Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 094: Saberes Localizados, escritas de si e entre os seus: desafios político-teóricos e metodológicos nas práticas etnográficas
Da dificuldade de acesso ao campo na autoetnografia
Brevemente: existem dois perigos no fazer autoetnográfico: o primeiro deles é a dissolução completa da
perspectiva de um invólucro em torno do Eu que o faria uma unidade fechada em relação à outras unidades
igualmente fechadas com as quais esse eu estabeleceria vínculos, os Outros o que acarreta, em maior ou
menor intensidade, uma sensação muito vívida de dissolução de si, uma percepção exacerbada de que existem
extensas zonas e fluxos desconhecidos nesse Eu e uma crescente dúvida sobre se, de fato, esse Eu sequer
exista; o segundo perigo, muito maior, é que o primeiro não ocorra. A noção de um sujeito atômico,
egocêntrico, auto-interessado, competitivo e amedrontado do modelo político-liberal moderno (contratualista)
como descreve Zirbel (2016), faz com que exista também a presunção de que sabemos tudo de nós mesmas, quem
somos. Mas as teorias do cuidado nos convidam a pensar em outro tipo de sujeito: um self relacional que não
se constitui de modo autônomo, mas são resultado das interações com os demais: a maior parte de nós mesmas
é, então, por nós desconhecida, nós não sabemos a priori quem somos ou esses tantos fluxos constantes que
nos constituem, enquanto as teorias da imagem tensionam os modos de autopercepção e da relação entre o Eu e
o Outro como, por exemplo, o mito de Narciso. A autoetnografia me parece olhar para isso que nos compõem
com o compromisso de realizar uma implosão de si (Dumit, 2014), com uma dúvida um olhar direcionado, sim,
mas olhar para essa vastidão de nós que desconhecemos com o compromisso de etnografá-la, percebendo o outro
dentro de si como algo que é e não é o si mesmo. Essa zona desconhecida não pode seguir (e não segue)
infinitamente, é importante e configura um sujeito de pesquisa que care about o estabelecimento de cortes
(Strathern, 2017). E dio surgem questões: o que acontece quando usamos o cuidado como uma forma de cortar a
rede que nos constitui e que permite o fazer autoetnográfico? E a pesquisa já em andamento oferece uma
resposta: somos convidadas a implodir a nós mesmas e, pode não parecer, mas essa é nossa melhor opção e
é o que proponho realizar neste trabalho em que, esmiuçando alguns desafios do fazer autoetnográfico e os
cruzando com reflexões das teorias do cuidado e da imagem, tensiono a por vezes falsa presunção de
facilidade de acesso ao campo nesse tipo de pesquisa para, com isso, contribuir com uma reflexão sobre o
narcisismo na autoetnografia.