Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 094: Saberes Localizados, escritas de si e entre os seus: desafios político-teóricos e metodológicos nas práticas etnográficas
"Na verdade, agora já é desabafo, é o momento de desabafar": reflexões sobre as narrativas de uma liderança quilombola enquanto processo político e epistemológico
Este resumo refere-se a um recorte de uma pesquisa de doutorado em andamento, que considera as
narrativas de Tinho, liderança da comunidade quilombola Ilhotinha, como um processo político e
epistemológico. Nossa intenção é destacar o percurso da pesquisa, juntamente com as estratégias
metodológicas empregadas ao longo do processo. Nos primeiros encontros com Tinho, indagamos sobre sua
motivação para narrar sua história de vida e suas preferências em relação à maneira como gostaria de narrar.
Além da entrevista, devido ao seu gosto pela escrita, ele escolheu narrar sua história por meio de cartas
virtuais endereçadas à sua interlocutora. A pesquisa vem se desenvolvendo com os aportes teóricos de
Evaristo (2020), Rivas-Flores et al. (2020), Kilomba (2019), Nascimento (2022), dentre outros. Entendemos
que o interesse em partir das vozes subalternizadas não é para obter a verdade, tampouco buscar validez ou
crédito sobre um acontecimento, mas captar a visão que o sujeito tem sobre si mesmo e de seu contexto, bem
como o que suas narrativas representam (Rivas-Flores et al., 2020). No entanto, para alguns grupos sociais
não basta falar, mas se fazer ouvir (Evaristo, 2020). Quando Tinho cria laços com o campo acadêmico,
estrategicamente está buscando o poder de se fazer ouvir, bem como quando escolhe o que narrar. Para
Evaristo (2020), palavra mais ação, é autorização. Experiência transformada em texto, auto autorização.
Escrevivência. Sobre suas motivações, Tinho fala: na verdade, agora já é desabafo, é o momento de desabafar.
Logo, a palavra é a arma para a transformação contínua da história (Nascimento, 2022). A narrativa de Tinho
se origina numa perspectiva pessoal, mas contempla uma coletividade, afinal, a comunidade não é sem mim e eu
não sou sem a comunidade (Tinho). Assim, percebemos nele uma escrita e narrativa que escancara um incômodo e
evidencia uma revolta. Para ele, é necessário contar a história com nosso olhar, sob a nossa perspectiva.
Reescrever a história; usar a escrita e a fala como ato político, como passagem de objeto para sujeito
(Kilomba, 2019). Potência para desarmar as palavras do inimigo enquanto fortalece palavras enfraquecidas
(Santos, 2023). Portanto, acreditamos que a narrativa e sua produção se configuram como agência outra, uma
possibilidade narrativa desde a diferença cultural na qual práticas silenciadas de sujeitos sociais
subalternizados desvelam a matriz colonial de poder e a naturalização da discriminação racial/étnica e
cultural, bem como a produção discursiva de subjetividades em dominadas e dominantes, dando destaque às
práticas de reexistência identitária, política e cultural (Cotta, 2019).