ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 094: Saberes Localizados, escritas de si e entre os seus: desafios político-teóricos e metodológicos nas práticas etnográficas
Da dificuldade de acesso ao campo na autoetnografia
Brevemente: existem dois perigos no fazer autoetnográfico: o primeiro deles é a dissolução completa da perspectiva de um invólucro em torno do Eu – que o faria uma unidade fechada em relação à outras unidades igualmente fechadas com as quais esse eu estabeleceria vínculos, os Outros – o que acarreta, em maior ou menor intensidade, uma sensação muito vívida de dissolução de si, uma percepção exacerbada de que existem extensas zonas e fluxos desconhecidos nesse Eu e uma crescente dúvida sobre se, de fato, esse Eu sequer exista; o segundo perigo, muito maior, é que o primeiro não ocorra. A noção de um sujeito atômico, egocêntrico, auto-interessado, competitivo e amedrontado do modelo político-liberal moderno (contratualista) como descreve Zirbel (2016), faz com que exista também a presunção de que sabemos tudo de nós mesmas, quem somos. Mas as teorias do cuidado nos convidam a pensar em outro tipo de sujeito: um self relacional que não se constitui de modo autônomo, mas são resultado das interações com os demais: a maior parte de nós mesmas é, então, por nós desconhecida, nós não sabemos a priori quem somos ou esses tantos fluxos constantes que nos constituem, enquanto as teorias da imagem tensionam os modos de autopercepção e da relação entre o Eu e o Outro – como, por exemplo, o mito de Narciso. A autoetnografia me parece olhar para isso que nos compõem com o compromisso de realizar uma implosão de si (Dumit, 2014), com uma dúvida um olhar direcionado, sim, mas olhar para essa vastidão de nós que desconhecemos com o compromisso de etnografá-la, percebendo o outro dentro de si como algo que é e não é o si mesmo. Essa zona desconhecida não pode seguir (e não segue) infinitamente, é importante e configura um sujeito de pesquisa que care about o estabelecimento de cortes (Strathern, 2017). E dio surgem questões: o que acontece quando usamos o cuidado como uma forma de cortar a rede que nos constitui e que permite o fazer autoetnográfico? E a pesquisa já em andamento oferece uma resposta: somos convidadas a implodir a nós mesmas – e, pode não parecer, mas essa é nossa melhor opção – e é o que proponho realizar neste trabalho em que, esmiuçando alguns desafios do fazer autoetnográfico e os cruzando com reflexões das teorias do cuidado e da imagem, tensiono a por vezes falsa presunção de facilidade de acesso ao campo nesse tipo de pesquisa para, com isso, contribuir com uma reflexão sobre o narcisismo na autoetnografia.