ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 020: Antropologia e Alimentação: interculturalidade, saberes críticos e desafios contemporâneos em contextos de luta por direitos
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Coordenação
Fabiana Bom Kraemer (UERJ), Flávio Bezerra Barros (UFPA)
Debatedor(a)
Ligia Amparo da Silva Santos (UFBA), Anelise Rizzolo de Oliveira (UNB), Mônica Chaves Abdala (UFU)

Resumo:
O primeiro GT sobre o fenômeno da alimentação nas Reuniões da ABA ocorreu em 1996, em Salvador/BA. Desde então, o GT se tornou um profícuo espaço de discussões no campo da Antropologia da Alimentação, aprofundando as diversificadas temáticas e estimulando novas possibilidades de análises epistemológicas. No contexto atual, marcado pela coexistência de uma pluralidade de crises que convergem com o acirramento de problemas alimentares no Brasil e no mundo, é crucial dialogar com outros saberes para pensar os processos que as produzem, bem como as diferentes formas de ação à garantia do direito à alimentação adequada e à soberania e segurança alimentar e nutricional (SSAN). Serão acolhidos trabalhos que discutam em uma perspectiva antropológica e interdisciplinar os sistemas alimentares em suas múltiplas dimensões socioculturais, políticas, ambientais, religiosas, econômicas, étnicas e interculturais, abrangendo contextos rurais e urbanos, considerando as profundas desigualdades socioeconômicas, de gênero, raça, classe e região, bem como os significados sobre a noção de alimentação saudável, práticas culinárias e as experiências educativas, como também em agroecologia, território, memórias e patrimônios alimentares, em perspectivas críticas. Em síntese, são esperadas contribuições para traçar novas configurações aos estudos das relações entre alimentação e cultura e as vivências de diferentes sujeitos para a garantia do direito à alimentação.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“SERTÕES, SEMENTES E RAÍZES GERAIS”: O Conhecimento Alimentar como estratégia de lutas e resistências Vazanteiras/Quilombolas no Norte de Minas Gerais
Adinei Almeida Crisóstomo (UFRN)
Resumo: Este trabalho é resultado e o tema principal de pesquisa do meu doutoramento em antropologia social. Tem como objetivo central compreender o sistema agroalimentar em uma comunidade Vazanteira/Quilombola do rio São Francisco, no Norte de Minas Gerais. Analisa as práticas de conhecimentos associados ao território tradicional na caracterização do saber-fazer, na produção e no manejo dos alimentos. Como recorte empírico, este estudo é realizado no Quilombo de Praia, localizado no município de Matias Cardoso, extremo norte do estado. Esta comunidade possui uma sociobiodiversidade, um vínculo ancestral com a terra, com as vazantes e com o rio São Francisco, o que caracteriza seus modos de vida e as suas relações de pertencimento ao lugar. Os vazanteiros/quilombolas utilizam das práticas dos roçados nas vazantes em beira rio e lagoas para a produção dos alimentos, o que faz com que as relações de uso e manejo dos diferentes ambientes de paisagem, se relacionam e são influenciados diretamente pela dinâmica e cheias do rio São Francisco. Ao utilizarem essas práticas reafirmam e acionam suas identidades enquanto vazanteiros e quilombolas, utilizam mecanismos como trocas de sementes, o trabalho coletivo e expressões culturais como as “rodas de batuque para reafirmação destas identidades. Neste estudo, pretende-se abordar e investigar o saber-fazer, os saberes ancestrais, os meios de plantar as roças, de colher os alimentos e de como estes mesmos saberes acabam se estabelecendo como uma forma de “resistência as lutas, reivindicações territoriais e aos processos de conflitos ambientais e transformações do lugar, havendo mudanças significativas nas relações de produção alimentar na comunidade. Como estrutura principal a análise etnográfica, a observação, a descrição das roças, das histórias de vida dos sujeitos/atores, dos conhecimentos e saberes, as descrições das relações existentes entre na terra firme, a vazante e o rio, apontando assim para uma lógica de reprodução e prática social da vida e da identidade Vazanteira e Quilombola.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A devastação da mata atlântica e ecossistema litorâneo e as perdas das referências culinárias regionais do Norte Fluminense/RJ.
Alexandre Fernandes Correa (UFRJ)
Resumo: Desde 2020 realizamos estudos no espaço social da culinária e gastronomia do Norte Fluminense, buscando compreender as transformações na paisagem alimentar regional sob o impacto da implantação da indústria de petróleo e gás protagonizado pela Petrobras nos anos 70. A partir desta década, os modos de fazer e saber culinários e gastronômicos passam por severos riscos de perda e desaparecimento sob o incremento de processos simultâneos de globalização/mundialização. A industrialização/urbanização intensificadas, transformaram os modos de vida, desenraizando/desterritorializando padrões alimentares tradicionais (POULAIN, 2014). Os ecossistemas regionais são erodidos em múltiplas dimensões geoespaciais: enclaves portuários na costa litorânea e avanço das manchas urbanas e industriais. Historicamente as devastações da Mata Atlântica se deram através da exploração predatória de madeira, ciclos das monoculturas da cana de açúcar, do café e da pecuária extensiva; destruindo patrimônios indígenas autóctones. Esse cenário de irrupção do Antropoceno (DANOWSKI, 2022) foi desfavorável à manutenção dos traços culturais e dos ingredientes culinários tradicionais. Tais transformações avassaladoras, ainda em curso, romperam elos de transmissão de saberes e fazeres intergeracionais. Detectam-se resistências no âmbito das comunidades quilombolas, mas as comunidades caiçaras/caipiras ainda não são capazes de enfrentar a modernização cada vez mais sofisticada (DORIA, 2021). Através da etnografia no espaço social da culinária e gastronomia regional, registram-se os rastros destas perdas. O processo de turistificação/gouermetização tem provocado o apagamento da memória culinária regional. Mesmo com a aprovação da Lei do Marco Referencial da Gastronomia como Cultura (2015), não se detecta mudanças - o poder público ainda não apreende a importância turística e cultural da preservação e da promoção patrimonial dos saberes e fazeres regionais e tampouco consegue sustentar uma economia culinária voltada para a promoção do consumo dos ingredientes locais. É possível apresentar exemplos destas perdas culinárias em situações emblemáticas. Pode-se tomar o caso do brasão e da bandeira do município e da cidade de Macaé (MACAÉ, 2008). A pesquisa CULINÁRIA MACAENSE procura através de entrevistas e abordagens diversificadas no campo empírico, recuperar traços, documentos, memórias e testemunhos dos hábitos alimentares da população local e regional (BECKER, 1994). Ao promover a proteção da cultura alimentar, resiste-se à homogeneização da alimentação e apagamento da culinária tradicional, realizando o trabalho de levantamento de dados, catalogação e classificação por observação e coleta das receitas ou formas de preparo a partir dos relatos dos entrevistados (PHILIPPI, 2014).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Vivências da Terra: mulheres, agricultura familiar e a tradição da produção de farinha em Ibuaçu (CE).
Camila Moraes Passos (UECE)
Resumo: Por atravessamentos da trajetória da pesquisadora e outros dados apresentados em campo, essa pesquisa tem por objetivos apresentar através da intersecção entre alimentação, família e gênero, um estudo em torno da produção da farinha de mandioca em Ibuaçu, interior do município de Granja (CE). O presente trabalho busca refletir sobre as práticas cotidianas da agricultura familiar, analisando as interações sociais que reiteram a importância da produção de farinha dentro da comunidade. Essa produção articula-se como um instrumento central para a economia social da região, dessa forma, enfatizo também a importância de analisar o cultivo de mandioca como fonte de alimento, emprego e principal fonte de renda para as mulheres da localidade. Neste ínterim, tentaremos localizar as práticas concernentes à agricultura familiar e à farinhada, que por sua vez, está situada no espaço de confluência entre a natureza e a cultura, a mandioca articula biodiversidade, sistemas culturais e tradições étnicas, dada a importância que possui como um dos itens básicos na alimentação brasileira. Devido aos variados aspectos que envolvem desde o cultivo até a transformação em alimento – e que estão ligados a costumes específicos nas refeições realizadas em diferentes partes do país – a mandioca possui significativa importância histórica, cultural e econômica (Júnior, 2022; Oliveira, 2021). Complexificando e adensando suas funções na comunidade e situando a farinhada como distintivo elemento cultural, geracional, social e econômico de famílias cearenses, juntamente ao recorte geográfico que seguimos, situamos a fabricação da farinha de mandioca como representante de um importante produto simbólico e econômico cearense. Nesse aspecto, o encadeamento entre os objetivos dá-se desse modo porque a análise pretende observar como a farinhada reúne gerações de famílias diversas em Ibuaçu. Dentro dessas relações familiares nosso foco será o papel da presença feminina durante as farinhadas, objetivando-se o que ela representa dentro do processo da produção de farinha, as funções e as atividades próprias às mulheres, assim como também a continuidade da tradição. Pois, a farinha, além de estar diretamente associada à sustentabilidade alimentar, também possui significativa importância nos costumes, valores culturais e alimentares, e na garantia de diversas atividades produtivas e econômicas (Santos; Silva, 2021; Araújo, 2015).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ambientalização do Estado e do Mercado e a valorização da origem: um estudo sobre marcas coletivas para produtos de povos e comunidades tradicionais.
Celiana Nogueira Cabral dos Santos (Presidência da República), Camila Batista Marins Carneiro (Ministério do Desenvolvimento Assistência Social Família e Combate à Fome)
Resumo: O presente artigo discute a relação entre o processo de “ambientalização do Estado e do Mercado e o crescente estímulo governamental dado a grupos produtivos de famílias de povos e comunidades tradicionais (PCT) para o acesso a mercados privados, por meio do uso de signos distintivos. O apoio a construção de Marcas Coletivas para produtos de povos e comunidades se insere no âmbito das políticas públicas de apoio e fomento à inclusão produtiva rural e, portanto, esse apoio pode ser compreendido em um contexto de mudança na posição do Estado brasileiro frente a à agricultura familiar no geral e aos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, em específico. A partir dos anos 2000, é possível perceber essa mudança, materializada em um conjunto das políticas, de inclusão social e produtiva, voltadas aos povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares. Interessante destacar que o reconhecimento, por parte do Estado, da existência e valorização dos povos e comunidades tradicionais está diretamente relacionada relacionado com a percepção que as populações tradicionais são “parceiras na luta pela conservação dos recursos naturais. Além de ser uma ferramenta de geração de renda, entende-se que os selos distintivos têm um papel importante nas estratégias de valorização da biodiversidade e do conhecimento tradicional, além de dar visibilidade à produção de povos e comunidades tradicionais, em um contexto que os consumidores passaram a estar cada vez mais preocupados em saber onde e como os produtos foram produzidos, relacionado à um processo de “desfetichização da mercadoria. Emerge, assim, a noção de um novo consumidor politizado, que não vê o consumo separado da produção e por isso, “luta apoiando e fomentando determinadas práticas agrícolas tradicionais e lidas como menor impacto socioambiental. Nesse sentido, torna-se ainda mais relevante pensar em estratégias governamentais de estímulo a organização social e produtiva dos grupos de PCT para expandir o acesso a mercados diferenciados. A partir dos casos de apoio a marca coletiva para a cadeia do Caranguejo- Uçá dos extrativistas do Delta do Parnaíba, da mangaba de Sergipe, do mel dos povos indígenas Wassu Cocal e Xocó, dos produtos quilombolas Kalunga e da pescada amarela dos pescadores da Resex Arapiranga Atromaí, o artigo mostra como esse apoio se insere no âmbito das estratégias de valorização dos produtos vinculados a determinada origem e modo de fazer tradicionais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Como estamos cuidando das pessoas com obesidade? O hiato da interseccionalidade e interprofissionalidade no cuidado em saúde
Danielle Cabrini (UFES), Lorrany Santos Rodrigues (CASSI), Sara da Silva Meneses (ISCON)
Resumo: A obesidade afeta de forma distinta as pessoas segundo o gênero/sexo, raça/cor, classe social e diversos outros marcadores sociais, mediados pelas suas diversas formas de opressão, especialmente quando tais marcadores atravessam de forma interseccional indivíduos e coletividades em sociedades marcadas por intensas desigualdades e iniquidades sociais, como o Brasil. É fundamental destacar que a narrativa dominante das causas da obesidade, é centrada no resultado do binômio: alimentação não saudável e ausência de exercício físico, o que é conhecido como balanço energético positivo. Mas um olhar crítico-reflexivo sobre tal narrativa dominante é primordial, não com objetivo de desqualificar a importância do balanço energético, e sim de ampliar a compreensão da obesidade como um problema social multidimensional e potencializado pela desigualdade social e iniquidades em saúde. Tal ampliação pode ganhar contornos e compreensões ampliadas quando observado a partir da teoria crítica da interseccionalidade. Toda essa complexidade é convidativa e se traduz como um imperativo ético utilizar a interseccionalidade como lente de observação e análise crítica, considerando a necessidade de compreender a obesidade a partir de uma abordagem interseccional, que considera que as múltiplas formas de opressão e as relações de poder exercem influência nas relações sociais que tornam as pessoas que experimentam tais opressões mais vulnerabilizadas para o surgimento e/ou agravamento da obesidade. Tendo como base as questões já trazidas sobre a complexidade da obesidade, é necessário compreender as possíveis lacunas de um cuidado uniprofissional e até multiprofissional. Será utilizado o seguinte questionamento para auxiliar na construção de uma expansão dos cuidados em saúde destinados às pessoas com obesidade: “A oferta de um cuidado multiprofissional para uma condição de saúde complexa como a obesidade é suficiente? Avançar de um cuidado multiprofissional para um cuidado interprofissional é necessário considerando as lacunas que a primeira apresenta na garantia da integralidade do cuidado, em um contexto de problemas de saúde cada vez mais complexos, que requerem ações ainda mais sinérgicas e assertivas, e não apenas realizadas em blocos separados de categorias profissionais distintas. A existência de uma compreensão ampliada do surgimento da obesidade, das iniquidades em saúde, que tornam grupos populacionais mais vulnerabilizados, e da urgência de um cuidado integral, equitativo e equânime no SUS que contemple todas as pessoas com obesidade, discutir a multidimensionalidade da obesidade sob todos esses aspectos é um exercício crítico-reflexivo que supera o hiato entre a interseccionalidade e interprofissionalidade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mulheres Negras em seus Novos Zungus: Cozinha e Poder no Rio de Janeiro Cmtemporâneo
Debora Rios de Souza (SM)
Resumo: A cozinha é símbolo de civilização e cultura. Assim como a língua falada, o sistema alimentar contém e transporta a cultura de quem a pratica (MONTANARI, 2004). É depositária das tradições e da identidade de um grupo. É instrumento de identidade. São inúmeros os exemplos comprovando que historicamente a cozinha sempre foi um espaço ocupado por cozinheiras negras. Era grande a destreza de Tia Nastácia na cozinha nas histórias de Monteiro Lobato, porém o livro de receitas foi chamado de “Dona Benta – Comer Bem”. Em 1958, Ofélia Anunciato, pioneira do gênero, apresentava o programa culinário “A cozinha Maravilhosa de Ofélia”, também à frente das câmeras estava a mineira Cidinha Santiago que, por ser a empregada doméstica de Ofélia, foi “convidada para estar junto de sua patroa. A cozinha passou por alterações, alcançou níveis profissionais, exige qualificação e proficiência. Porém, mantém raízes nas desigualdades proporcionadas pelas distinções de raça, gênero e classe, ou seja, fundamenta-se no racismo, na misoginia e no capitalismo. No Rio de Janeiro novos espaços foram inaugurados durante a pandemia, muitos geridos por empreendedoras (es) negras (os). Cozinheiras e cozinheiros que se arriscaram em empreender durante um período em que estabelecimentos passavam por dificuldades ou eram fechados. Oportunamente, a prefeitura da cidade lançou o “Zungu: Guia de Gastronomia Preta”, com 21 restaurantes com sócios e/ou cozinheiras(os) negras(os), dos quais, treze possuíam suas cozinhas comandadas por cozinheiras negras. A maioria desses lugares, segundo seus administradores, são Novos Zungus. A resistência, a determinação e a união sendo resgatadas dos modelos ancestrais, espaços do século XIX. A reconfiguração mantendo a persistência em existir, a resistência em sobreviver e a força por lutar tipicamente oriundas da ancestralidade quilombola perpetuada nos Zungus e renascidas nestes novos espaços. O que também se configura como uma forte marca presente em muitos desses lugares é o sentido de comunidade. Muitos desses espaços trazem a pluralidade presente pois são bar, produtoras de eventos culturais, livraria, floricultura, loja de acessórios, onde cada um tem um gestor próprio, mas todos eles sob a égide do restaurante, ou seja, a cozinha como o centro agregador para o funcionamento de outros espaços. Mais um traço remanescente da ancestralidade Zungu ou Casas de Angu, a manifestação da cultura, da identidade e da resistência preta pela cozinha. Os Zungus de outrora também eram comandados por mulheres negras. Proponho analisar de que modo, as cozinheiras negras atuais driblam e enfrentam as violências e amarras do trabalho gastronômico que, impulsionado pelo racismo, pelo sexismo, pela colonialidade e pela estratificação social tentam imobilizá-las.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O Papel da Participação na Construção do Controle Social
Felipe Kelvyn Marques Ferreira (SEMED)
Resumo: Este trabalho visa refletir sobre a 5ª Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (CESAN) realizada no estado de Alagoas, nos meses de setembro e outubro de 2023. Nas Conferências Regionais, temáticas e Municipais observadas, interagi com interlocutores que integraram o eixo 3, intitulado Democracia e Participação Social. Dado o contexto de "reconstrução" das políticas públicas no ano de 2023, as Conferências aconteceram em um momento de grandes desafios para a Política e o Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN), bem como para o fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). A partir das observações e conversas com interlocutores, de caráter investigativo e qualitativo, busquei analisar a relação da "sociedade civil" com representantes de Instituições do Estado, na participação nas instâncias do Governo garantidas pelo conceito de controle social. Considerei, portanto, os limites da democracia direta por meio do controle social, as possibilidades de ações políticas que contemplem o diálogo e a tradução das conquistas institucionais em melhorias significativas na realidade cotidiana. No entanto, é importante reconhecer que a democracia direta por meio do controle social tem seus limites. Nem sempre é possível garantir que todas as vozes sejam ouvidas ou que as decisões tomadas sejam plenamente representativas. Ao mesmo tempo, os agentes sociais esperam que as conquistas institucionais resultantes dessas conferências sejam traduzidas em ações tangíveis e impactantes na realidade cotidiana das pessoas. Isso requer não apenas a implementação efetiva das políticas acordadas, mas também o monitoramento contínuo e a prestação de contas por parte das autoridades responsáveis. Em suma, a participação ativa da sociedade civil nas conferências de segurança alimentar e nutricional pode desempenhar um papel fundamental na construção do controle social e na promoção de uma democracia mais robusta e inclusiva. No entanto, é importante reconhecer os desafios e limitações desse processo, buscando constantemente maneiras de aprimorar e fortalecer a participação cidadã em prol do bem-estar coletivo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Habitar e viver em um mundo devastado: a fome na precarização da vida cotidiana
João Paulo de Oliveira Rigaud (UFBA)
Resumo: Nas últimas décadas, a leitura sobre fome no Brasil tem se reduzido a um status circunstancial ou exclusivamente nutricional - a ideia da falta de nutrientes e sua casualidade parecem persistir nos discursos político-científicos. Partindo da etnografia que tenho desenvolvido como pesquisa de doutorado, o meu objetivo com esse ensaio é explorar como o pensamento da antropóloga indiana Veena Das e o conceito de habitar um mundo devastado podem ser categorias úteis para ampliarmos os estudos empíricos em relação à fome. Aqui eu me aproprio de casos empíricos de duas obras: a história de Manjit, do livro Vida e Palavras de Veena Das, bem como, a história de Renilda, do livro Agonia da Fome de Maria do Carmo Freitas, na tentativa de explorar, a partir da lente analítica dos estudos de violência extrema, os limites e silêncios da fome na precarização da vida cotidiana. Essas duas mulheres interlocutoras de histórias aparentemente antagônicas servirão como material empírico a ser analisado a partir da seguinte pergunta: o que é viver em um cotidiano permanentemente devastado? Ao compreender a fome como sinônimo direto de violência e sofrimento social, procuro demonstrar algumas das formas de se escutar a fome oculta e o silêncio que ela produz em nossos trabalhos de campo, bem como, mostrar a necessidade de ultrapassarmos a condição reducionista da fome como horror para reconhecê-la de outras maneiras. É percebivel que, ao sairmos da esfera dos indicadores, na maioria das vezes a fome é lida, puramente, como um espetáculo abominável ou uma condição reduzida a tudo aquilo que “falta na vida dos sujeitos famintos. Entretanto, frente ao terror da fome e todos os seus fantasmas impregnados no imaginário social, sujeitos habitam seus ordinários devastados com lógicas, sentidos e experiências que não podem ser reduzidas a tais limites. Por fim, arrisco a dizer que uma compreensão ordinária, material e concreta da fome parte de uma tentativa de resposta à sensibilidade que o próprio objeto conclama: o viver, todos os dias, em meio a essa condição crônica e devastadora de mundos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Retratos da fome: vivências de pessoas em situação de Insegurança Alimentar no entorno do Mercado Municipal de São Paulo
João Pedro Marinho Rodrigues (UFU)
Resumo: Este trabalho tem como objetivo narrar as vivências de pessoas que habitam as proximidades do Mercado Municipal de São Paulo – SP, e que buscam em seu entorno alimentos descartados para complementar sua alimentação. Com enfoque em compreender suas histórias e como estas convergem com temas como a Insegurança Alimentar e Nutricional (IAN), investigando as razões pelas quais essas pessoas, apesar de viverem ou trabalharem nas proximidades de um dos maiores centros de distribuição de alimentos do Brasil, enfrentam algum grau de insegurança alimentar. Analisando também as dinâmicas de abundância e escassez que afetam essas pessoas, as desigualdades e dificuldades decorrentes da falta de acesso aos alimentos, bem como a negligência do Estado e outros fatores que as colocam em situação de vulnerabilidade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Do pilão ao rubacão: continuações e ressignificações gastronômicas do arroz vermelho no Brejo Paraibano
Josélio dos Santos Sales (UEPB)
Resumo: O arroz vermelho (Oryza sativa L.), o mais antigo cultivado no mundo e o primeiro introduzido no Brasil, chegou à Bahia no século 16 e expandiu-se para a capitania do Maranhão no século seguinte, sendo amplamente cultivado e disseminado pelos lavradores locais, que o chamavam de arroz-da-terra (Pereira, 2002). O tipo branco, procedente de Lisboa, chegou depois à província maranhense, em 1765, mas os rizicultores recusaram-se a produzi-lo. Por isso, a Coroa decidiu proibir o cultivo e do vermelho numa restrição que vigorou mais de 120 anos e resultou na sua marginalização e quase desaparecimento no estado do Maranhão. A Paraíba é considerada o refúgio desse arroz no Brasil, cultivado em pequenas propriedades e força de trabalho familiar. Ele era beneficiado no pilão pelas próprias famílias produtoras e era encontrado nas feiras livres, já beneficiado, e nos pequenos comércios locais (bodegas). No Brejo Paraibano, até a década de 1960 ele predominava, acompanhando o feijão e a “mistura (proteína), preparado na “água e sal”, com carne e/ou costela suína salgadas. Como “arroz de leite”, acompanhava a carne de sol, sendo comida de jantar. Considerado “comida de pobre era substituído nas festividades: casamento, batizado ou festas de inauguração de casa (festas da cumeeira), quando o tipo branco assumia o protagonismo, cozido separadamente e “afinado na “graxa (caldo gordo) de galinha e chamado “arroz de festa”. Com o passar dos anos, perdeu espaço para o arroz da classe longo fino, comercialmente conhecido como “arroz-agulhinha”, o mais consumido no Brasil (Conab, 2015). Por ser translucido, solto e firme após o cozimento, é mais rápido e fácil de fazer. Próximo das prateleiras desse que também é o mais barato dentre todas as opões de arroz apresentadas, está o arroz vermelho, agora na prateleira reservada aos arrozes especiais, com preço superior ao branco, alcançando o dobro do preço daquele. O objetivo deste trabalho, que faz parte de uma pesquisa de doutorado, é compreender as continuidades no sistema de plantio e distribuição do arroz vermelho para a população local em suas práticas cotidianas e sua ressignificação pela gastronomia de Bananeiras (PB), observando os restaurantes instalados na cidade e que integram um projeto de turismo iniciado em 2006 com foco em mais de 15 condomínios fechados de casas individuais dali. Buscamos entender quem são os produtores e como se beneficiam dessa ressignificação gastronômica. Como a população local usa o arroz cotidianamente, e principalmente no preparo dos pratos “chave da culinária festiva local como o rubacão (uma variação do baião de dois), acompanhante contemporânea da carne de sol. Finalmente, como o arroz vermelho tem sido apropriado ou reinterpretado pela gastronomia produzida naquele município?

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Comida de pobre" ou patrimônio ? O consumo das tanajuras no Nordeste do Brasil.
Julie Antoinette Cavignac (UFRN)
Resumo: Iremos analisar o consumo de tanajuras e os conhecimentos associados a esta tradição alimentar no Nordeste do Brasil. Embora muitas vezes estigmatizada como uma fonte de alimento reservada a períodos de crise e rotulada como "comida de pobre" ou "de índio", a tanajura é considerada uma iguaria nas comunidades rurais e entre os povos tradicionais do sertão nordestino. Seu consumo é discreto e excepcional, ocorrendo em condições meteorológicas e ambientais específicas: as formigas emergem dos ninhos apenas uma vez por ano, nos períodos que antecedem a estação chuvosa e após algumas horas de calor intenso. A coleta é realizada durante os voos nupciais, que são breves. Apesar da dificuldade em generalizar, o consumo e o comércio das tanajuras são circunscritos a grupos específicos, frequentemente associados a uma identidade local, étnica ou regional, assim como à experiência de infância no campo. Esta prática envolve saberes relacionados à observação meteorológica, à coleta, ao comportamento animal e às tradições alimentares do mundo rural. Tais conhecimentos e práticas são considerados patrimônios invisíveis, valorizados como alimentos de exceção por aqueles que se orgulham de seguir uma tradição ancestral. No entanto, em situações em que os interlocutores estão fora de seu grupo de origem, o consumo é muitas vezes negado, especialmente entre as gerações mais jovens. Para alguns, evocar o prato ou o cheiro do cozimento dos insetos pode causar repulsa olfativa ou visual, ou mesmo descrença, pois algumas pessoas não conseguem conceber a ideia de comer insetos. O consumo de tanajuras também pode ser considerado uma comida afetiva, sendo apreciadas por migrantes que expressam sua nostalgia pela falta desse alimento, o que os remete à lembrança de suas regiões de origem. O anúncio de uma coleta farta causa um frenesi entre os conhecedores; a ausência de uma boa “safra provoca debates sobre a causa da mudança no comportamento dos animais, a previsão do tempo ou as mudanças climáticas. A comercialização das tanajuras, realizada por meio de redes de conhecimento, é limitada aos espaços urbanos, especialmente em Recife, e é direcionada para consumidores que migraram de suas regiões de origem e encontram amigos que têm este hábito em poucos estabelecimentos localizados em bairros populares ou periféricos. No entanto, poucos consumidores admitem comer formigas, e seus filhos tendem a rejeitar a prática devido ao estigma atribuído a ela pelas classes sociais dominantes, que a consideram "comida de pobre" ou "comida de índio". Iremos analisar o aspecto patrimonial de consumir tanajuras e o conhecimento associado a essa tradição alimentar regional, bem como a invisibilidade dessa prática e daqueles que detêm esse conhecimento.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Em períodos de crises, cuidado comunitário: a distribuição de alimentos através de campanhas de solidariedade durante a pandemia do coronavírus
Luma Mundin Costa (CEBRAP), Lina Penati Ferreira (usp)
Resumo: Em 2014, o Brasil superou sua classificação entre os países no mapa da fome. No entanto, em 2022 o país voltou a essa posição depois de anos de crise político-econômica e da crise sanitária do coronavírus. As múltiplas ações estatais de combate à fome e à insegurança alimentar, foram perdendo alcance, seja pela negligência com a qual os governos trataram as políticas sociais nos últimos anos, seja pela inacessibilidade que o isolamento social impôs. O resultado é que em 2021, depois de quase dois anos de pandemia, 58,7% da população brasileira viva em situação de insegurança alimentar e 15,5% passavam fome (Rede PENSSAN, 2022). Em resposta a esse contexto, observamos, durante a pandemia, uma onda de solidariedade, centrada na distribuição de alimentos. Campanhas mobilizavam recursos, estruturas e expertise, para lidarem com os desafios de acesso a alimentação que a maioria do país enfrentava naquele momento. Este trabalho pretende analisar as ações de solidariedade que distribuíram alimentos durante a crise da pandemia da covid-19. As perguntas que guiam nossa reflexão são: quais atores e organizações foram responsáveis por essas campanhas? Quais os formatos de manuseio e distribuição dos alimentos? Quais dimensões políticas foram desenhadas na fronteira entre comida e solidariedade? Utilizaremos os dados da base “Cuidado e Comunidade: ações coletivas durante a Covid-19”, um trabalho das autoras desenvolvido dentro do projeto TAP-Fapesp “Who Cares? Rebuilding care in a post-pandemic world”. Atualmente, a base conta com 627 ações catalogadas, das quais 559 distribuíram alimentos na forma de cestas básicas, cestas de alimentos perecíveis e/ou refeições prontas. Os resultados preliminares apontam ainda que as principais organizações responsáveis pela estruturação dessas campanhas são os movimentos sociais e coletivos identitários, assim como as organizações não-governamentais, que beneficiavam em grande maioria grupos vulnerabilizados em contextos urbanos. As análise serão desenvolvidas em diálogo com a literatura do cuidado, em particular, com o cuidado comunitário (Razavi, 2007; Fournier, 2020). Entendemos que, ao enquadrar o problema dessa forma, seremos capazes de identificar provedores, beneficiários e práticas de cuidado desenvolvidas coletivamente na produção da vida. O cuidado, nesse sentido, é pensando como uma categoria ampla, que incluí o trabalho empenhado na manutenção do bem-estar e da vida, de si próprio ou de outros (Tronto, 1993). Com o auxílio das reflexões sobre alimentação e política (Appadurai, 1981; Zambiasi, 2023), buscaremos compreender as imbricações entre produção, consumo e distribuição de alimentos e cuidado, que se expressou de maneira coletiva em tempos de crise.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Crise e carestia: o tema da alimentação nos jornais paranaenses “O Dia (PR) e “Diário da Tarde (PR) na década de 1920
Maria Cecilia Barreto Amorim Pilla (PUCPR)
Resumo: O presente estudo faz parte de uma pesquisa maior que tenho desenvolvido a respeito do papel do alimento como componente fundamental na construção da trajetória histórica do Paraná, mais especificamente de Curitiba, e suas contribuições nos campos do social, do político, do econômico e do cultural a partir da avaliação das diferentes proposições da temática “alimentação na agenda da Câmara Municipal de Curitiba entre 1900-1945, bem como nas ações do poder executivo municipal. Junto às fontes oficiais também estão sendo pesquisados artigos de jornais locais, mas que não se restringiam a notícias apenas da região, e traziam em suas páginas novidades do Brasil e do exterior em meio a colunas, anúncios comerciais, cartas de leitores locais, entre outras notícias. Nesse sentido é que aqui quer se priorizar a análise do que apareceu nas páginas dos periódicos “O Dia (PR), e “Diário da Tarde (PR)”, que circularam entre a população da cidade e que de alguma forma trazem elementos sobre a alimentação no cotidiano da capital na agitada década de 1920. Metodologicamente o estudo consiste no levantamento das fontes, os periódicos acima citados, disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, utilizando-se como descritor a palavra “alimentação”, em seguida as notícias são lidas e sistematizadas por assunto e então é realizada a análise em conjunto com outras informações e dados do período. Da atual fase em que está a pesquisa já podemos afirmar que o acesso à alimentação é uma preocupação constante na história e permeia a dinâmica das cidades brasileiras, dentre elas Curitiba. Alguns pesquisadores explicam que essa dinâmica perversa tem suas raízes em um modelo de desenvolvimento que favoreceu sempre as grandes propriedades rurais que têm destinado sua produção pautada nas necessidades do mercado externo, deixando o mercado interno entregue a medidas paliativas de combate à fome. Garantir segurança alimentar à população é saber administrar crises de abastecimento, regular preços, oferecer condições sanitárias confiáveis.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Quando se alimenta o orixá, também se alimenta seu egbe: Uma etnografia no campo alimentar ancestral de terreiro e o seu impacto social.
Mariana Rodrigues dos Santos (UFAL)
Resumo: Culturalmente nossas relações são definidas conforme nossa cultura ou uma junção delas, e dentro dessas relações também são definidos os costumes alimentares. Todo processo de costume de um povo passa por etapas de inserções de informações de outras culturas ou dos processos feitos mediante seus próprios costumes. Isso não é diferente com as religiões de matriz africana, onde seus hábitos alimentares foram constituídos a partir dos africanos escravizados que traziam em sua maior bagagem, a mente, os costumes, crenças e valores de sua cultura originária. E que infelizmente sofreu proibições, castigos ou qualquer outro tipo de punição conforme insistissem em permanecer com seus hábitos culturais. Assim, o vasto conhecimento dos africanos sofria cada vez mais apagamento, mas nunca deixando de existir. Com isso, mediante ao que já compreendemos sobre o período escravista, proponho nesta pesquisa debatermos a respeito do preconceito religioso e racial no contexto alimentar dos terreiros de candomblé. Como Yabassé de terreiro responsável pela cozinha e todo o preparo de alimentos votivos dos orixás e pesquisadora, percebo a resistência nos ouvintes quando se trata no falar da história dos alimentos ancestrais, mas que quando apresentado como um alimento típico de algum estado brasileiro, como por exemplo, o acarajé, e sem contexto, a receptividade referente à informação sobre o alimento é diferente. Um alimento ancestral de terreiro sem história se torna apenas um prato qualquer. O que possivelmente acontece ao se ter ciência em relação a alimentos votivos ou comuns do dia a dia do candomblé é um comportamento carregado de racismo religioso em cima de toda uma gama de pessoas pretas que foram responsáveis por criar uma cultura alimentar tão rica como a do Brasil. Com isso, proponho um debate sobre a valorização da alimentação ancestral de terreiros e suas derivações disponíveis em nossa alimentação diária e também sua inserção nos campos de saberes para que assim possamos falar sobre a história da alimentação brasileira sem precisarmos ocultar informações que fazem parte da história construída pelos escravizados que aqui habitaram. Para isso, através do meu campo de pesquisa sobre a alimentação votiva dos orixás no candomblé, trago minhas percepções juntamente com referências que dialoguem juntamente com o que está sendo proposto na pesquisa. Palavras chaves: ancestrais, alimentação, candomblé.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre becos e vielas: práticas culinárias de mulheres, durante a pandemia de COVID-19, participantes de um projeto social e moradoras no Complexo Paraisópolis.
Nathália César Nunes (UERJ)
Resumo: Introdução: A multiplicidade que permeia a alimentação, o comer e o cozinhar podem influenciar as práticas culinárias dos indivíduos modificando e sendo modificada pela trajetória social destes. Com a pandemia de COVID-19, cenários de desigualdades socioeconômicas foram evidenciados. Pesquisa brasileira com 2.087 moradores de favelas, mostrou que 68% não tiveram dinheiro para comprar comida em ao menos um dia, o que agravou um cenário que já era crítico. Assim, é importante entendermos quais são os significados e representações construídos sobre as práticas culinárias de indivíduos ou de grupos sociais específicos, para compreendermos o nosso contexto atual. Objetivos: Compreender os significados das práticas culinárias de mulheres moradoras do Complexo Paraisópolis/São Paulo participantes do projeto Fazendeiras, no contexto da pandemia de COVID-19. Métodos: De natureza qualitativa, este estudo foi fundamentado em uma pesquisa de campo etnográfica, construída junto à vivência de dez mulheres em um projeto social chamado Fazendeiras, organizado pelo instituto Fazendinhando na favela do Jardim Colombo/Complexo Paraisópolis, São Paulo. Foi realizada a observação participante das aulas do curso de culinária cursado pelas interlocutoras deste estudo e de algumas ações sociais realizadas pelo instituto Fazendinhando, além da construção de um diário de campo durante todo o período da pesquisa. Para análise do material, utilizamos a descrição densa e, posteriormente, as etapas de identificação e problematização das ideias; busca pelos sentidos socioculturais atribuídos; diálogo entre as ideias problematizadas, a literatura acerca do assunto. Resultados: Observamos limitadas estratégias alimentares e culinárias que precisaram ser colocadas em prática pelas mulheres interlocutoras deste estudo. Além disso, vimos que para elas as práticas culinárias têm múltiplos significados permeados por suas trajetórias sociais e estilos de vida. Os significados versam sobre temas como carinho e cuidado com a família; obrigação/responsabilidade, isso porque elas precisaram cozinhar desde pequenas para alimentar suas famílias e durante a pandemia eram as responsáveis por correr atrás da cesta básica; e sobrevivência. Conclusão: Observamos que as práticas culinárias são atravessadas por diferentes perspectivas que expressivamente destacam seu determinismo histórico-estrutural a partir de um modelo de sociedade capitalista, patriarcal e racista. Dessa forma, abordar questões que estruturaram e estruturam essas práticas culinárias baseadas na interseccionalidade de opressões de gênero, raça, classe, região de procedência, dentre outras é fundamental para pensarmos na manutenção das políticas públicas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sociabilidades e agência das coisas em hortas, cozinhas e despensas: uma etnografia das práticas alimentares de uma matriarca ítalo-brasileira
Rangel Carraro Toledo Borges (UFPEL), Renata Menasche (UFPEL)
Resumo: O estudo que origina esta comunicação volta o olhar para saberes e técnicas culinárias de matriarcas ítalo-brasileiras do município de Campestre da Serra, na região dos Campos de Cima da Serra, Rio Grande do Sul. A interlocutora principal da pesquisa, avó materna do primeiro autor do trabalho, passa grande parte de suas manhãs na horta, plantando, colhendo, sentindo e remexendo a terra com os pés descalços. Nas tardes, conversa com amigas, revivendo o passado, redescobrindo acontecimentos que compõem sua identidade, tornando-os presentes e fontes de emoções quando os narra ao neto (AMON; MENASCHE, 2008). A partir de observação participante e do uso de fotografias, este estudo autoetnográfico pretende refletir sobre sociabilidades e agenciamento e potência das coisas do cotidiano: dos ingredientes da despensa, das sementes da horta e de outros tantos objetos que são utilizados diariamente por esta nonna (avó em italiano). Os saberes e fazeres presentes nas memórias narradas, técnicas reproduzidas, recriadas e fotografadas indicam que a tradição presente nesses espaços não é fruto apenas de um passado que se esvai, mas que acaba por se articular com o presente e reformular suas representações (MARQUES et. al., 2015). As motivações do retorno do neto ao pequeno vilarejo onde vive sua avó, as antigas receitas de massas e as novas histórias que as mesmas propiciam acontecem na cozinha, na horta e na despensa, constituindo-se também em temas de reflexão neste trabalho.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"É Natal! Vamos ter cardápio especial?" notas exploratórias de um evento em uma escola pública do Rio de Janeiro.
Renata de Souza Nogueira (Colégio Pedro II)
Resumo: O trabalho é um recorte da pesquisa sobre os sentidos e significados da alimentação escolar e se ancora na observação de um evento, mais precisamente um almoço “especial com a temática do Natal, realizado em dezembro de 2023, no refeitório de uma escola pública do Rio de Janeiro. Parte-se da noção antropológica de que um evento é considerado “especial pelos próprios nativos daquela localidade e são mais vulneráveis ao acaso e ao inestimável, mas não desprovidos de estrutura e propósito (PEIRANO, 2006). Sendo o refeitório da escola um espaço relativamente heterogêneo socialmente, constituído por diferentes sujeitos, pela divisão do trabalho, pelas relações hierárquicas estabelecidas, é que se considera o cenário de estudo como um espaço apropriado para refletir questões associadas entre a comida da escola e o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável (DHAAS). Para tanto, foi observada a dinâmica do evento, o cardápio do dia, o fluxo e interação entre pessoas, a ambiência (clima, decoração, sonorização), os desejos e sonhos registrados, por escrito, na “árvore dos desejos”, além de outros detalhes julgados pertinentes pela pesquisadora. Posteriormente foram realizadas as notas de cunho etnográfico em um diário de campo e analisadas também as fotografias e matéria publicada pela instituição, afim de transformar tal experiência social em experiência etnográfica. Nesse momento de aproximação do campo, observamos lacunas na escola para efetivação do DHAAS. Apesar de garantir dimensões importantes como o acesso e a disponibilidade de alimentos para a segurança alimentar e nutricional dos estudantes, evidenciou-se no extraordinário do cotidiano aspectos da desigualdade social através da comida. A comida ordinária de alguns grupos sociais passa a ser “comida de festa na escola revelando que aquela comida "especial" marca um ordenamento social. Considerando que “a comida é símbolo de pertencimento familiar, cultural, social e existencial (KRAEMER et al., 2014), a discussão sobre alimentação escolar deveria ultrapassar os limites do refeitório, abrangendo toda a comunidade escolar, especialmente os estudantes de maneira interdisciplinar, de forma que essa comida seja representação de um direito conquistado, reconhecido e usufruído na práxis de seus portadores.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Comida e antropologia: os debates sobre cultura e alimentação desde a breve revisão de Sidney Mintz (2001)
Talita Prado Barbosa Roim (UNESP)
Resumo: Essa comunicação trata de colocar em diálogo o campo da Antropologia da Alimentação, suas teorias e categorias a fim de compreender o desenvolvimento do campo de pesquisa nas últimas duas décadas. Não pretendo avaliar a revisão teórica de Mintz (2001) por razões óbvias, mas tentar atualizar o debate e vislumbrar tendências para a área. O artigo de Sidney Mintz é referência e tem sido ponto de partida para nossos estudos, porém desde a data de publicação muito foi e tem sido desenvolvido no campo de pesquisa, carecendo de atualizações. Por isso, apesar dos desafios, proponho a discutir acerca de comida e cultura nos moldes do autor a partir do presente, com olhar crítico para os últimos vinte anos. Trabalharei perspectivas de autoras e autores que desenvolveram novas correntes de pensamento, conceitos e categorias, somando a análise já realizada sobre o campo da antropologia da alimentação no Brasil a partir de publicações de estudos apresentados nos grupos de trabalho (GTs) sobre o tema nos últimos vinte anos nas Reuniões Brasileiras de Antropologia (RBA), que este ano encontra-se na sua 34ª edição, ocorrida bienalmente desde 1954. Para tanto, passaremos pelas discussões levantadas no artigo de Mintz (2001), faremos breve revisão dos debates em Antropologia e Comida pós 2001, adentrando no campo da antropologia da alimentação no Brasil a fim de sustentar as teorias antropológicas, suas etnografias e posicionamentos para o desenvolvimento de nossas pesquisas. Palavras-chave: Antropologia da Alimentação, história da Antropologia, teoria

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O papel da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional na prática instituinte da Reserva Extrativista Marinha de Canavieiras (BA) como um comum
Victor Andres N. Urzua (IFBA)
Resumo: As Reservas Extrativistas (Resex) Marinhas são Unidades de Conservação da Natureza (UC) previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e abrangem comunidades extrativistas baseadas predominantemente na pesca, na cata (coleta) e na mariscagem (beneficiamento) em mangues, estuários e no mar. Seu principal produto é o alimento in natura ou minimamente processado. As atividades dos extrativistas são ao mesmo tempo ofertantes de alimentos diversos para o sistema alimentar e constituem sua principal ocupação e meio de geração de renda (comércio), além da obtenção de comida (autoconsumo). Assim, as atividades nesses ambientes promovem a soberania e segurança alimentar (SSAN) das famílias pescadoras. A partir de estudo sobre a Resex Marinha de Canavieiras-BA, busco investigar de que maneiras essas atividades e territórios, ao serem politizados pelas lideranças comunitárias da Resex, articulam-se como práticas instituintes do comum. Noutras palavras, as ações de consolidação da Resex, entendida como a instituição de um bem comum, acionam noções relacionadas com a SSAN, em suas múltiplas dimensões. A investigação baseou-se em três eixos: levantamento bibliográfico a partir de cruzamentos entre os temas da SSAN e da Conservação da Natureza; oficinas de pesquisa junto a lideranças marisqueiras para aplicação da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) em suas comunidades e observação participante das reuniões do Conselho Deliberativo. As Resex preveem o uso direto dos recursos, condicionados a regras específicas sobre a conservação da natureza e de manutenção das características peculiares das populações, estabelecidas em contratos de concessão e direitos com o Estado. A gestão compartilhada do território por um Conselho Deliberativo possibilita a participação popular e democrática no planejamento do modelo territorial, o que pode se desdobrar, idealmente, em maior autonomia no processo decisório e em práticas políticas de constante consolidação, fortalecimento, defesa, manutenção e permanência no território. Essas características situam o modelo da Resex no debate atual sobre o comum, entendido seja como autogestão dos recursos naturais pelas comunidades locais, seja como ação política construída coletivamente pela e para a comunidade. Esta última forma de ação pode ser compreendida como uma práxis instituinte (Laval e Dardot, 2014) da Resex Marinha Canavieiras como um comum, resultado da luta pelo direito ao território da atividade da pesca e do território do viver do pescador.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A Importância das Feiras de Agricultura Familiar no Vale do Jequitinhonha para as Comunidades do Município de Araçuaí, no Nordeste Mineiro
Vitória Rocha Carmona (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais)
Resumo: O Mercado Municipal e a Feira de Agricultura Familiar desempenham um papel fundamental na construção da identidade cultural do município de Araçuaí, em Minas Gerais. Este espaço é mais do que um local de comércio, é um ponto de encontro e trocas materiais e imateriais, bem como saberes, práticas e valores, entre os habitantes locais, comerciantes e visitantes. A feira não apenas representa uma tradição enraizada na história da cidade, mas também é um símbolo de solidariedade, união e pertencimento para a comunidade. Ao longo dos anos, a Feira de Araçuaí tem sido um espaço onde gerações se encontram, mantendo viva a memória da origem da cidade, que remonta ao comércio de canoas no Rio Jequitinhonha. A presença constante da feira na vida dos moradores e comerciantes, atravessando diferentes épocas e desafios, fortalece a identidade coletiva e a conexão com as raízes culturais do município, por exemplo com a partilha de conhecimentos tradicionais sobre cultivo, colheita e preparo de alimentos transmitidos em sua maioria através da oralidade. Ademais, a Feira de Araçuaí atua na provisão de alimentos básicos para a população local, contribuindo significativamente para a segurança alimentar e a nutrição da comunidade. Através da comercialização de uma variedade de produtos alimentícios frescos e tradicionais, a feira atende às necessidades nutricionais e culturais dos moradores de Araçuaí. A Feira de Araçuaí oferece uma ampla gama de produtos alimentícios básicos, como frutas, verduras, legumes, cereais, carnes, laticínios, entre outros. Essa diversidade de alimentos frescos e sazonais permite que os moradores tenham acesso a uma alimentação equilibrada e variada, essencial para uma dieta saudável. Muitos dos alimentos vendidos na feira são produzidos localmente ou regionalmente, o que promove a economia local e valoriza a agricultura familiar. Essa conexão direta entre produtores e consumidores contribui para a sustentabilidade da produção de alimentos na região e para a preservação de práticas agrícolas tradicionais. A Feira de Araçuaí também é um espaço onde são comercializados alimentos tradicionais e típicos da região, que fazem parte da identidade cultural e gastronômica da comunidade. Esses alimentos não apenas alimentam o corpo, mas também alimentam a memória e as tradições locais, fortalecendo os laços com a história e a cultura da região. A proximidade entre produtores e consumidores na feira garante a qualidade dos alimentos oferecidos. Os moradores de Araçuaí e região têm a oportunidade de adquirir alimentos frescos e de qualidade, muitas vezes produzidos de forma orgânica e sustentável, o que contribui para uma alimentação mais saudável e nutritiva.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Emergências e Crises Sanitárias: diálogos sobre políticas públicas, fome, gênero e favela.
Viviane Mattar Villela Salles (UERJ)
Resumo: O objetivo deste trabalho é refletir sobre como a instabilidade na gestão da precariedade, caracterizada pelas incertezas nos recebimentos de auxílios governamentais (e outras incertezas), pode resultar no aumento da pobreza e da fome na vida de moradoras de uma favela localizada entre as zonas norte e oeste da cidade do Rio de Janeiro, a qual chamo de Tripé. Como uma peça de um quebra-cabeça, a fome se manifesta como uma das muitas desigualdades que se encontram na vida de mulheres, cujas situações vistas enquanto exceções para uns, rompem determinados cotidianos se tornado o ordinário, e a resistência é a única alternativa para produzir possibilidades de vida. A realidade ali destacada, permeada e assombrada pela fome, por inúmeras violências, pela desinformação, pela instabilidade no recebimento de programas sociais, pelo empobrecimento e por crises sanitárias, produz novas lógicas de vida, novas relações sociais e a mobilização de moralidades, afetos e conflitos. Defendo então que a fome é um dos fatores que organiza a vida social no território em questão, produzindo resistências, conflitos, tensões e alianças que culminam até mesmo em novas organizações e lideranças comunitárias. Em um contexto recente de crise, a pandemia de COVID-19 agravou a fome no Brasil e evidenciou a profunda desigualdade socioeconômica presente no país e, consequentemente, no Tripé. Muitas famílias moradoras da favela vivenciaram situações de grave insegurança alimentar e as estratégias para conseguir alimentos se tornaram importantes elementos para organização de relações e dinâmicas sociais. A insegurança alimentar disparou entre as mulheres brasileiras negras que chefiavam seus lares e que possuíam baixa escolaridade, mostrando que a fome tem gênero, cor e grau de escolaridade. Isto aponta para a necessidade de refinar as ferramentas e a gestão de políticas públicas, elaborar guias alimentares e produzir medidas que regulem e promovam uma alimentação regular e permanente em quantidade e qualidade, respeitando a diversidade cultural e levando em consideração a sustentabilidade, precisa estar na agenda de uma decisão política eficaz.