Grupos de Trabalho (GT)
GT 095: Saberes plurais em torno do uso de drogas
Coordenação
Frederico Policarpo de Mendonça Filho (UFF), Beatriz Caiuby Labate (Instituto Chacruna)
Debatedor(a)
Paulo Cesar Pontes Fraga (UFJF), Rogerio Lopes Azize (UERJ), Lígia Duque Platero (Instituto Chacruna)
Resumo:
Essa proposta é uma nova edição do GT que se encontra desde 2013 e visa refletir sobre as representações e práticas acerca dos usos de substâncias psicoativas, discutindo instrumentos teóricos e metodológicos que permitam compreender seus efeitos sociais, bem como os controles que as cercam. Contempla a multiplicidade de discursos e práticas que coexiste em torno dessas substâncias, como a própria definição como “drogas” ou “medicamentos”, por exemplo. Tanto as estratégias de controle sobre as experiências de uso, como aquelas mobilizadas para garantir esse consumo são consideradas em suas singularidades, isto é, a partir de sua própria constituição. O ponto de partida é problematizar o paradigma “médico-legal” em que se baseiam as políticas de drogas estatais. Ao mesmo tempo, busca-se superar a dicotomia “efeitos farmacológicos” versus “aspectos culturais”, promovendo o diálogo entre diferentes campos de conhecimentos. Para tanto, o GT comporta: 1) etnografias sobre usos de substâncias, sejam elas classificadas como “drogas”, “plantas” ou “medicamentos”; 2) análise de políticas de drogas e das instituições que atualizam regimes de controle e regulação, nos campos da justiça, saúde, religião, ciência, sociedade civil e seus entrecruzamentos; 3) pesquisas que exploram a fluidez de fronteiras entre lícito e ilícito; natural e artificial; social/terapêutico/ritual; endógeno e exógeno; tratamento/prevenção/aprimoramento; proibição/regulação/legalização
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Bruna Soares Overbeck (UFSC)
Resumo: Esta pesquisa busca investigar como a manutenção dos privilégios associados à branquitude se entrelaça
com a dinâmica territorial de Florianópolis, uma cidade cada vez mais planeada pela especulação imobiliária.
Através de uma abordagem etnográfica, exploramos as interseções entre os privilégios brancos e a circulação
de drogas, examinando como esses fenômenos se manifestam e se reproduzem no contexto específico da cidade.
Além disso, o estudo se estende ao conceito de "studying up", focalizando nas camadas médias e altas da
sociedade, particularmente, explora como a circulação e consumo de drogas permeia a noção de direito à
cidade. Ao mapear as relações entre branquitude, territorialidade e circulação de drogas, esta pesquisa
pretende oferecer insights sobre as complexidades das dinâmicas sociais e espaciais em Florianópolis,
contribuindo assim para uma análise mais profunda e crítica das estruturas de poder e desigualdade na
cidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Daniele Sampaio Gonzaga (UFRB)
Resumo:
Este trabalho analisa o sentido do uso de maconha entre frequentadores das rodas de fumo em um contexto
universitário interiorano baiano. Na qual é fruto de uma pesquisa exploratória sobre a inexistência de uma
política de drogas na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). O lócus da pesquisa é o Centro de
Artes, Humanidades e Letras (CAHL) situado na cidade de Cachoeira/BA. Trata-se de uma etnografia e tem a
propositura de um debate interdisciplinar. Esta pesquisa possui como base autores(as) que debruçam seus
estudos em pesquisas sobre sujeitos que fazem uso da maconha, a exemplo de Gilberto Velho, Howard Becker,
Edward MacRae e Luisa Saad. Ademais, este trabalho intenta ampliar os estudos realizados através de uma
análise empírica sobre a cultura do uso da maconha, o proibicionismo e seu efeito sobre as relações
étnico-raciais, geracionais e religiosas em um contexto interiorano. A partir das narrativas dos
interlocutores na pesquisa etnográfica, serão descritos os significados e experiências de uso entre os
sujeitos que se formam a partir de elementos simbólicos compartilhados. Isto posto, foi utilizado como um
dos instrumentos de pesquisa, a entrevista semi-estruturada, nas conversas das rodas de fumo. Através do
arranjo e rearranjo de palavras, sentidos, gestualidades, falas e ritos. A intenção é comunicar a forma como
os interlocutores, que vivenciam as rodas de fumo, dão sentido ao uso dessa planta e compartilham suas
experiências diante de um cenário político criminalizador. Vale ressaltar que esta pesquisa encontra-se em
andamento e seus dados ainda são preliminares. Mas até o presente momento percebe-se uma diminuição dessas
rodas, pois enquanto egressa do campus, participante das rodas de fumo e refletindo os relatos obtidos
através das entrevistas, nota-se esse esvaziamento. Tanto como consequência da pandemia quanto em relação a
outros fatores decorrentes dos perfis de sujeitos que atualmente vivenciam a universidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gabriel Seixas Silva (UFF)
Resumo: O referido texto é parte do andamento de pesquisa que venho realizando junto ao Programa de
Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, através de discussões
proporcionadas pelo grupo de pesquisa Psicoativos e Cultura (Psicocult/UFF) desde o ano de 2023, sobre as
práticas de cultivo e de acesso à maconha no Brasil, em específico com interações com interlocutores dos
estados do Rio de Janeiro e Sergipe, registrando as práticas de cultivo, de ativismo e de acesso à planta
por aqueles que trabalham no comércio varejista e aos que cultivam suas próprias plantas.
A pesquisa ainda está em curso, mas até o momento foi possível a realização de algumas entrevistas
semiestruturadas com 1) cultivadores-pacientes que possuem autorização da justiça através de Habeas Corpus
criminal, 2) cultivadores para fins sociais/adulto que não comercializam sua produção e 3) cultivadores
comerciantes, além de observação participante em rodas de conversas, simpósios e palestras com usuárias
terapêuticos e pessoas que realizam uso social, além de profissionais que também refletem ou trabalham com a
questão e o paradigma médico-jurídico de proibição da maconha no Brasil.
Foram realizadas descrições com interlocutores que narram suas histórias de início e aperfeiçoamento do
saber técnico de cultivo para a produção de seu próprio remédio, sobre as diversas disputas envolvendo a
comercialização dos produtos no mercado legal e ilegal da maconha e também escrevo minha experiência pessoal
de tornar-se um "paciente" medicinal de maconha no Brasil, bem como dos procedimentos burocráticos de acesso
efetivo ao produto, custos e início do tratamento médico.
Ao fim descrevo também como os cultivadores que conversei trazem indagamentos sobre políticas de reparação
no cenário de discussões de regulamentação do cultivo no país; formas de organização e demandas da categoria
de cultivadores no mercado legal e ilegal (cooperativas, associações, clubes ou outro); a desigualdade no
acesso à maconha (legal ou ilegal); entre outras questões que atravessam a política de drogas nacional
instrumentalizada para um guerra (às drogas), refletida em fenômenos como encarceramento em massa, o
racismo, a corrupção e a desigualdade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Hellen Monique dos Santos Caetano (UFRN)
Resumo: Neste trabalho, analiso cinco projetos de lei federais propostos no Senado Federal entre 2014 e 2023 que
têm como foco o uso terapêutico de Cannabis ou de algum de seus derivados. Por seu lugar controverso como
droga e medicamento, as discussões públicas sobre essas substâncias tem se construído em meio às áreas de
segurança e saúde. Com o intuito de entender como a Cannabis têm se construído como uma tecnologia
terapêutica, o trabalho de campo foi construído por meio de documentos e eventos. Os documentos que fazem
parte do processo de tramitação dos PL foram analisados e sistematizados em um programa de análise
qualitativa por meio de codagem de dados. As audiências públicas de instrução sobre o tema foram acessadas
pela TV Senado e pelo canal da instituição no Youtube, analisadas e comparadas ao que era dito nos papéis.
Com a participação de médicos, pesquisadores e ativistas, as audiências tiveram discussões e posicionamentos
que deixavam claro as diferentes visões sobre os usos, ao passo que era enfatizado, por diferentes atores,
que o que estavam discutindo era saúde e medicamentos, não drogas. Seguindo a tramitação de cada projeto,
foi possível ver as diferenças entre os projetos antes e depois das audiências. Além disso, há também
diferentes discussões sobre o que seria cada substância, como se Cannabis e maconha não fossem a mesma
coisa. Mais do que tudo, analisar documentos e eventos em torno do tema mostrou que o processo de feitura de
uma lei é, sobretudo, coletivo. Apesar disso, nem sempre as participações têm os mesmos pesos. As discussões
em torno da formulação desses projetos deixam em evidência as diferentes moralidades sobre o tema, além de
disputas sobre quem deve legislar e delimitar os processos de regulamentação e controle sobre o uso das
substâncias derivadas de Cannabis no Brasil.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Larissa Bianca de Souza Quaresma (UFVJM), Marivaldo Aparecido de Carvalho (UFVJM), Rosana Passos
Cambraia (UFVJM)
Resumo: O artigo analisa o uso do álcool como instrumento de dominação dos povos indígenas brasileiros pelos
colonizadores, destacando suas origens históricas, consequências e a necessidade de abordagens holísticas
para enfrentar esse problema. Desde os primeiros contatos entre europeus e indígenas no Brasil, o álcool foi
utilizado para estabelecer relações desiguais de poder, fragilizando estruturas sociais e culturais nativas.
A imposição do consumo de álcool pelos colonizadores contribuiu para doenças, violências e conflitos
internos nas comunidades indígenas. A contextualização histórica revela que o álcool sempre foi parte
integrante da sociedade, incluindo os povos indígenas brasileiros. Desde a colonização portuguesa, houve
imposição da cultura eurocêntrica e uso do álcool como ferramenta de controle e submissão das populações
nativas, facilitando a exploração dos recursos e a imposição da religião católica. As consequências do uso
do álcool são diversas e devastadoras. O aumento do consumo levou ao alcoolismo e dependência, contribuindo
para problemas de saúde física e mental, como doenças crônicas não transmissíveis e taxas crescentes de
suicídio. Além disso, o álcool afetou as estruturas sociais e culturais das comunidades, gerando conflitos
internos e desintegração social. A conclusão ressalta a urgência de políticas públicas efetivas que protejam
os direitos e promovam a saúde das comunidades indígenas, considerando suas especificidades étnicas. É
necessário um debate amplo e inclusivo sobre as práticas coloniais ainda presentes na sociedade brasileira,
buscando superar injustiças históricas e promover uma abordagem holística para enfrentar o problema do uso
do álcool como ferramenta de dominação dos povos indígenas brasileiros.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Lígia Duque Platero (Instituto Chacruna)
Resumo: Neste texto, discuto sobre desafios e paradoxos da expansão global das chamadas Medicinas da floresta
relacionadas à expansão do turismo xamânico indígena no Brasil no século XXI, de uma perspectiva histórica e
antropológica. Parto de dados etnográficos apresentados em minha tese de doutorado (Platero, 2018), ocasião
em que pesquisei as trocas em múltiplos sentidos de valor, reinvenções e transformações multidirecionais e a
produção de parentesco simbólico e efetivo em meio à aliança do povo indígena Yawanawa com uma igreja urbana
do Santo Daime (Rio de Janeiro). Busco aqui dar mais um passo analítico e dialogar com as discussões sobre a
globalização da ayahuasca e do turismo ayahuasqueiro (Labate e Cavnar, 2014; Labate, Cavnar e Gerin, 2017).
A partir de dados etnográficos na Terra Indígena Rio Gregório, no Acre, e na igreja do Santo Daime, no Rio
de Janeiro, apresento inicialmente uma visão geral dos usos contemporâneos das chamadas Medicinas da
Floresta (rapé, sananga, kambô e muká, incluindo a ayahuasca, a mais famosa substância). Em seguida,
enfatizo o caso dos indígenas Yawanawa no estado do Acre, oferecendo uma visão sobre o processo de
colonização na região e as diferentes fases da história dos yawanawas, do tempo da borracha e da presença de
missões religiosas ao tempo do resgate da cultura nos anos 1980, quando práticas xamânicas foram
recuperadas.
Apresento um panorama sobre suas práticas xamânicas, suas relações de trocas e reciprocidade com não
indígenas e suas transformações durante os séculos XX e XXI. Enfatizo suas relações tradicionais de trocas
em múltiplos sentidos de valor relacionadas à produção de parentesco simbólico e efetivo, incluindo em suas
redes pessoas não indígenas das cidades, como turistas do norte global, muitos deles dos EUA e Canadá.
Incluo uma discussão sobre a IV Conferência Indígena da Ayahuasca, que aconteceu no Acre, em setembro de
2022, quando líderes indígenas apresentaram suas preocupações relacionadas à expansão e globalização das
Medicinas da Floresta.
Tenho como objetivos expandir o debate em torno de tópicos como turismo xamânico como uma alternativa
econômica para várias populações indígenas do estado do Acre e controvérsias e conflitos gerados pela
globalização, produção de parentesco simbólico e efetivo em meio ao consumo das Medicinas da Floresta,
desentendimentos funcionais em meio a alianças e diálogos interculturais entre indígenas e turistas
ayahuasqueiros, hibridismos versus apropriação cultural e relações de gênero em contextos xamânicos,
incluindo perspectivas indígenas e não indígenas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Lucas Senna de Brito Pires (UFF)
Resumo: Neste trabalho, meu objetivo é apresentar a pesquisa que realizei durante a minha dissertação de
mestrado, defendida com o título Abstinência e redução de danos: uma etnografia sobre trabalhos com pessoas
em situação de rua. O trabalho de campo foi realizado em Volta Redonda/RJ, e envolveu a frequência em
diversos órgãos públicos e instituições religiosas. As questões norteadoras foram: Como as instituições
municipais lidam com pessoas em situação de rua no município de Volta Redonda? e Como se atualizam as
concepções de abstinência e redução de danos, na prática dos profissionais que lidam com pessoas desse
segmento social?. Durante a pesquisa, a categoria trabalho foi usada diversas vezes, por pessoas em
situação de rua, por mim, na redação da dissertação e pelas pessoas que lidavam com as que estavam em
situação de rua. Porém, os sentidos atribuídos a esse trabalho, eram diferentes. As reflexões que faço,
partem, principalmente, da observação dos tratamentos para o uso de substâncias psicoativas, que são
ofertados para pessoas em situação de rua em um serviço de assistência social de Volta Redonda/RJ. Sendo
que, descrevendo e analisando o uso de categorias como trabalho, redução de danos, abstinência, ajuda e
direito, busco interpretar e compreender, qual o sentido que os interlocutores com os quais estabeleci
relações durante a pesquisa dão para as suas práticas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marcelo H Quaglio Marques (HCFMUSP)
Resumo: De dentro da Vara Especial da Infância e da Juventude, a partir de uma leitura etnográfica dos processos
judiciais que haviam medidas de proteção requisitando tratamento compulsório de crianças e adolescentes
usuários de substâncias psicoativas, pretende-se aqui apresentar resultados preliminares, percalços e os
ditos estranhamentos de uma pesquisa que ainda está em curso e teve como objetivo inicial teorizar acerca da
internação compulsória e compreender os argumentos do Poder Judiciário para usá-la como opção de tratamento
ao adolescente usuário de "drogas", afinal, desde a lei da reforma psiquiatria brasileira, pessoas com
transtornos mentais devem ser assistidas em dispositivos de saúde da Rede de Atenção Psicossocial, do
Sistema Único de Saúde, dentro do território. No entanto, a mesma lei informa que, em casos excepcionais,
onde se prove a insuficiência destes dispositivos, internações devem ser indicadas. Quando se fala de
adolescentes usuários de substâncias psicoativas, não se cogita internações voluntárias. Há apenas espaço
para internações involuntárias e compulsórias, a mando dos juízes de Direito. Sendo assim, critérios e
argumentos são construídos e usados para que a internação compulsória tome corpo e seja regra para uma
parcela marginalizada da sociedade. A excepcionalidade não existe. Enquanto isso, adolescentes usuários de
substâncias psicoativas são absorvidos por instituições das mais diversas sortes, transitam por dispositivos
judiciais, sociais e médicos e ficam sob constante vigilância destes mesmos dispositivos e de seus
operários, mas não saem das margens da sociedade. Seja na Fundação Casa, cumprindo medidas socioeducativas,
na Unidade Experimental de Saúde paulistana e até mesmo em um hospital, nestes casos trazidos aqui, as leis
de proteção não resolvem as vulnerabilidades dos adolescentes usuários nem o dito problema das drogas. Em
outras palavras, como diz o ditado, um cão de muitos donos passa fome, assim como um adolescente assistido
por muitas instituições pode ser vítima de diversos tipos de violência; o inverso da proteção desejada.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maria Beatriz Stefani dos Reis (FCLAR/UNESP)
Resumo: Segundo a Organização Mundial da Saúde, o termo droga refere-se a qualquer substância não produzida pelo
corpo humano que pode atuar sobre o Sistema Nervoso Central e, portanto, despertar alterações em seu
funcionamento. Atualmente, a perspectiva sobre as substâncias psicoativas gira em torno de um panorama
proibicionista que defende uma sociedade livre de drogas. Em contrapartida, a partir de alguns estudos,
sabe-se que as drogas acompanham a história da humanidade, desde seu uso ritualístico e medicinal até o uso
recreativo.
O que se altera ao passar do tempo é como as substâncias psicoativas estão inseridas em determinados
contextos e como seu padrão de uso é visto. Atualmente, uma das formas de classificação e diferenciação é a
separação das substâncias entre lícitas e ilícitas, sendo que as lícitas, no caso brasileiro, são
fiscalizadas por órgãos governamentais como, por exemplo, a ANVISA, e as ilícitas proibidas de serem
fabricadas, transportadas e comercializadas devido à política combativa nacional contra às drogas. A partir
disso, algumas indagações surgem: por que há substâncias ilícitas? Há fatores vinculados a interesses
políticos, econômicos ou ideológicos para a proibição de certas substâncias? Por que a lei de drogas no
Brasil veio muito pouco depois da abolição da escravidão?
Até o final do século XIX e começo do século XX, substâncias psicoativas não eram vistas como um assunto da
esfera pública, sendo comercializadas em boticas sem a fiscalização estatal e com um discurso voltado para o
viés da temperança e não de abstinência ou prevenção. A guerra às drogas ergue-se sobre um discurso
moralizante da proibição de comportamentos (ato de consumir drogas) por representar perigos potenciais à
ordem social vigente. No entanto, ao se proibir determinadas substâncias, cria-se estigmas sociais e,
consequentemente, um processo de marginalização que favorece a abertura de violação de direitos básicos. Ao
se analisar a construção do discurso sobre drogas no Brasil, bem como as políticas de segurança pública,
percebe-se que a questão se desenrola sob uma perspectiva jurídico-moral-médica em um contexto implícito de
manutenção da hierarquia racial e social pautado na repressão e controle compulsório de determinados corpos,
representando caráter violento via repressão, criminalização, encarceramento e extermínio da população
negra, pobre e periférica. Vale salientar que tais políticas não surgem do nada, visto que suas dinâmicas e
consequências atuais são resultantes de um processo histórico.
Assim, a partir de uma revisão bibliográfica, o objetivo deste trabalho é, além de analisar o contexto em
que as drogas passam a ser consideradas mercadorias, trazer uma nova reflexão sobre as substâncias
psicoativas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
María Rossi Idarraga (UFAM)
Resumo: O consumo de álcool, drogas e outras substancias por parte de jovens indígenas no Alto Solimões,
Amazonas, é hoje uma das preocupações mais frequentes entre lideranças indígenas, representantes religiosos,
instituições de ensino e serviços de saúde. Nos três municípios onde se desenvolve esta pesquisa há uma
presença expressiva de indígenas 7.107 em Atalaia do Norte, 15.314 em Benjamin Constant e 27,518 em
Tabatinga , maioritariamente jovens (cerca de 75% da população indígena tem 34 anos ou menos), dos povos
Tikuna, Kokama, Kanamari, Matsés, Marubo, Kaixana, Matis, Kambeba, Kulina Pano, Korubo e Witoto,
principalmente.
Em reuniões, eventos e espaços coletivos, nos quais esta preocupação é objeto de debate e de procura de
possíveis soluções o consumo é caracterizado como problemático, desde as seguintes considerações: excesso;
o caráter ilegal de algumas das substancias ou as não consideradas aptas para o consumo (como gasolina); os
conflitos associados (furtos, brigas, assassinatos, violência sexual, violência familiar, suicídio e
depressão); a presença expressiva do crime organizado na região de fronteira; e as proibições dadas desde
posições morais e religiosas ou desde entendimentos legais. Entre as práticas envolvidas nestas
problemáticas, a maioria estão proibidas em várias camadas, só o consumo de álcool é legal, mas para a
população indígena, sua compra e venda em terras indígenas é ilegal, de acordo com a lei conhecida como
estatuto do índio, de 1973, que no artigo 58 estabelece como crime contra os índios e a cultura indígena:
propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos tribais
ou entre índios não integrados. As categorias tribal e não integrado, não teriam cabimento depois das
reformas da constituição de 1988, mas a lei continua vigorando, sendo interpretada e aplicada.
Esta pesquisa pergunta sobre como o fenômeno é entendido, atendido e enquadrado, considerando as leituras
morais e legais da proibição; as aproximações dos serviços de saúde, e as noções de saúde mental,
dependência e a profissionalização do cuidado (ou a demanda para que isso ocorra). Assim, para este GT
reflito sobre como se articulam as várias camadas de proibição existentes, as problemáticas cotidianas
relacionadas aos consumos, as incertezas, as demandas da população por pesquisas e as buscas de soluções. A
pesquisa, em andamento, sugere que a busca por soluções oscila entre o proibicionismo e a procura por
atenção, cuidado e reconhecimento de processos de sofrimento. Sugere também, que em contextos de maior
acumulação de proibições, as condições de consumo apresentam mais riscos e maiores conflitos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Paulina Valamiel Lopes (UFMG)
Resumo: Compreendendo o poder como uma entidade não monolítica, mas sim como algo que se manifesta nas relações
sociais e está constantemente em fluxo (Foucault 1979), neste artigo, discutirei como, no contexto de
transnacionalização do Santo Daime, as mulheres tem participado das dinâmicas de poder dentro da religião. O
Santo Daime é uma religião ayahuasqueira brasileira de origem amazônica e que foi fundada na década de 1930
na periferia de Rio Branco (AC). Tradicionalmente, a organização dessa religião está estruturada a partir de
papéis e dinâmicas de gênero que tendem a refletir aspectos patriarcais de seu contexto de origem (Chaves,
2003; Moreira e Macre, 2011; Assis, 2017; Benedito, 2018). Desde a década de 1980, o Santo Daime adentrou de
maneira mais expressiva aos fluxos das religiões globais, inserindo-se em contextos marcados pela
secularização (Assis, Labate, 2014); pela guerra internacional às drogas tornadas ilícitas (Karam, 2013) e
pelas novas dinâmicas de gênero resultantes dos feminismos (Gross, 2005). Com essa inserção, um novo perfil
de adeptos passou a fazer parte dessa religião, em sua maioria, pessoas brancas, escolarizadas e das classes
médias (Assis, Labate, 2014). Atualmente, o Santo Daime está presente em todos os continentes habitados e em
mais de 43 países (Assis 2017), e, a partir de um levantamento exploratório realizado durante minha pesquisa
de doutorado, foi possível constatar que a maioria destes grupos conta com um público majoritariamente
masculino. Apesar disso, nesses mesmos espaços, vem sendo possível observar a importância da atuação de
mulheres na manutenção da presença dessa religião nos novos espaços nos quais vem se inserindo e nas
flexibilizações dos papéis de gênero dentro dela, ainda que nada disso ocorra isento de contradições,
conflitos e disputas. A título de exemplo, é possível citar o surgimento de mulheres em cargos de liderança
nas igrejas (especialmente na Europa e nos Estados Unidos); seu lugar de importância nas negociações diretas
de cunho institucional com o Estado; a ocupação por parte delas, de espaços antes dedicados exclusivamente
aos homens dentro da religião; a criação de novos cargos institucionais e de espaços de articulação
feminina, além do fortalecimento do apoio a vítimas de assédio e a tentativa de maior visibilidade de papéis
tradicionalmente atribuídos às mulheres. O texto é parte de minha pesquisa de tese na qual, partindo de um
lugar híbrido de mulher lésbica daimista pesquisadora, pude entrevistar em profundidade, com a utilização da
técnica do relato de vida (Bertaux 2010), mulheres daimistas de diversas partes do Brasil e do mundo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rebeca Sophia Lima Azeredo (UFF), Yuri José de Paula Motta (UFF)
Resumo: Neste trabalho, pretendemos apresentar quem são as pessoas que utilizam a maconha para fins terapêuticos
e como a categoria paciente canábico é construída no Brasil a partir de dois âmbitos: médico e jurídico.
Desde 2014, por conta da intensa demanda e mobilização da sociedade civil, diversas resoluções foram
expedidas pela agência sanitária reguladora do país, regulamentando em partes o uso terapêutico da maconha.
Mas, apesar disso, o status legal da planta não foi alterado, mantendo sua criminalização pelos artigos da
Lei de Drogas (nº 11.343/2006). Em contrapartida aos recortes punitivistas de condenação na justiça por
conta dessa lei, o judiciário tem sido pioneiro em conceder o direito a pessoas que necessitam da planta
como ferramenta terapêutica, seja por meio de ações de custeio movidas contra o Estado e/ou planos de saúde,
seja através dos habeas corpus e/ou salvo condutos, que atualmente já ultrapassa três mil pessoas permitidas
a cultivar no ambiente doméstico e mais de 15 associações em formato coletivo. Considerando os apontamentos
de Eduardo Viana Vargas, o paradigma médico-jurídico foi e continua sendo o principal fundamento que
justifica o modelo proibicionista de combate às drogas ilícitas. Porém, com essas transformações no que
tange a maconha, constatamos em nossas pesquisas (2019; 2024), que essas mesmas áreas (medicina e direito),
estão assumindo protagonismo no que diz respeito a regulamentação da maconha no Brasil, ressignificando este
paradigma. Iremos desenvolver tal questão a partir dos trabalhos de campo realizados pelos autores durante
suas pesquisas de mestrado, em uma associação e em um coletivo canábico, respectivamente, em que ambos
auxiliam pacientes que buscam pela utilização da maconha para fins terapêuticos. Ambas as pesquisas compõem
o repertório de trabalhos desenvolvidos sobre a temática no Núcleo de Pesquisa em Psicoativos e Cultura
(PsicoCult), da Universidade Federal Fluminense. No primeiro trabalho, o contexto da pesquisa se deu através
da interlocução com pacientes que cultivam a maconha para produzirem artesanalmente seu próprio medicamento.
No segundo, o trabalho foi realizado junto à equipe de um coletivo que realiza atendimentos e consultas
médicas, orientando pacientes na utilização do óleo. Gostaríamos de refletir sobre a construção da categoria
paciente nesses dois contextos e os conhecimentos que circulam em torno dessas práticas, demonstrando a
amplitude e a diversidade do que é se tornar um paciente canábico no Brasil e de como o paradigma
médico-jurídico é ressignificado em propósito dessa categoria.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rodrigo Calderaro Rocha (UFPA)
Resumo: Esta comunicação objetiva discutir a relação do consumo da ayahuasca com a construção do gênero e da
sexualidade de pessoas LGBTQIAPN+ praticantes dos rituais da doutrina do Daime no espaço do Centro de
Iluminação Cristã Luz Universal de Juramidã - Pará CICLUJUR-PA, um espaço de consumo da ayahuasca marcado
pela moral cristã, localizado na região metropolitana de Belém-PA. É um desdobramento de etnografia
anteriormente realizada no mesmo lugar a respeito da (re)produção da diferenciação de gênero dentro e fora
dos rituais da doutrina no referido centro. Toma como ponto de partida a disciplina¸ categoria que organiza
e ordena os espaços ritualísticos e a performance dos participantes nas cerimônias de consumo da
ayahuasca/Daime a partir dos elementos materiais e dos discursos que regulam a experiência psicoativa com a
bebida (ROCHA, 2023).
Considero que a disciplina materializa uma matriz heteronormativa que atua sobre os participantes em uma
dimensão interrelacional, que tem influência sobre as subjetividades dos participantes em, ao menos duas
camadas: a relação engendrada pelo consumo do psicoativo (pessoa-Daime) e a relação do praticante com os
elementos materiais e tabus e interdições necessários à participação no rito (pessoa-doutrina). Esta
inter-relação entre psicoativo-pessoa-doutrina revela um campo onde atuam a agência do próprio psicoativo
sobre a pessoa e da doutrina enquanto instituição sobre os sujeitos.
A partir dos discursos de pessoas LGBTQIAPN+ associados ao CICLUJUR-PA, fica evidente que estes sujeitos se
mobilizam a partir dos afetos provenientes da experiência individual do consumo do psicoativo para
desestabilizar a matriz ritual heteronormativa da doutrina. As percepções sobre identidade sexual e a
vivência da sexualidade influenciadas pelo uso do Daime podem se definir em facilitação, enquadramento e
aceitação à disciplina, mas também revelam contradições e apagamentos.
As interlocuções com estas pessoas viabilizam uma problematização da agência da bebida enquanto um ente que
opera sobre a subjetividade e influencia a construção da sexualidade de quem a bebe, produzindo efeitos e
resultados que podem se apresentar diversos do (hetero)normatividade do contexto ritual da doutrina do
Daime.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sandra Lucia Goulart (FCL)
Resumo: A apresentação abordará um conjunto de processos que envolvem transformações e intermediações entre
diferentes registros de conhecimentos de alguns povos indígenas amazônicos associados ao uso da ayahuasca. A
análise destacará os significados complexos de registros de conhecimentos tradicionais (como os grafismos e
imagens visionárias ligadas a práticas xamânicas) e dos recentemente adotados por esses povos, como os
desenhos ou as pinturas figurativas e a escrita da mídia livro. Desenvolvo o argumento de que a ayahuasca
possui uma ação importante na elaboração desses registros de conhecimentos. Será dada mais atenção a algumas
situações de grupos do tronco linguístico pano, como os Huni Kuin, os Yawanawá e os Shipibo-Konibo. A
proposta do trabalho a ser apresentado é destacar diferenças e diálogos possíveis entre concepções indígenas
e não indígenas da ayahuasca. Simultaneamente, ressaltando perspectivas e usos indígenas da ayahuasca, minha
intenção é contribuir para aprimorar o debate contemporâneo sobre essa substância e seus significados e
tipos possíveis de aplicações considerando o cenário mais amplo do renascimento psicodélico.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Saulo Conde Fernandes (UFMG)
Resumo: Este resumo visa apresentar resultados parciais de minha pesquisa de doutorado que vem sendo
desenvolvida junto ao PPGAN-UFMG. Parto da categoria antropólogo ayahuasqueiro, forjada por Beatriz Labate
em sua dissertação de mestrado publicada posteriormente como livro (2000; 2004). Esta categoria pressupõe um
duplo viés, pertencimento, inserção, iniciação ser antropólogo e ser ayahuasqueiro e seria um caminho
possível para permanecer ligado ao fenômeno a partir de dentro mas também de fora. O lugar de fala do
antropólogo ayahuasqueiro é, afirma Labate, potencialmente rico. Para a presente pesquisa, entrevistei vinte
antropólogos e antropólogas que escreveram dissertações ou teses sobre religiões e contextos da ayahuasca
a maioria ligada ao Daime, seja a religião, seja a própria bebida com a mesma denominação. Proponho,
portanto, a criação de uma nova categoria, os antropólogos do Daime, para designar os antropólogos(as) que
tecem densas tramas de relações com a religião daimista e/ou com o próprio Daime, uma bebida professora que,
dentre outras potencialidades, ensina. O objetivo é descrever e analisar o trabalho de campo e a escrita
etnográfica destes antropólogos que possuem diferentes níveis de pertencimento: dirigentes de centros,
membros filiados, ex-membros, participantes-frequentadores, simpatizantes. Sendo o Daime o professor dos
professores, é impactante em suas narrativas nas entrevistas a influência do Daime tanto na execução do
trabalho de campo quanto no próprio processo de análise e escrita. Neste diálogo e interação entre humano e
planta, os antropólogos empreendem pesquisa na força (o efeito mágico/psicoativo da bebida) e se apoderam de
insights e entendimentos cujos efeitos estão intensamente presentes, mas quase nunca evidenciados, nas
etnografias. Por fim, é importante ressaltar que eu, sujeito de escrita dessa pesquisa, me posiciono como
antropólogo ayahuasqueiro / antropólogo do Daime.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sirley Vieira da Silva (UFPE)
Resumo: Pesquisa realizada com indígenas, envolvendo a questão do uso da bebida alcoólica, entre vários fatores
elencados, observa-se a referência sobre o uso dessa substância como um desinibidor social (Langdon, 1999;
Oliveira, 2004; Vieira-Silva, 2005; Guimarães e Grubits, 2007), sendo que, algumas dessas pesquisas também
aponta a questão da violência como algo relacionado ao abuso da ingestão do álcool.
Guimarães e Grubits (2007), apontam que a relação álcool e violência, em alguns casos, pode ser um um
elemento agravante em os casos de violência. Porém, nesse ponto especifico, observa-se que, a referência aos
casos violência e uso do álcool, quando citadas, identifica-se algumas particularidades diferencias nas
referências feitas por homens em relação as observações apontadas pelas mulheres (Vieira-Silva, 2005;
Guimarães e Grubits, 2007). Atualmente, em pesquisa em andamento com indígenas Pankararu e Warao, nas
informações adquiridas no diálogo com a comunidade, tantos homens, quanto mulheres inidgenas, das duas
etnias pesquisadas, relacionam alguns casos de violência ao uso da bebida alcoólica. Porém, ainda numa
análise inicial, pode-se perceber que, em alguns casos, só os homens relacionam o uso da bebida alcoólica a
gravidade da violência doméstica, as vezes usando esse argumento como justificativa da ação violenta. No
caso das mulheres, apesar de reconhecerem que o efeito do álcool como efetivo para a gravidade da violência
doméstica, boa parta delas apontam não ser culpa do álcool a agressão e sim da maneira como os homens
indígenas têm lidado com as mudanças e os problemas do cotidiano.
É importante destacar que esses casos estudados, envolve o consumo da bebida destilada. Dessa maneira,
também é importante ter a ideia que a introdução do álcool destilado, nas comunidades indígenas, conforme
afirma Quiles (1999), foi usado pelos conquistadores como uma arma de dominação e de extermínio. De acordo
com Oliveira (2004) e Kohatsu (2001), tudo é parte de um processo de subjugação da cultura dos dominadores
que vieram da Europa. Essa estratégia serviu para o projeto colonizador que levou a apropriação de terras e
bens das comunidades indígenas e o permanente uso causou duas mudanças drásticas no modo de beber desses
povos, gerando problemas enfrentados na atualidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Wagner Coutinho Alves (UFBA)
Resumo: Na Bahia, lançado em 2011, o Pacto pela Vida, formado por um conjunto de ações para o cuidado e
reinserção de usuários e usuárias, é a principal fonte de custeio dos serviços direcionados para pessoas que
usam drogas, financiando desde tratamentos até operações no âmbito da Segurança Pública da Bahia, incluindo
material bélico para as polícias. Nesta proposta pretendo explorar as contradições que regem as políticas
baianas para pessoas impactadas pela questão das drogas e os seus desdobramentos. O acolhimento de pessoas
em situação de vulnerabilidade e com problemas de consumo abusivo de álcool e outras drogas, no Brasil, é de
responsabilidade compartilhada entre o Sistema Único de Assistência Social SUAS e Sistema Único de Saúde
SUS. Os Centros de Referência da Assistência Social CRAS, do SUAS, lidam com as vulnerabilidades de ordem
social encaminham as pessoas para a Rede de Atenção Psicossocial RAPS, que integra o SUS e atende os
necessitados em Centros de Atenção Psicossocial CAPS. Entre as diversas modalidades desses equipamentos
estão aqueles dedicados à clínica do abuso de álcool e drogas, modalidade CAPS-AD. Essa pequena rede de
atenção psicossocial voltada exclusivamente para consumidores de álcool e outras drogas não cobre todo o
território brasileiro e não atende adequadamente à enorme demanda. Complementares à RAPS, também existem
Programas de Governo para o gerenciamento de questões relacionadas ao álcool e outras drogas. Porém, assim
como extensões universitárias e outros programas simpáticos às estratégias de redução de danos, estes sofrem
de carências crônicas em termos de financiamento e funcionários qualificados. Na contramão dessa tendência
estão as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público OSCIP. As entidades sociais sem finalidade
lucrativa e de natureza privada, constituídas no Brasil e em funcionamento regular, podem qualificar-se com
esse status. Isso permite a celebração de Termos de Parceria com o Poder Público. É nessa categoria que se
enquadram as Comunidades Terapêuticas. O envolvimento dessas entidades na política de drogas é tão intenso
que elas passaram a integrar o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas SISNAD e, pouco após a posse, o
Governo do Presidente Lula, em 20 de janeiro de 2023, publicou no Diário Oficial da União o decreto n.º
11.392, criando o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas, uma pasta do Ministério de
Desenvolvimento e Assistência Social, da Família e do Combate à Fome MDS. Apesar do recente aumento na
terceirização de serviços de acolhimento e aumento nas verbas para as políticas de drogas o estado continua
com altos índices de encarceramento e letalidade policial, questões a serem endereçadas na apresentação
proposta.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
William Rosa (UFSC)
Resumo: A UFSC se tornou a primeira instituição no Brasil a obter uma decisão judicial que autoriza a produção
de todos os insumos necessários para pesquisas sobre a aplicação da cannabis na medicina veterinária. O
professor Erik Amazonas lidera a linha de pesquisa "Endocanabinologia e Cannabis Medicinal" no Grupo de
Estudos em Produção Animal e Saúde. Este grupo tem como objetivo traçar o perfil terpenofenólico de diversas
linhagens de Cannabis spp, visando categorizá-las de acordo com seu conteúdo real de canabinoides e
terpenos. Além disso, a pesquisa visa acumular conhecimento sobre os óleos derivados de diferentes
linhagens, bem como comparar métodos de extração de compostos. Esse trabalho busca uma interseção entre a
burocracia estatal, a ética da pesquisa e a legalização da cannabis para fins medicinais. Um dos principais
objetivos é entender as demandas da instituição universitária em relação ao reconhecimento de seu direito de
estudar, plantar e produzir cannabis, examinando como essas demandas são moldadas e negociadas dentro do
contexto burocrático e legal. Através da pesquisa etnográfica, busca-se não apenas documentar os processos
formais de obtenção de autorização, mas também investigar as dinâmicas informais e as negociações sociais
subjacentes, destacando as moralidades que permeiam esse processo.