ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 094: Saberes Localizados, escritas de si e entre os seus: desafios político-teóricos e metodológicos nas práticas etnográficas
"Na verdade, agora já é desabafo, é o momento de desabafar": reflexões sobre as narrativas de uma liderança quilombola enquanto processo político e epistemológico
Este resumo refere-se a um recorte de uma pesquisa de doutorado em andamento, que considera as narrativas de Tinho, liderança da comunidade quilombola Ilhotinha, como um processo político e epistemológico. Nossa intenção é destacar o percurso da pesquisa, juntamente com as estratégias metodológicas empregadas ao longo do processo. Nos primeiros encontros com Tinho, indagamos sobre sua motivação para narrar sua história de vida e suas preferências em relação à maneira como gostaria de narrar. Além da entrevista, devido ao seu gosto pela escrita, ele escolheu narrar sua história por meio de cartas virtuais endereçadas à sua interlocutora. A pesquisa vem se desenvolvendo com os aportes teóricos de Evaristo (2020), Rivas-Flores et al. (2020), Kilomba (2019), Nascimento (2022), dentre outros. Entendemos que o interesse em partir das vozes subalternizadas não é para obter a verdade”, tampouco buscar validez ou crédito sobre um acontecimento, mas captar a visão que o sujeito tem sobre si mesmo e de seu contexto, bem como o que suas narrativas representam (Rivas-Flores et al., 2020). No entanto, para alguns grupos sociais não basta falar, mas se fazer ouvir (Evaristo, 2020). Quando Tinho cria laços com o campo acadêmico, estrategicamente está buscando o poder de se fazer ouvir, bem como quando escolhe o que narrar. Para Evaristo (2020), palavra mais ação, é autorização. Experiência transformada em texto, auto autorização. Escrevivência. Sobre suas motivações, Tinho fala: na verdade, agora já é desabafo, é o momento de desabafar. Logo, a palavra é a arma para a transformação contínua da história (Nascimento, 2022). A narrativa de Tinho se origina numa perspectiva pessoal, mas contempla uma coletividade, afinal, a comunidade não é sem mim e eu não sou sem a comunidade (Tinho). Assim, percebemos nele uma escrita e narrativa que escancara um incômodo e evidencia uma revolta. Para ele, é necessário contar a história com nosso olhar, sob a nossa perspectiva. Reescrever a história; usar a escrita e a fala como ato político, como passagem de objeto para sujeito (Kilomba, 2019). Potência para desarmar as palavras do inimigo enquanto fortalece palavras enfraquecidas (Santos, 2023). Portanto, acreditamos que a narrativa e sua produção se configuram como agência outra, uma possibilidade narrativa desde a diferença cultural na qual práticas silenciadas de sujeitos sociais subalternizados desvelam a matriz colonial de poder e a naturalização da discriminação racial/étnica e cultural, bem como a produção discursiva de subjetividades em dominadas e dominantes, dando destaque às práticas de reexistência identitária, política e cultural (Cotta, 2019).