ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 012: Antropologia das Emoções
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Coordenação
Maria Claudia Pereira Coelho (UERJ), Raphael Bispo dos Santos (UFJF)
Debatedor(a)
Maria Claudia Pereira Coelho (UERJ), Cynthia Andersen Sarti (UNIFESP), Claudia Barcellos Rezende (UERJ)

Resumo:
O objetivo deste grupo de trabalho é reunir pesquisas que tenham como foco analítico a compreensão da maneira como as dimensões emocionais integram a vida social e dão sentido às experiências dos sujeitos. As pesquisas em Antropologia das Emoções se consolidaram no Brasil nas últimas duas décadas - a partir de perspectivas de campo variadas e com linhas teóricas específicas -, problematizando oposições centrais no pensamento antropológico, tais como indivíduo versus sociedade, natureza versus cultura, micro versus macro, mente versus corpo, privado versus público, interno versus interno, entre outras. Esse grupo de trabalho elege três focos principais do debate sobre emoções: a) sua capacidade micropolítica; b) a dimensão moral da vida emocional; e c) a relação entre emoções e temporalidades. As principais temáticas a serem contempladas são: a) emoções, gênero e sexualidade; b) emoções e religiosidades; c) emoções, geração e curso da vida; d) emoções e política; e) emoções e movimentos sociais; f) emoções e discursos/práticas profissionais; g) emoções, consumo e lazer; h) emoções, sofrimentos e adoecimentos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Os Kpoppers: sociabilidades e a ressignificação do lugar por meio das emoções
Agatha Elias Andrade dos Santos (UFRRJ), Edson Miagusko (UFRRJ)
Resumo: A indústria midiática sul coreana tem gerado fãs em todo o mundo, principalmente, a partir do kpop (música pop coreana). Este trabalho visa compreender os fãs desse fenômeno global, os "kpoppers", debatendo, a partir de cenas etnográficas, como o fã gera sociabilidades por meio de emoções compartilhadas, que são capazes de ressignificar o lazer e o lugar. Observando os fãs, através da etnografia multissituada, visando seguir conexões e objetos que estão em movimento pelo tempo e espaço. O que permite uma melhor compreensão desses fãs e sua importância na expansão da Onda Coreana, analisá-los é olhar diretamente para a etnografia das emoções. Visto que, não é necessariamente a geografia que une os fãs, e sim as emoções que podem ou não estar associadas ao espaço. Pesquiso os “kpoppers”, desde 2018. Passei três meses na Coreia do Sul, convivendo diariamente com fãs de várias partes do mundo, o que me permitiu olhar para cidade pela visão do fã, e não apenas do turista. Espaço e tempo, em que se encontram as principais cenas etnográficas que analiso. Dando enfoque, em certos aspectos das emoções, que ultrapassam essas fronteiras e localidades, na construção de um fenômeno global.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Emoções entre jogadores de xadrez
Amanda Mello Andrade de Araújo (UFF)
Resumo: Esse texto é resultado de uma investigação mais ampla na qual busquei analisar a formação do habitus de jogadores de xadrez, com ênfase em três aspectos: performance, corpo e emoções. No recorte aqui proposto, dedico-me a apresentar os resultados relativos ao terceiro eixo. Analiso, portanto, a partir de uma perspectiva contextualista, os discursos sobre emoções produzidas no âmbito do referido esporte, a partir de uma incursão etnográfica feita durante dois anos não apenas em um clube de xadrez, como em torneios estaduais e nacionais. Os resultados apontam para uma presença multifacetada da circulação desses discursos no ambiente pesquisado, contrapondo-se a ideia comumente aceita de que enxadristas seriam sujeitos “frios”, “calculistas”, destituídos de emoções. Discuto como os torneios presenciais de xadrez tornaram-se um indutor significativo de emoções de valência positiva em tempos posteriores ao isolamento social que ocorreu durante a pandemia da COVID. Abordo ainda como o rating , taxa de performance da modalidade, tornou-se um dispositivo regulador das emoções durante as partidas em competições e como os significados atribuídos à derrota estão articulados à honra dos jogadores. Por fim, discuto como o xadrez, apesar de ser um esporte em que não há distinção formal entre gêneros nas competições, acaba por atualizar essa diferença no plano emocional.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Raiva e revolta nos ritos funerários recortados da pandemia de Covid-19
Andreia Vicente da Silva (UNIOESTE)
Resumo: As narrativas dos enlutados que perderam parentes durante a primeira fase da pandemia de Covid-19 no Brasil, estão repletas de expressões associadas à raiva, frustração e angústia. Esses interlocutores experienciaram aquilo que tenho denominado de “rituais funerários abreviados” - que foram resultado das medidas restritivas de biossegurança impostas pelo governo brasileiro a partir de março de 2020 para conter o avanço da doença no país e que contemplaram, entre outras diretrizes, o isolamento hospitalar dos infectados; a lacração dos cadáveres contaminados; e a proibição dos velórios. Naquele contexto, a supressão de fases e atores fez surgir uma experiência de morte recortada que ressoa em relatos de enlutados rememorando a impossibilidade de cuidar e proteger os doentes e de preparar e homenagear os mortos. Nesta comunicação, quero debater a forma como a “morte má” da pandemia e os cortes dos rituais afetaram essas experiências. Estou especialmente interessada ​​na interação entre raiva e revolta como forças afetivas que moldam o luto. Para exemplificar, analisarei o caso de Marcelo, evangélico, que perdeu a esposa Letícia, uma jovem de 23 anos sem comorbidades para a Covid-19 em Toledo, no Paraná. Revolta, raiva e tristeza pautaram nossa conversa, na qual ele rememorou a despedida final de seu “grande amor”. Neste caso em específico, é possível debater como o poder dos agentes de saúde em aplicar princípios aproximados à perspectiva da “morte moderna” se confrontou com as expectativas do enlutado gerando reações violentas. De maneira geral, argumento que a interrupção do fluxo do ritual, as inovações e invenções e as emoções relatadas apontam para a centralidade do aspecto relacional na avaliação do fracasso do rito. Afinal, se os rituais funerários funcionam como marcadores de identidade, quem somos nós que sobrevivemos às mortes da pandemia?

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Amor, vergonha e culpa nos discursos das mães de homens trans: uma análise micropolítica das emoções
Anne Alencar Monteiro (UFBA)
Resumo: Este trabalho analisa os aspectos micropolíticos das emoções presentes nos discursos de familiares de homens trans, em sua maioria mães ligadas ao ativismo político. A análise desses discursos está situada no campo teórico e etnográfico conhecido como antropologia das emoções e na sua intersecção com os temas do gênero, parentesco e poder. Este trabalho integra parte de uma pesquisa mais ampla de doutorado, ainda em desenvolvimento, em que foi realizada uma etnografia entre os anos de 2020 e 2023, que incluiu observação participante em espaços frequentados por homens trans e suas famílias nas cidades de Salvador/BA, Feira de Santana/BA e Aracaju/SE, entrevistas semiestruturadas, além de conversas informais. Para esta apresentação, será focado nos discursos das mães que, ao narrarem o momento de “descoberta” da identidade transmasculina de seus filhos, descreveram um misto de sentimentos, sendo a vergonha, a culpa e o amor os mais abordados por elas. A vergonha emerge nessas falas como uma resposta ao olhar julgador do outro que não respeita a transgeneridade, sendo esta percebida como algo negativo e, portanto, motivo de constrangimento. Associada a isso, a culpa também emerge nessas narrativas atrelada a compreensão da transgeneridade como um desvio moral. Essas mães relataram que sentiram culpa e foram culpabilizadas pela transição de seus filhos e, consequentemente, recaiu sobre elas a responsabilidade dessa “falha de conduta”. Assim, a análise desses sentimentos evidencia duas formas de manutenção das hierarquias de gênero: o entendimento da transgeneridade como um “erro de conduta” que se contrapõe a cisgeneridade como “normal”; e a responsabilização das mulheres por esse “erro”, sendo elas culpadas por qualquer “desvio” em suas famílias. Por outro lado, o amor aparece nos discursos dessas mães como um elemento fundamental para apoiar a transição. Assim, “aceitar um filho trans por amor” foi uma das formas pelas quais essas pessoas conseguiram manter suas relações, sendo o amor descrito como parte constitutiva do parentesco. Além disso, o amor ganha contornos mais coletivos ao ser utilizado como principal estratégia de mobilização política de um grupo ativista composto majoritariamente por mães de pessoas LGBTQI+. Esse grupo utiliza de concepções hegemônicas sobre a maternidade, como “a boa mãe é aquela que ama e cuida”, para que esse “amor” possa “eliminar preconceitos” e incluir as dissidências sexuais e de gênero. Assim, essas mães ativistas utilizam de retóricas políticas emocionais como forma de agir frente à cisheteronormatividade. Com isso, essa apresentação visa demonstrar a complexidade do potencial micropolítico das emoções frente às relações normativas de subordinação e poder.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre o “vínculo” e o “cuidado”: uma análise das emoções na enfermagem em saúde da família
Bruna Motta dos Santos (UFRJ)
Resumo: O presente trabalho é fruto de uma pesquisa de doutorado em andamento que tem como objetivo mais amplo compreender como as emoções são compreendidas e gerenciadas por enfermeiras e enfermeiros. Tendo em vista o enfoque dessa investigação, a pesquisa está sendo conduzida através de uma etnografia com residentes e professoras de um curso de residência de enfermagem em saúde da família. Neste trabalho, mais especificamente, partimos da análise de casos clínicos apresentados pelos residentes, cujas narrativas evocam duas categorias nativas que ganham relevo no que concerne à experiência emocional: cuidado e vínculo. Enquanto categoria definidora da enfermagem, o cuidado tem sido uma noção associada às ideias de totalidade e integralidade, uma percepção alicerçada na compreensão do paciente em sua dimensão biológica, social, psicológica e emocional. Já o vínculo é apontado, dentro dos princípios da Estratégia de Saúde da Família, como uma categoria que se refere à aproximação entre o profissional e usuário, como um pressuposto da eficácia das ações em saúde e como um atributo fundamental para uma compreensão mais ampla do processo saúde-doença. A partir da análise dessas duas categorias, buscamos compreender como as emoções dessas enfermeiras e enfermeiros estão atravessadas pelos sentidos e significados dessas noções. A epistemologia do cuidado em enfermagem, por um lado, e a Saúde da Família, por outro, constituem dois universos - ou idiomas culturais, para usar os termos de Rosaldo (2019) - que oferecem aos residentes um conjunto de noções e visões de mundo que permitem um engajamento do profissional no contexto, influenciando seus modos de sentir frente às situações vivenciadas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Em busca do parto positivo: as emoções e a assistência ao parto em relatos de internet
Claudia Barcellos Rezende (UERJ), Maria Clara Matos Barreiros (UERJ), Amida Reis Umogo (UERJ)
Resumo: Neste trabalho, analisamos os sentimentos que compõem um parto positivo em relatos de parto publicados em um site britânico e como eles expressam aspectos importantes da assistência à saúde neste país. Este material resulta de um projeto de pesquisa que compara relatos de parto em sites ingleses e redes sociais brasileiras, olhar comparativo que informa nossa análise. Entendemos estes relatos como discursos emocionais que revelam dinâmicas sociais e devem ser compreendidos em termos de seu contexto – sites organizados por doulas que promovem experiências “positivas”, em um sistema de saúde majoritariamente público onde a assistência ao parto é em geral feita por midwives (parteiras), com eventos acontecidos durante os primeiros anos da pandemia de Covid-19. Partindo dessas premissas, mostramos como os relatos concentram muitos detalhes sobre como as mulheres vivenciaram emotivamente o parto, com a participação dos maridos e das midwives como coadjuvantes. Argumentamos que a ênfase nos “sentimentos positivos” – com destaque para calma e confiança em si e no seu corpo – bem como a preocupação em afastar as emoções “negativas”, marcadas pelo medo e ansiedade, apontam para o papel central que a narradora assume como condutora do evento, pondo em segundo plano as relações de assistência ao parto.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Emoções em narrativas de pessoas trans e travestis: possibilidades de agência
Déa Bertran Munhoz (UNICAMP)
Resumo: Nas últimas décadas, as pessoas trans e travestis iniciaram o processo de desvelamento de suas vidas e ocupação do espaço social, em áreas diversas como a academia, política, artes e cultura, entre outras, demandando respostas da sociedade às suas reivindicações enquanto sujeitas/os/es de direitos. Para tanto, faz-se necessária a produção de conhecimento sobre o assunto, bem como a geração de imaginário que abarque a variedade de possibilidades existenciais humanas. No âmbito da literatura não-ficcional, reconhece-se a abertura para as autobiografias de pessoas trans e travestis, fonte de descrição de experiências que confrontam o modelo binário, cisgênero e heterossexual de vivenciar a sexualidade. Esta proposta de apresentação, recorte de projeto de doutorado em andamento, pretende refletir sobre a possibilidade de se identificar, por meio de emoções expressas na narrativa autobiográfica, agenciamentos provenientes de experiências que não as marcadas pela opressão. Emoções, assim, entendidas como sentimentos tonalizados pelos contextos sociais e culturais em que aconteceram, capazes de possibilitar movimentos de legitimação e pertencimento, configuram-se em movimentos micropolíticos. Dessa forma, amplia-se a sua dimensão para que sejam consideradas como práticas sociais, fora do modelo restritivo que somente as têm enquanto expressão da natureza humana. O material empírico é a tese de mestrado em sociologia defendida em 2014 por Letícia Lanz, “O corpo da roupa. A pessoa transgênera entre a transgressão e a conformidade com as normas de gênero”, bem como o livro dela derivado, lançado em 2021, “A construção de mim mesma. Uma história de transição de gênero”. Tal eleição se deve ao fato de que sua narrativa retrata a passagem do cenário brasileiro em relação aos costumes e, particularmente, à sexualidade - nascida em 1951, pode vivenciar a longa abertura para subjetividades diversas alcançada pelo país, dos anos de repressão da ditadura à abertura à diversidade e inclusão social, embora as anacrônicas correntes opositoras sempre atuantes. O foco analítico, sob olhar interdisciplinar, é o dos estudos de gênero, antropologia das emoções, feminismos, transfeminismo e psicanálise, enquanto geradores de sentidos em que se entrelaçam aspectos singulares, sociais e políticos. A importância desse trabalho está em ressaltar aspectos afirmativos de uma comunidade que se destaca por ser vitimizada pela violência e transfobia social, além de promover discussões sobre a permanência da construção do binarismo, bem como as rupturas possíveis ao status quo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O medo do futuro, o tédio do instante e as nostalgias do pertencimento: leituras de uma liberdade paradoxal
Eduardo Moura Pereira Oliveira (UERJ)
Resumo: Esse ensaio busca mapear o debate teórico a respeito de algumas representações do tempo e as emoções vinculadas a partir de diagnósticos da contemporaneidade, considerando a hipótese da nostalgia como mecanismo de defesa, âncora e bússola aos anseios por liberdade diante de um futuro representado como inseguro e um presente marcado pelas sensações de enfado e esgotamento.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A economia moral da materialidade da dor na experiência social da fibromialgia
Francisco Cleiton Vieira Silva do Rego (UFRN)
Resumo: Este trabalho busca refletir e descrever os contornos da experiência social da fibromialgia, particularmente no que se refere à dinâmica moral para a comprovação coletiva da materialidade da dor. Isto é, o objetivo é descrever e compreender etnograficamente as racionalidades e as práticas produzidas no escopo das relações sociais e diante de especialistas de cura médica e popular que possibilitam a alguém adoecido provar que a dor que sente e narra é algo real e necessita de intervenções coletiva (reconhecimento, suporte econômico e emocional etc.) e em saúde (tratamento, explicação etc.) que se interconectam e se confundem. A emergência da fibromialgia como uma doença crônica esteve envolvida em dinâmicas sociais que a definiram como uma doença de mulheres e alicerçada primeiramente em fundamentos psicológicos e, posteriormente, em uma apresentação fisiológica dos sintomas relevantes. Atualmente, e de modo crescente, trata-se de uma doença reconhecida que detém um diagnóstico que não se restringe a ouvir o paciente em anamneses e se expande ao exame de toques em pontos determinados do corpo que exponham ao médico a dor narrada. Mesmo assim, a fibromialgia continua a desafiar a compreensão familiar sobre o adoecimento do parente e coletiva do trabalhador e do membro da comunidade em geral, principalmente porque a sua dor associada está, muitas vezes, invisível na superfície da pele e nas profundezas da fisiologia e antecede efeitos que restringem a mobilidade corporal. Pode-se perceber que há uma organização social das emoções que tem se constituído em uma economia moral que traduz e apresenta a dor sentida no corpo em sua materialidade visceral e liga profissionais, familiares e pacientes. No curso do itinerário terapêutico, como a dor é sentida e tornada visível no espaço das suas relações sociais? Se conforma aí uma linguagem da dor? Interessa-me observar como se administra corporalmente a dor e como essa materialidade implica-se em atitudes e técnicas corporais, tanto do adoecido como das pessoas partes da sua vida na conformação de biossocialdiades. Este trabalho se baseia em pesquisa etnográfica em andamento desenvolvida a partir de uma Unidade Básica de Saúde do SUS, localizada no semiárido potiguar. Ao longo da observação participante, inicialmente nas dependências coletivas do postinho (sala de espera, corredores, calçadas etc.) e, posteriormente, em consultas e tratamentos com profissionais de saúde, têm-se buscado compreender a trajetória social que conforma a experiencia da fibromialgia. A isso se liga tanto a análise de documentos na forma de legislações e guias em saúde, quanto entrevistas de longa duração com gestores, médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, além das próprias pessoas que vivem com o adoecimento.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Reflexões sobre família, ciúmes e sexualidades entre pessoas não monogâmicas sob a luz da Antropologia das emoções
Larissa Teixeira Pires (UFSC)
Resumo: O presente trabalho surge através de reflexões e inquietações que tive na escrita do meu projeto de mestrado em Antropologia Social. Este trabalho busca reunir um levantamento bibliográfico do que vêm sendo produzido no país envolvendo estudos sobre não monogamias, e portanto, investigando a dimensão moral da vida emocional no âmbito de gênero, sexualidades e dissidências sexuais, compreendo as relações não monogâmicas como dissidências sexuais e amorosas do modelo diádico e exclusivo, hegemônico nas sociedades ocidentais (PILÃO; BARBOSA; BORNIA JR; SILVÉRIO, 2021). Estes, questionam a norma regulatória da sexualidade e da família no ocidente: a monogamia. Entendendo as emoções enquanto categorias entrelaçadas na vida social e que conferem significado às experiências individuais, meu objetivo é, através da bibliografia da área de Antropologia das Emoções e junto à pesquisas mais recentes realizadas em solo nacional que discutem sobre não monogamias e arranjos de relações não-monogâmicos, assim, anseio pesquisar como essas pessoas nesses contextos e identidades compreendem e (re)inventam conceitos como família, ciúmes e/ou práticas não exclusivas de sexualidade, refletindo como sexualidades não hegemônicas vêm sendo (ou não) transformadas e ressignificadas. Pesquisas etnográficas sobre não monogamias no Brasil já ocorrem em programas de pós-graduação de algumas cidades do país, como em Porto Alegre (BORNIA JR, 2018), Brasília (FRANÇA, 2016), Recife (CAVALCANTI, 2018), e Belo Horizonte (pesquisa comparativa entre esta cidade e Lisboa, a qual está ainda em andamento e sendo realizada pela pesquisadora Maria Silvério), as quais pretendo utilizar como algumas das referências da pesquisa

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Relacionamentos, atração e sexualidade no discurso de pessoas aspec
Lucas Miranda dos Santos (UFF)
Resumo: Dando continuação e trazendo um olhar mais amadurecido a um trabalho originalmente redigido para a conclusão de uma matéria na graduação, esse trabalho analisa e discute o discurso emotivo de pessoas que não sentem atração sexual e/ou romântica (aspec) que estão ou estiveram em relacionamentos sexuais e/ou românticos após se identificarem como não sentindo algum grau de atração. Trabalhando principalmente a partir de posts em redes sociais e entrevistas, a discussão presente toma como base nos trabalhos de Abu-Lughod sobre o discurso emotivo, em especial em "Language and the politics of emotion", e "A ilusão biográfica" de Bourdieu. Entendo aqui que toda afirmação sobre o "eu" de um dado momento faz parte de uma narrativa autobiográfica que é construída e (re)contextualizada a partir do momento de fala, e que todo discurso (inclusive o emotivo e sobre a emoção) toma parte em meio a uma gama de projetos sociais nos quais meus interlocutores têm interesses, explícitos ou não. O principal foco da análise é como pessoas aspec articulam em palavras seus relacionamentos, assim como, em relação a esses, o papel de sua (falta de) atração, os seus sentimentos, e o que as levou a entrar em um relacionamento com sue(s) parceire(s).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Silêncios e Humilhações: O Papel da Retórica Emocional na Construção da Culpabilidade da Vítima em Casos de Feminicídio no Brasil
Márcio Ferreira de Souza (UFU), Silvana Aparecida Mariano (UEL)
Resumo: Este trabalho analisa o fenômeno do feminicídio (Segato, 2005) a partir da humilhação social como categoria de análise socioantropológica, sob o pressuposto de sua dinâmica racional de poder (Decca, 2005) enraizada na sociedade brasileira. A culpabilização da vítima e o processo de revitimização têm sido, historicamente, expedientes comuns impactantes nos resultados judiciais que, de certo modo, contribuem para o favorecimento dos réus, a exemplo de usos do argumento de assassinato em “defesa da honra (Corrêa, 1983). Sob este mote, interessa-nos investigar a humilhação de gênero por meio de práticas de culpabilização de hábitos social e comportamental das próprias vítimas em processos penais. Com o auxílio da análise de discurso, focalizamos os atos performativos das defesas dos réus em autos de processo públicos, em vídeos de sessões de julgamentos no Tribunal do Júri, traduzidas pela retórica emocional (Lutz, 1990) em apelos sentimentais e moralizantes. Baseamos, também, em coberturas da imprensa, a partir da seleção de casos de feminicídios tentados ou consumados ocorridos no Brasil. Como critério de seleção consideramos a existência de vítimas mais potenciais, portanto mais estigmatizadas (Goffman, 1980), como as trabalhadoras do sexo, as mulheres transexuais e mulheres usuárias de drogas ilícitas. Nesses casos, inferimos à eficácia simbólica das performances condenatórias a partir de argumentos moralizantes que contribuem para incremento de silenciamentos e sofrimento social das mulheres (Das, 1985).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rituais de Humilhação
Matheus Alysson Cunha (UFU)
Resumo: O seguinte trabalho faz parte da pesquisa de Iniciação Científica intitulada “A face oculta do riso: o humor como dispositivo de humilhação social”. Tem por objetivo, ao realizar uma etnografia virtual e análise de conteúdo e imagens a partir das redes sociais de determinados comediantes (Léo Lins e o “Canal Hipócritas”, principalmente), relatar a importância da análise socioantropológica do discurso humorístico como um dos fatores para a construção de uma visão de mundo (e, por consequência, também de uma conduta) que, aqui no caso analisado, opera como uma técnica racional da narrativa da humilhação social, destinada principalmente às minorias sociais. Essa narrativa, portanto, auxilia na construção de determinadas margens: daquilo que se considera correto e daquilo que se considera incorreto, ou, em um salto teórico, do que é inteligível e do que é ininteligível (Butler, 2019). Ou seja, que a partir do discurso que faz rir (Foucault, 2010) pode-se investigar questões objetivas da assimetria e hierarquização daquele agente do “perigo”, de desordem. Para isso, é necessário localizar o humor enquanto uma das partes constituintes dessa narrativa, sendo um desdobramento cultural da instrumentalização da raiva por parte do “bolsonarismo” que, em um contexto de neoliberalismo autoritário e austero, depende de delimitar um “inimigo” no local da impureza e que, por consequência, deve ser eliminado. É o humor, aqui, um tipo de técnica, mesmo que simbólica, capaz de construir discursos e práticas. Funciona, no âmbito cultural, do entretenimento e do espetáculo, como uma justificativa do “bolsonarismo” como um agente reintegrador da norma. O trabalho, portanto, pretende: I) apoiando-se teoricamente em uma gama de autores, estabelecer que a humilhação social faz parte de um duplo encontro: por um lado, uma ação racionalmente guiada. Pelo outro, um sentimento em si; II) que o humor pode funcionar como uma técnica de construção de condutas, práticas e de visões de mundo e III) que a narrativa da humilhação, construída humoristicamente por agentes morais da extrema-direita brasileira, é fabricada afetivamente pela raiva, ressentimento, ódio e nojo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O que é, afinal de contas, o amor?
Mayara Achilei de Freitas (UFMG)
Resumo: Neste trabalho, analiso discursos emocionais de mães acerca de suas experiências de maternagem, em especial envolvendo o “amor materno”, que tem sido historicamente questionado como enquanto um sentimento instintivo e obrigatório (BADINTER, 1994), assim como tem sido problematizado também pelas interlocutoras a partir de suas experiências cotidianas. A pesquisa ocorreu, inspirada nos métodos histórias de vida (KOFES, 2001) e histórias de família (PINA CABRAL; LIMA, 2005), com cinco mulheres brasileiras, participantes de um grupo virtual de mães, centrado no compartilhamento de narrativas críticas e de dificuldades sobre o maternar. Os discursos das interlocutoras evocam emoções como solidão, culpa, arrependimento, ódio, amor e gratidão, organizados, em suas narrativas, desvelando complexos emocionais organizados não apenas a partir do gênero, mas também do parentesco. Interlocutoras do trabalho, como Maria, narraram o sofrimento vivido pelo descompasso entre as expectativas sobre a maternidade e suas “maternidades reais”, ao não sentir amor instintivo, ou “um calorzinho no peito” pelo filho, ao passo em que Carol é apontada como ingrata pelo marido, ao pedir que ele “ajude” no cuidado com a filha ao chegar do trabalho. No caso de Maria, o amor que não sentia, foi “entendido” e “construído” com o passar do tempo, a partir de um trabalho emocional (HOCHSCHILD, 2013) empenhado também por seu marido: “você cuidaria tanto desse menino se não o amasse? Então você ama sim!” Em suas experiências plurais, que questionam a noção de amor instintivo, as interlocutoras do trabalho elaboram que, de certo modo, amar é cuidar. Os discursos emocionais que expressam, indicam os impactos de suas maternidades em suas trajetórias e cotidianos, bem como as emoções são agentes ativos no processo de elaboração de suas experiências, em perspectivas com ideários como a “romantização da maternidade” e a maternidade compulsória, e na organização do cuidado. Desse modo, reforçam a compreensão das capacidades micropolíticas das emoções (BISPO; COELHO, 2019), em suas articulações com gênero, e, no caso deste trabalho, se imbricando também com a organização do parentesco.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Dura ação - “dourar a pílula”, “água com arroz” e “acolhimento”: emoções, cuidado e envelhecimento no habitar da vida e do convívio em serviços socioassistenciais
Natalia Negretti (Fundação Escola de Sociologia e)
Resumo: A partir de uma pesquisa etnográfica iniciada e realizada primordialmente em um “centro de acolhida especial para idosos” (CAEI) na cidade de São Paulo, que denomino como Estação Sentinela, nessa apresentação busco relacionar emoções, cuidado e convivência circunscritos a ambientes institucionais gestados pela Assistência Social. A interlocução com Valquíria e com suas vias de “dourar a pílula”, que articulam entre outras dimensões, “resistência” e “resiliência” a envelhecimento e instituição, possibilitam uma reflexão que circunscreve e considera possibilidades e agências. Na aproximação com um trajeto - de vida e pela rede socioassistencial - dessa interlocutora, busco estender a discussão de cuidados de si aos espaços que o controle das emoções ocupou, desde moralmente, no cotidiano acompanhado na etnografia e atentar a um público convívio; entre emoções, cuidado, controle e agência na governamentalidade compreendida, nos termos de Foucault (2022, p.31), como “a maneira como os indivíduos são dirigidos e a maneira como eles se conduzem a si mesmos”. Essa abordagem visa trazer possibilidade de vincular emoções e cuidado com significações de direitos, necessidades e subjetividades em instituições socioassistenciais, a contar do encontro com Macela e da interlocução com Junquilho durante a pesquisa de campo. Na indignação apontada por ambos, enquanto a recusa à "água com arroz" dessa usuária da rede socioassistencial paulistana atentou vínculos entre oferta e básico em serviços e atendimento, a abordagem de Junquilho frente a “Acolhimento” informou na simultaneidade de possibilidades de significar tal termo técnico não apenas sua problematização e disputas, mas também expectativas e uma fricção entre acolher e cuidar. As interlocuções atentam tais imbricações a partir de seus contextos, moradias públicas, e dão densidade para a consideração de um campo tanto específico quanto relacional; emoções e cuidado em redes socioassistenciais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Emoções no punk: um estudo sobre a performance da raiva na cena Riot Grrrl carioca
Patricia Conceição Silva (UERJ)
Resumo: O presente trabalho visa apresentar, dentre as possibilidades de estudo sobre o movimento Riot Grrrl, a performance do sentimento de raiva na cena punk feminista carioca. O movimento Riot Grrrl surgiu durante os anos 90 nos Estados Unidos em Olympia, chegando na mesma década no Brasil, idealizando a construção de um estilo independente e se associando fortemente com ideais do punk como o “faça você mesmo”, trazendo o “girls to the front” e criando punkzines. Com isso, surge a urgência para o aparecimento do tema sobre cenas musicais, punk e musicologia feminista atualmente, reforçando as mudanças na cena Riot Grrrl dos anos 90 para cá. Com base em um recorte de duas bandas cariocas que se autointitulam Riot Grrrl e com fortes influências no punk, pretende-se analisar, a partir dos estudos de Antropologia das Emoções e Gênero, os sentimentos expressos em músicas punks dessas bandas, que em sua maioria expressam o sentimento de raiva. A pesquisa é do tipo qualitativa, pois suas características proporcionam um envolvimento com o movimento Riot Grrrl e bandas da cena carioca, permitindo adquirir informações mais aprofundadas sobre as emoções naquela cena. Além disso, foram usadas as técnicas de entrevistas semi estruturadas com integrantes da banda e análise das letras das músicas, a fim de relatar quais os sentimentos expressos nas canções das bandas, além da pesquisa de campo em shows das bandas. O trabalho demonstra que as ideias feministas no estilo musical punk rock abriram portas para a proliferação de uma resistência cultural das mulheres nesse espaço que é ainda conhecido por ter uma ampla presença masculina. A partir da análise das letras das bandas escolhidas para o trabalho, constata-se que as emoções podem ser observadas como “dinâmicas” ou como “complexos”, onde os sentimentos de raiva e humilhação podem ser transformados em performances de raiva e ódio nas canções. Além disso, as músicas apresentam o desprezo e provocações a outra pessoa - apontada como uma figura masculina - e colocando mulheres não em posição de subordinação, mas de destaque. É nesta conjuntura que a presença feminina reivindica espaço nas cenas musicais através de afirmações que exigem espaço, voz e protagonismo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Patrick Monteiro do Nascimento Silva (CNFCP/IPHAN)
Resumo: O artigo a ser apresentado é parte da pesquisa de tese em andamento sobre os processos de requalificação civil de pessoas trans e travestis junto à Justiça Itinerante-Manguinhos no Rio de Janeiro. A solicitação de alteração de nome e sexo nos documentos pode ser feita diretamente nos cartórios de registro de pessoas naturais. No entanto, a Justiça Itinerante ainda é frequentemente buscada no Rio de Janeiro e há casos em que o processo judicial é a única opção. Este artigo trata de um desses casos, que são as requalificações post mortem, ou seja, aquelas solicitadas pela família após a morte da pessoa trans. O título escolhido para este texto é parte de uma poesia escrita por uma das interlocutoras da pesquisa, que também é citada nas sentenças de requalificação post mortem: “Na sua lápide não era seu nome que estava escrito. Mataram Maria e enterraram João”. Nesse sentido, a solicitação feita pelas famílias nos processos é que nos documentos por elas guardados, inclusive na certidão de óbito, passe a constar o nome pelo qual a pessoa era reconhecida em vida e com o qual ela melhor se identificava. As categorias "dignidade póstuma", "respeito à memória" e "trajetória de dor e sofrimento", que apareceram nas falas de familiares, defensora, juiz, servidores técnicos, e nos textos das sentenças, são foco deste artigo. Assim, o objetivo do texto não é apenas abordar os aspectos do ritual judicial e jurídico a partir dos diálogos entre Antropologia e Direito, mas pensar especialmente sobre as dimensões de gênero e emoções em torno desses processos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Histórias de amor": as relações entre boys e clientes do cabaré Realeza
Roberto Carlos Nunes Queiroz de Mendonça (UFRN)
Resumo: Este artigo é resultado da minha pesquisa de doutorado que, ainda em desenvolvimento, está situada num cabaré de homens que chamo de Realeza. Aqui o descrevo como um estabelecimento comercial que, ambientado numa casa, se organiza pela prestação de serviços sexuais por intermédio de um agenciador. Localizado numa cidade de médio porte do nordeste brasileiro, o cabaré Realeza tem recrutado boys de outros municípios, e que os defino genericamente como rapazes entre a faixa etária dos 18 aos 30 anos, de classes populares e em sua maioria negros. Após passarem a resistir no Realeza, os boys estabelecem relações das mais diversas com o estabelecimento: como aqueles que se mantém por meses ou anos em intercursos temporários ao município de origem, que saem e retornam a residir no Realeza, que são expulsos, ou mesmo que reconstroem seus projetos de vida a partir das redes construídas com o cabaré, mantendo algum nível de relação com ele. De modo geral, entendo que os boys, ao longo das suas trajetórias, estão (re)fazendo seus projetos de vida e junto a eles, optam por se engajarem na prostituição, ou não. Durante minha pesquisa no Realeza, tenho acompanhado as trajetórias dos boys na prostituição também serem (re)feitas por causa das relações afetivas e sexuais que eles mantêm com os clientes, como por exemplo: suas preferências ou exclusividades com eles; namoros e casamentos; ou mesmo, suas desvinculações temporárias ou permanentes do Realezas advindas dessas relações. Além disso, venho observando que tanto clientes como boys estão investindo, negociando, classificando e atribuindo significados as lógicas de intercâmbios sexuais, afetivos e econômicos que os aproximam. Ainda sobre as relações entre boys e clientes, observo o amor ser tematizado enquanto um sentimento organizador, seja ao reafirmarem sua presença, ou mesmo sua ausência. Pensando nisso, aqui utilizarei o amor para descrever e analisar os modelos de relação entre boys e clientes. Para tal fim tomarei como base casos que chamo de “histórias de amor”. Assim os nomino, pois, seja pelo meu contato retrospectivo ou prospectivo, costumava ouvir as relações serem (re)contadas, especialmente pelos clientes, em eventos ordenados e coerentes que do seu começo ao fim eram entrançados por objetivos narrativos. Para terminar, digo que no decorrer deste texto buscarei centralizar o sentimento de amor para explicar: as noções morais nas transações econômicas, sexuais e afetivas; as dinâmicas de poder e hierarquia que se expressam nas relações afetivas; as formas classificatórias, as práticas e os bens materiais que exteriorizam o engajamento de ambas as partes. De modo geral, este texto é sobre como o sentimento de amor ordena as interações entre boys e clientes.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Segue o “fluxo”! Emoções a partir de uma etnografia numa cena de uso de crack no centro da cidade do Rio de Janeiro.
Rodolfo Ferreira da Silva (SEEDUC)
Resumo: Na pesquisa de Doutorado, propus discutir os desdobramentos sociais do consumo visto como problemático de crack, sob o ponto de vista dos próprios consumidores, sobretudo daqueles estigmatizados sob a pecha de “cracudos”, ou seja, indivíduos que construíram um sentido próprio de vida em torno do consumo de crack. Me interessou mapear possíveis caminhos que levaram esses consumidores a uma situação que os distingue de uma parte da sociedade, constituindo uma rede de sociabilidade específica, de signos e sentidos próprios. Para tanto, busco refletir sobre o contexto social em que estão inseridos, seus hábitos, demandas e emoções, ou seja, examinar a partir de uma etnografia da cena pesquisada, as gramáticas emocionais relativas ao consumo problemático de crack. Acionando o referencial teórico da Antropologia das Emoções (Coelho & Rezende, 2010), reflito sobre como as emoções dos usuários da cena pesquisada podem dialogar com a percepção social construída em torno de seus “modos de vida” e que emoções são mobilizadas ao narrarem suas trajetórias. Partindo de uma perspectiva contextualista dos estudos sobre as emoções, entendidas numa lógica pragmático-discursiva, penso na relação entre os discursos acionados e a dimensão micropolítica das emoções, evidenciando relações de poder, hierarquias, moralidades e desigualdades. Nesse sentido, mais do que pensar os estados intersubjetivos de onde emergiram as emoções, busquei pensá-las como um ato de enunciação que confere sentido, como uma forma de ação social que afeta o “estar no mundo” dos meus interlocutores e que são socialmente informadas. Nesse quadro, a vergonha emergiu como afeto central, onde os moradores/frequentadores da ocupação pesquisada internalizam o que Milito e Silva (1995) chamaram de “cultura da evitação”, bem como atua como uma forma de conferir sentido, aglutinando a construção de identidades sociais a partir de uma emoção que, segundo Scheff (2000), é um tabu na modernidade, expressando a fragilidade na construção de vínculos e laços de sociabilidade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A temporalidade das emoções no cotidiano pandêmico de estudantes de ensino médio
Sasha Cruz Alves Pereira (USP)
Resumo: A partir de pesquisa de campo em uma escola pública da cidade de São Paulo durante a pandemia de Covid-19, sob o distanciamento social, até a volta às aulas presenciais e o aparente retorno à “normalidade de antes”, observei o modo como estudantes do ensino médio exprimiam suas emoções em relação a diferentes temporalidades, de maneira a reconfigurar as expectativas acerca do futuro e a reavaliar o presente ainda profundamente marcado pela experiência pandêmica. O campo foi construído a partir de conversas, no formato de reuniões online e presenciais, com a participação de alunas e alunos da referida instituição, no âmbito do Projeto Temático FAPESP “Vulnerabilidades de jovens às IST/HIV e à violência entre parceiros”, que promove formação em ciência e em prevenção em escolas públicas e ao qual o autor é pesquisador associado. As emoções elaboradas pelas e pelos jovens em relação às incertezas do momento, ao luto que atravessou a rede ampliada de sociabilidade, ao desprezo do governo Bolsonaro pelas mortes por Covid e pela demora na distribuição de vacinas no Sistema Único de Saúde e à falta de interação em copresença física marcaram o passado durante a pandemia com apatia e a impossibilidade de “sentir qualquer coisa”. Contudo, isso não significou estados extensos de paralisia social. Se em determinado momento da pandemia, o futuro deixou de ter qualquer contorno e/ou direção, o que foi subsumido na frase “os jovens deixaram de sonhar”, proferida por uma das estudantes durante o lockdown, também houve intensa reelaboração das expectativas e reposicionamentos tanto em relação ao futuro, como trajetória acadêmica e carreira, quanto ao próprio presente, na produção de uma linguagem que elaborasse as dores e os sofrimentos. Não houve um retorno à normalidade, ao “como era antes”, mas uma (re)construção de si e dos sentidos de ser jovem.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"A maioria dos negros não beija no ensino médio": Uma análise antropológica feminista da produção de preferências e escolhas afetivas e de sentidos socioemocionais entre jovens estudantes negras
Winny Gabriela Pereira de Santana (UFSC)
Resumo: Ao longo da minha experiência de trabalho como professora de sociologia do ensino médio em escolas públicas de Campo Grande - MS desde 2021, e sendo uma mulher negra, recebo demandas de estudantes por atividades que envolvam letramento racial, de gênero e sexualidade voltado, em especial, a questões afetivo-conjugais. Oficinas, clubes de leitura, palestras bem como conversas informais em busca de escuta acolhedora foram-me requisitadas por minhas estudantes de modo a possibilitar processos de reflexão e compreensão da complexidade envolvida nas relações afetivo-sexuais envolvendo convenções de gênero, de sexualidade, processos de racialização e de produção de posições de sujeito. Em um trabalho de campo exploratório em sala de aula, atuando como professora de sociologia do ensino médio das escolas públicas de Campo Grande- MS, identifiquei posicionamentos que evidenciam muitas vezes um preterimento de estudantes negras na escola, como também elas sendo alvo de chacota quando abordaram entre eles o assunto das afetividades. Assim, a partir da pesquisa etnográfica em andamento sobre o lugar ocupado pelas emoções na construção da identidade e na expressão das afetividades e conjugalidade nas experiências afetivas, sexuais e conjugais e dos processos de racialização entre jovens jovens estudantes negras do Ensino Médio das escolas estaduais de Campo Grande- MS, neste trabalho analisarei como as emoções não apenas refletem, mas também contribuem ativamente para a formação dessas identidades. As vivências de discriminação, hiperssexualização e estigmatização racial apontam para a produção de um um sentido emocional significativo, influenciando a autoestima, a percepção do próprio corpo e a maneira como essas jovens se relacionam consigo mesmas e com os seus outros significativos. Palavras- chaves: afetividades; racismo; contexto escolar.