Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 020: Antropologia e Alimentação: interculturalidade, saberes críticos e desafios contemporâneos em contextos de luta por direitos
"Comida de pobre" ou patrimônio ? O consumo das tanajuras no Nordeste do Brasil.
Iremos analisar o consumo de tanajuras e os conhecimentos associados a esta tradição alimentar no Nordeste do Brasil. Embora muitas vezes estigmatizada como uma fonte de alimento reservada a períodos de crise e rotulada como "comida de pobre" ou "de índio", a tanajura é considerada uma iguaria nas comunidades rurais e entre os povos tradicionais do sertão nordestino. Seu consumo é discreto e excepcional, ocorrendo em condições meteorológicas e ambientais específicas: as formigas emergem dos ninhos apenas uma vez por ano, nos períodos que antecedem a estação chuvosa e após algumas horas de calor intenso. A coleta é realizada durante os voos nupciais, que são breves. Apesar da dificuldade em generalizar, o consumo e o comércio das tanajuras são circunscritos a grupos específicos, frequentemente associados a uma identidade local, étnica ou regional, assim como à experiência de infância no campo. Esta prática envolve saberes relacionados à observação meteorológica, à coleta, ao comportamento animal e às tradições alimentares do mundo rural. Tais conhecimentos e práticas são considerados patrimônios invisíveis, valorizados como alimentos de exceção por aqueles que se orgulham de seguir uma tradição ancestral. No entanto, em situações em que os interlocutores estão fora de seu grupo de origem, o consumo é muitas vezes negado, especialmente entre as gerações mais jovens. Para alguns, evocar o prato ou o cheiro do cozimento dos insetos pode causar repulsa olfativa ou visual, ou mesmo descrença, pois algumas pessoas não conseguem conceber a ideia de comer insetos. O consumo de tanajuras também pode ser considerado uma comida afetiva, sendo apreciadas por migrantes que expressam sua nostalgia pela falta desse alimento, o que os remete à lembrança de suas regiões de origem. O anúncio de uma coleta farta causa um frenesi entre os conhecedores; a ausência de uma boa safra provoca debates sobre a causa da mudança no comportamento dos animais, a previsão do tempo ou as mudanças climáticas. A comercialização das tanajuras, realizada por meio de redes de conhecimento, é limitada aos espaços urbanos, especialmente em Recife, e é direcionada para consumidores que migraram de suas regiões de origem e encontram amigos que têm este hábito em poucos estabelecimentos localizados em bairros populares ou periféricos. No entanto, poucos consumidores admitem comer formigas, e seus filhos tendem a rejeitar a prática devido ao estigma atribuído a ela pelas classes sociais dominantes, que a consideram "comida de pobre" ou "comida de índio". Iremos analisar o aspecto patrimonial de consumir tanajuras e o conhecimento associado a essa tradição alimentar regional, bem como a invisibilidade dessa prática e daqueles que detêm esse conhecimento.