais e linguísticas, circulando por espaços/lugares em meio a instabilidade política e sanitária. A vulnerabilidade, o medo da violência de gênero e do abuso sexual era recorrente e compartilhado. O prazer da viagem também. Estes atravessaram os sentidos de ser mulher fazendo um trabalho de campo que é móvel, que se desloca, que expõe. Expor as minhas flutuações entre as identidades que circulavam durante a prática etnográfica, podem mostrar que as nossas pesquisas são marcadas por aspectos das nossas trajetórias, identidades, prática e valores, pois estes marcam as relações intersubjetivas.