Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 020: Antropologia e Alimentação: interculturalidade, saberes críticos e desafios contemporâneos em contextos de luta por direitos
Em períodos de crises, cuidado comunitário: a distribuição de alimentos através de campanhas de solidariedade durante a pandemia do coronavírus
Em 2014, o Brasil superou sua classificação entre os países no mapa da fome. No entanto, em 2022 o país voltou a essa posição depois de anos de crise político-econômica e da crise sanitária do coronavírus. As múltiplas ações estatais de combate à fome e à insegurança alimentar, foram perdendo alcance, seja pela negligência com a qual os governos trataram as políticas sociais nos últimos anos, seja pela inacessibilidade que o isolamento social impôs. O resultado é que em 2021, depois de quase dois anos de pandemia, 58,7% da população brasileira viva em situação de insegurança alimentar e 15,5% passavam fome (Rede PENSSAN, 2022).
Em resposta a esse contexto, observamos, durante a pandemia, uma onda de solidariedade, centrada na distribuição de alimentos. Campanhas mobilizavam recursos, estruturas e expertise, para lidarem com os desafios de acesso a alimentação que a maioria do país enfrentava naquele momento. Este trabalho pretende analisar as ações de solidariedade que distribuíram alimentos durante a crise da pandemia da covid-19. As perguntas que guiam nossa reflexão são: quais atores e organizações foram responsáveis por essas campanhas? Quais os formatos de manuseio e distribuição dos alimentos? Quais dimensões políticas foram desenhadas na fronteira entre comida e solidariedade?
Utilizaremos os dados da base Cuidado e Comunidade: ações coletivas durante a Covid-19, um trabalho das autoras desenvolvido dentro do projeto TAP-Fapesp Who Cares? Rebuilding care in a post-pandemic world. Atualmente, a base conta com 627 ações catalogadas, das quais 559 distribuíram alimentos na forma de cestas básicas, cestas de alimentos perecíveis e/ou refeições prontas. Os resultados preliminares apontam ainda que as principais organizações responsáveis pela estruturação dessas campanhas são os movimentos sociais e coletivos identitários, assim como as organizações não-governamentais, que beneficiavam em grande maioria grupos vulnerabilizados em contextos urbanos.
As análise serão desenvolvidas em diálogo com a literatura do cuidado, em particular, com o cuidado comunitário (Razavi, 2007; Fournier, 2020). Entendemos que, ao enquadrar o problema dessa forma, seremos capazes de identificar provedores, beneficiários e práticas de cuidado desenvolvidas coletivamente na produção da vida. O cuidado, nesse sentido, é pensando como uma categoria ampla, que incluí o trabalho empenhado na manutenção do bem-estar e da vida, de si próprio ou de outros (Tronto, 1993). Com o auxílio das reflexões sobre alimentação e política (Appadurai, 1981; Zambiasi, 2023), buscaremos compreender as imbricações entre produção, consumo e distribuição de alimentos e cuidado, que se expressou de maneira coletiva em tempos de crise.