ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 020: Antropologia e Alimentação: interculturalidade, saberes críticos e desafios contemporâneos em contextos de luta por direitos
Mulheres Negras em seus Novos Zungus: Cozinha e Poder no Rio de Janeiro Cmtemporâneo
A cozinha é símbolo de civilização e cultura. Assim como a língua falada, o sistema alimentar contém e transporta a cultura de quem a pratica (MONTANARI, 2004). É depositária das tradições e da identidade de um grupo. É instrumento de identidade. São inúmeros os exemplos comprovando que historicamente a cozinha sempre foi um espaço ocupado por cozinheiras negras. Era grande a destreza de Tia Nastácia na cozinha nas histórias de Monteiro Lobato, porém o livro de receitas foi chamado de “Dona Benta – Comer Bem”. Em 1958, Ofélia Anunciato, pioneira do gênero, apresentava o programa culinário “A cozinha Maravilhosa de Ofélia”, também à frente das câmeras estava a mineira Cidinha Santiago que, por ser a empregada doméstica de Ofélia, foi “convidada para estar junto de sua patroa. A cozinha passou por alterações, alcançou níveis profissionais, exige qualificação e proficiência. Porém, mantém raízes nas desigualdades proporcionadas pelas distinções de raça, gênero e classe, ou seja, fundamenta-se no racismo, na misoginia e no capitalismo. No Rio de Janeiro novos espaços foram inaugurados durante a pandemia, muitos geridos por empreendedoras (es) negras (os). Cozinheiras e cozinheiros que se arriscaram em empreender durante um período em que estabelecimentos passavam por dificuldades ou eram fechados. Oportunamente, a prefeitura da cidade lançou o “Zungu: Guia de Gastronomia Preta”, com 21 restaurantes com sócios e/ou cozinheiras(os) negras(os), dos quais, treze possuíam suas cozinhas comandadas por cozinheiras negras. A maioria desses lugares, segundo seus administradores, são Novos Zungus. A resistência, a determinação e a união sendo resgatadas dos modelos ancestrais, espaços do século XIX. A reconfiguração mantendo a persistência em existir, a resistência em sobreviver e a força por lutar tipicamente oriundas da ancestralidade quilombola perpetuada nos Zungus e renascidas nestes novos espaços. O que também se configura como uma forte marca presente em muitos desses lugares é o sentido de comunidade. Muitos desses espaços trazem a pluralidade presente pois são bar, produtoras de eventos culturais, livraria, floricultura, loja de acessórios, onde cada um tem um gestor próprio, mas todos eles sob a égide do restaurante, ou seja, a cozinha como o centro agregador para o funcionamento de outros espaços. Mais um traço remanescente da ancestralidade Zungu ou Casas de Angu, a manifestação da cultura, da identidade e da resistência preta pela cozinha. Os Zungus de outrora também eram comandados por mulheres negras. Proponho analisar de que modo, as cozinheiras negras atuais driblam e enfrentam as violências e amarras do trabalho gastronômico que, impulsionado pelo racismo, pelo sexismo, pela colonialidade e pela estratificação social tentam imobilizá-las.