Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 020: Antropologia e Alimentação: interculturalidade, saberes críticos e desafios contemporâneos em contextos de luta por direitos
O papel da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional na prática instituinte da Reserva Extrativista Marinha de Canavieiras (BA) como um comum
As Reservas Extrativistas (Resex) Marinhas são Unidades de Conservação da Natureza (UC) previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e abrangem comunidades extrativistas baseadas predominantemente na pesca, na cata (coleta) e na mariscagem (beneficiamento) em mangues, estuários e no mar. Seu principal produto é o alimento in natura ou minimamente processado. As atividades dos extrativistas são ao mesmo tempo ofertantes de alimentos diversos para o sistema alimentar e constituem sua principal ocupação e meio de geração de renda (comércio), além da obtenção de comida (autoconsumo). Assim, as atividades nesses ambientes promovem a soberania e segurança alimentar (SSAN) das famílias pescadoras. A partir de estudo sobre a Resex Marinha de Canavieiras-BA, busco investigar de que maneiras essas atividades e territórios, ao serem politizados pelas lideranças comunitárias da Resex, articulam-se como práticas instituintes do comum. Noutras palavras, as ações de consolidação da Resex, entendida como a instituição de um bem comum, acionam noções relacionadas com a SSAN, em suas múltiplas dimensões. A investigação baseou-se em três eixos: levantamento bibliográfico a partir de cruzamentos entre os temas da SSAN e da Conservação da Natureza; oficinas de pesquisa junto a lideranças marisqueiras para aplicação da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) em suas comunidades e observação participante das reuniões do Conselho Deliberativo.
As Resex preveem o uso direto dos recursos, condicionados a regras específicas sobre a conservação da natureza e de manutenção das características peculiares das populações, estabelecidas em contratos de concessão e direitos com o Estado. A gestão compartilhada do território por um Conselho Deliberativo possibilita a participação popular e democrática no planejamento do modelo territorial, o que pode se desdobrar, idealmente, em maior autonomia no processo decisório e em práticas políticas de constante consolidação, fortalecimento, defesa, manutenção e permanência no território. Essas características situam o modelo da Resex no debate atual sobre o comum, entendido seja como autogestão dos recursos naturais pelas comunidades locais, seja como ação política construída coletivamente pela e para a comunidade. Esta última forma de ação pode ser compreendida como uma práxis instituinte (Laval e Dardot, 2014) da Resex Marinha Canavieiras como um comum, resultado da luta pelo direito ao território da atividade da pesca e do território do viver do pescador.
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