ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 020: Antropologia e Alimentação: interculturalidade, saberes críticos e desafios contemporâneos em contextos de luta por direitos
Habitar e viver em um mundo devastado: a fome na precarização da vida cotidiana
Nas últimas décadas, a leitura sobre fome no Brasil tem se reduzido a um status circunstancial ou exclusivamente nutricional - a ideia da falta de nutrientes e sua casualidade parecem persistir nos discursos político-científicos. Partindo da etnografia que tenho desenvolvido como pesquisa de doutorado, o meu objetivo com esse ensaio é explorar como o pensamento da antropóloga indiana Veena Das e o conceito de habitar um mundo devastado podem ser categorias úteis para ampliarmos os estudos empíricos em relação à fome. Aqui eu me aproprio de casos empíricos de duas obras: a história de Manjit, do livro Vida e Palavras de Veena Das, bem como, a história de Renilda, do livro Agonia da Fome de Maria do Carmo Freitas, na tentativa de explorar, a partir da lente analítica dos estudos de violência extrema, os limites e silêncios da fome na precarização da vida cotidiana. Essas duas mulheres interlocutoras de histórias aparentemente antagônicas servirão como material empírico a ser analisado a partir da seguinte pergunta: o que é viver em um cotidiano permanentemente devastado? Ao compreender a fome como sinônimo direto de violência e sofrimento social, procuro demonstrar algumas das formas de se escutar a fome oculta e o silêncio que ela produz em nossos trabalhos de campo, bem como, mostrar a necessidade de ultrapassarmos a condição reducionista da fome como horror para reconhecê-la de outras maneiras. É percebivel que, ao sairmos da esfera dos indicadores, na maioria das vezes a fome é lida, puramente, como um espetáculo abominável ou uma condição reduzida a tudo aquilo que “falta na vida dos sujeitos famintos. Entretanto, frente ao terror da fome e todos os seus fantasmas impregnados no imaginário social, sujeitos habitam seus ordinários devastados com lógicas, sentidos e experiências que não podem ser reduzidas a tais limites. Por fim, arrisco a dizer que uma compreensão ordinária, material e concreta da fome parte de uma tentativa de resposta à sensibilidade que o próprio objeto conclama: o viver, todos os dias, em meio a essa condição crônica e devastadora de mundos.