Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 094: Saberes Localizados, escritas de si e entre os seus: desafios político-teóricos e metodológicos nas práticas etnográficas
Textos, tempos e composições que (se) transformam: coescrita como experimentação etnográfica frente à
AIDS e suas linguagens de dor
Esta comunicação toma como eixo a construção de relações com uma interlocutora no contexto de uma
etnografia interessada em descrever experiências de sofrimento social entre pessoas que vivem com HIV/AIDS
no Brasil. Durante uma de nossas conversas, em março de 2020, fui afetado pela narrativa de Vanessa Campos,
uma mulher amazonense que vive com HIV/AIDS desde 1990, a qual era estruturada por múltiplas experiências de
violência que articulavam AIDS, gênero e lugar. Além da perplexidade diante das situações narradas, logo
após o início da conversa percebi que a interlocutora tinha algo a falar que, num primeiro momento, parecia
dispensar a necessidade do meu roteiro de entrevista. A partir dali, coloquei-me na posição de alguém
interessado em escutar e passei a seguir o fluxo narrativo de Vanessa. Esta interlocução me colocou algumas
questões: como transcrever o áudio da entrevista e ouvir tudo outra vez? Como ler e reler o texto
transcrito? Como analisar e escrever? Como fazer circular entre múltiplas audiências? Como se posicionar
como autor naquela narrativa? Como escrever e não matar? Nesta comunicação desenvolvo um relato sobre como a
escrita etnográfica se tornou possível no encontro e nas alianças que Vanessa Campos e eu construímos ao
longo da nossa interlocução. O propósito é criar um espaço para demonstrar escritas, escolhas,
bibliografias, relações, afetos, contextos, argumentos que, como pedras ao pavimentar um caminho, constituem
a face do nosso artesanato intelectual que fica ocultada em nossos textos. Assim, elaboro uma experimentação
etnográfica mediante a comparação de três textos que escrevi, dois individual e um colaborativamente, ao
longo da interlocução com Vanessa entre os anos de 2019 e 2023: (1) uma comunicação oral apresentada num
grupo de trabalho da 32ª Reunião Brasileira de Antropologia; (2) a versão revista e ampliada dessa
comunicação oral que se transformou num artigo publicado num dossiê sobre os 40 anos da epidemia de AIDS; e
(3) o livro SoroposidHIVa, uma mulher na diáspora da AIDS escrito por Vanessa Campos em colaboração comigo e
Thiago Oliveira publicado pela Andarilha Edições. Com essas comparações pretendo pensar esses textos como
artefatos etnográficos. Faço isso ao colocar em relação três formas textuais: a comunicação em congresso, o
artigo científico e o livro; o que abre outras possibilidades de discussão sobre escrita etnográfica e
gêneros textuais. Além disso, busco discutir questões como estilos de autoridade etnográfica,
autoria/coautoria, escrita/coescrita e, assim, deixar em relevo uma abordagem de etnografia como
com-posição: composição com as pessoas com quem nos relacionamos em campo e suas lutas; e com posicionamento
político (IMUÊ, 2019).