ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 025: Antropologia(s) Contemporânea(s) e Sofrimento Psíquico
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Coordenação
Anaxsuell Fernando da Silva (UNILA), Esmael Alves de Oliveira (UFGD)

Resumo:
Nossa proposta de Grupo de Trabalho parte do pressuposto de que a Antropologia, de longa data, tem contribuído significativamente para a compreensão dos fenômenos associados aos processos de saúde e adoecimento. Apesar da diversidade de perspectivas no interior da disciplina, é possível vislumbrar certo consenso no entendimento de que mudanças ocorridas nas últimas décadas ocasionadas sobretudo por questões de ordem social, política, econômica e tecnológica, e mais recentemente acentuadas pelo complexo cenário político-pandêmico, têm impactado diferentes âmbitos da vida social, de modo geral, e subjetiva, de modo particular. Nesse escopo, desejamos constituir um espaço de diálogo vinculadas/os/es a diferentes áreas disciplinares interessadas/os na compreensão e desnaturalização dos mecanismos de opressão contemporâneos produtores de sofrimento psíquico, cujas causas e efeitos estão longe se esgotarem em um debate biologizante e/ou medicalizante. A premissa aqui adotada é de que a saúde mental é um campo pluridisciplinar e de caráter psicossocial, e, portanto, não circunscrita apenas aos campos psis (psicologia, psiquiatria e/ou psicanálise) e/ou biomédico. Deste modo, serão bem-vindas investigações etnográficas e reflexões teórico-analíticas que estejam interessadas no diálogo entre as Antropologias contemporâneas e o campo psi, comprometidas com uma concepção de saúde mental e sofrimento psíquico como um fenômeno complexo, multifatorial e histórica e culturalmente situados

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Dois ensaios de antropologia psicológica: notações etnográficas sobre ansiedade e sofrimento socioemocional em estudantes da rede pública no Ceará.
Alef de Oliveira Lima (Secretaria da Educação do Estado do Ceará)
Resumo: A ansiedade é frequentemente retratada como um curto-circuito bioquímico nas percepções de medo captadas e processadas pelo cérebro. Tal leitura biológica não permite compreender outras interfaces da ansiedade subscritas em dimensões propriamente simbólicas e culturais, compartilhadas enquanto afetos e relações do sujeito com o mundo. Diante dessas características, o presente trabalho etnográfico visa discutir os significantes culturais da ansiedade em termos de correntes ansiogênicas vinculadas a marcadores de tempo, tecnologia e experiência social, a partir de um conjunto de entrevistas semiestruturadas de estudantes da rede pública cearense. A perspectiva defendida é que a ansiedade se configura como sofrimento socioemocional, e, necessariamente vivenciada na construção de espaços-tempos desordenadores do mundo em suas marcações simbólicas e existenciais pelos sujeitos. Nesse sentido, o artigo abre-se a uma reflexão que mescla etnografia e narrativas de sofrimento encampados no chão da escola e podem representar indícios de um fenômeno mais amplo do que aparenta.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Desvelando as Complexidades da Fome: Uma Análise das Dinâmicas Sociais envolvendo a Saúde Mental e as Práticas Alimentares
Beatriz Aparecida Lopes Maciel (UFAL)
Resumo: O presente trabalho propõe uma investigação meticulosa das interseções entre a fome e a saúde mental na antropologia, almejando uma compreensão completa e profunda desses fenômenos interligados. Reconhece-se que a fome transcende a mera falta de alimentos, sendo um fenômeno multifacetado que abrange aspectos econômicos, sociais, culturais e psicológicos. Assim, a saúde mental está intimamente ligada à nutrição adequada e à segurança alimentar, influenciada por fatores individuais, comunitários e estruturais. Para alcançar os objetivos propostos, adota-se uma abordagem metodológica diversificada. Primeiramente, analisarei documentos disponibilizados pelo Centro de Referência de Assistência Social Denisson Menezes e pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Primeira Infância e Segurança Alimentar (SEMEDES), localizada no bairro Cidade Universitária, na cidade de Maceió, Alagoas. Em seguida, a partir de trabalho de campo realizado no conjunto Graciliano Ramos, também situado na cidade universitária, elaborarei uma etnografia visando compreender as percepções, as práticas alimentares e as respostas sociais expressas pelos moradores diante de sua realidade. Com esse estudo, será possível examinar o impacto dos determinantes socioeconômicos da fome na vida dos interlocutores dessa pesquisa, bem como sua influência na saúde mental. Além disso, adotarei uma lente antropológica para interpretar as práticas alimentares e as dinâmicas culturais em torno da comida, buscando compreender como as tradições, crenças e normas culturais moldam a experiência da fome e da alimentação em diferentes contextos socioculturais. Integra-se a Teoria da Justiça Social à análise, buscando identificar como a desigualdade estrutural, geradora da fome, é percebida pelos moradores da comunidade, a partir da apreciação de suas narrativas, sempre levando em consideração as condições sociais, políticas e econômicas nas quais se encontram. Espera-se que esta abordagem interdisciplinar e teoricamente fundamentada amplie o entendimento desses fenômenos complexos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Perspectivismo e cosmopolíticas na saúde mental em contextos indígenas
Carlos Sérgio de Brito Moreira Júnior (UFPA)
Resumo: Pesquisas relacionadas à saúde indígena são de vital importância para auxiliar na organização de políticas de atenção a estes povos. A saúde mental em contextos indígenas, especificamente, ainda é um campo acadêmico novo, mas que tem se mostrado promissor e levantado questões cruciais que atingem diretamente o cuidado com a saúde dos povos indígenas. A saúde mental como conceito originado diretamente da psiquiatria, uma ciência ocidental moderna, encontra dificuldades ao ser traduzida para o contexto dos povos ameríndios, que possuem epistemologias outras e formas diferentes de conceber as relações entre o que entendemos por mente, corpo, natureza, humanidade, assim como psíquico e espiritual. O que para a ciência poderia ser entendido como um quadro de sofrimento psíquico, para os povos indígenas, na maioria das vezes, tratam-se de fenômenos de origem espiritual. Frequentemente, outros seres além dos humanos, como espíritos e entidades donas dos animais e dos lugares, são evocados e passam a fazer parte das narrativas sobre o acometimento de quadros que poderíamos classificar como de ordem da saúde mental, agredindo as pessoas e desestabilizando-a espiritualmente, resultando em seu adoecimento. Neste sentido, este trabalho propõe visualizar a saúde mental no contexto dos povos indígenas a partir das lentes de dois conceitos que são cruciais ao se trabalhar com realidades onde outros além dos humanos passam a fazer parte importante da análise e a influenciar na saúde das pessoas: o primeiro destes é o perspectivismo de Viveiros de Castro, que permite um vislumbre de como as cosmologias ameríndias são construídas e das relações que se estabelecem entre os humanos e os outros seres habitantes do cosmos; o segundo é o conceito de cosmopolíticas pensado por Isabelle Stengers, que propõe que nos desfaçamos de nossas certezas construídas pelo pensamento científico para permitir pensar ontologias em que os outros-que-humanos passam a fazer parte importante das diversas categorias da vida das pessoas, mais especificamente, no caso deste trabalho, de sua saúde.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Práticas Integrativas e Complementares de Saúde: um novo paradigma no tratamento do sofrimento psíquico
Daniele Ferreira Soares (UNESP)
Resumo: O processo de adoecer, por colocar a vida humana em risco, sempre foi alvo de inquietações. Nas sociedades ocidentais, o modelo explicativo para o processo de saúde e doença é estruturado pelo paradigma biomédico. Este respectivo paradigma é constituído por princípios científicos e busca compreender e curar doenças com base em causas físico-químicas e biológicas. Dentre as suas mais diversas características, o modelo biomédico enxerga o corpo humano como uma máquina. E, mediante essa visão, a doença é caracterizada como uma disfunção em algum dos sistemas que nos compõe. A medicina ocidental se tornou uma ferramenta de normatização, definindo tanto o que é comum quanto o que é patológico. Contudo, nas últimas décadas, ela tem sido alvo de questionamentos por razões éticas, filosóficas e culturais. Dentre os questionamentos, destaca-se o argumento de que o paradigma de saúde hegemônico das sociedades ocidentais é reducionista. Além do mais, os tratamentos médicos têm sido reavaliados pelo uso excessivo de medicamentos e por sua ineficácia na cura de algumas enfermidades de ordem psicológica, tal como o sofrimento difuso. Tendo isso em vista, a Organização Mundial da Saúde (OMS), tem promovido o exercício de repensar o conceito reducionista de saúde. Uma consequência disso foi que, a partir de 2003, passou a recomendar aos seus Estados Membros a adoção de Práticas Integrativas e Complementares de saúde (PICs) como aliadas na luta pela prevenção e cura de enfermidades, principalmente de ordem psicológica. No contexto brasileiro, tal recomendação foi aceita em 2006 por meio da publicação da portaria 971, que implementou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS). Diante deste atual cenário, o presente trabalho possui como objetivo examinar a relação entre Práticas Integrativas e Complementares de Saúde e o tratamento de doenças mentais. Especificamente, revisaremos produções desenvolvidas no Brasil sobre essa temática. Faremos uma análise crítica de oito estudos teóricos obtidos na biblioteca eletrônica SCIELO, identificando suas principais perspectivas e modos de abordar o tema. Com isso, esperamos contribuir com o mapeamento das contribuições teóricas brasileiras nesse campo e a enriquecer a discussão antropológica sobre diferentes abordagens de cuidados em saúde.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Existências insurgentes: um debate sobre sofrimentos psíquicos de mulheres negras na política partidária
Debora Simões de Souza (UFRJ)
Resumo: Proponho realizar uma análise sobre as violências raciais e de gênero sofridas por mulheres negras que ocupam cargos na política partidária. O campo etnográfico do qual este resumo é produto concentra-se em acompanhar mulheres negras cis e trans vinculadas à partidos de esquerda, atuantes no Estado do Rio de Janeiro. Atualmente, realizo uma pesquisa de pós-doutoramento acompanhando, pessoalmente e virtualmente, mulheres negras que exercem funções como deputadas (federal e estadual) e uma vereadora no contexto carioca. Argumento que as experiências de mulheres negras da política partidária podem ser compreendidas tanto como sofrimento psíquico individual como sofrimento coletivo. Ao sofrer racismos ou discriminação de gênero um duplo sofrimento é causado, pois grande parte dessas pessoas estão trabalhando a favor dos direitos das minorias sociais das quais elas mesma fazem parte. Estou preocupada como operam os mecanismos de opressão nas instituições políticas oficiais, ou seja, como certos corpos e subjetividades são violentamente atacados por agentes políticos da extrema direita no Brasil contemporâneo. Essa análise será realizada a partir das diferentes categorias que constituam a vítima entre ela o gênero, faixa etária, a raça, local de nascimento, entre outras. Nesse contexto analítico, também desejo apresentar um debate ligado aos diferentes campos de conhecimento interessados no entendimento e desnaturalização das formas de opressão contemporâneas geradoras de sofrimento psíquico, como modo de pensarmos modos de minimizar esses danos que são micros e macros.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Uma tentativa de retorno à narrativa como base epistemológica do entendimento do sofrimento psíquico: uma análise do sofrimento psíquico discente na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Felipe Paes Piva (USP)
Resumo: Esta proposta tem como objetivo geral apresentar as múltiplas dimensões das questões relacionadas à saúde mental de alunos de graduação e pós-graduação na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), com especial atenção às transformações estruturais e institucionais do Ensino Superior. Procura-se entender como tais mudanças vêm interagindo com a experiência dos discentes: o caráter relacional entre o sofrimento psíquico e o suicídio, as condições estruturais de iniquidade e as formas complexas como raça, classe, gênero, sexualidade (dentre outros marcadores que se mostrem relevantes neste meio) se apresentam na universidade. A pesquisa está sendo feita através de um formulário on-line para mapear as temáticas e os perfis discentes diversos, entrevistas em profundidade e, por fim, etnografia na própria FFLCH e nos eventos e movimentos associados ao tema. Defende-se que para apreender como o sofrimento psíquico tem incidido sobre as vivências universitárias é preciso descer ao ordinário, ao nível do cotidiano, para as diferentes formas que esse sofrimento é corporificado e vivenciado. Ademais, por mais que todo aluno possa estar condicionado a sofrer em decorrência das relações dentro e fora da universidade, tal sofrimento não é vivido ou reconhecido da mesma maneira. A orientação buscada é a de um retorno à narrativa como base epistemológica do entendimento do sofrimento psíquico, especialmente na universidade. Indo contra o processo diagnóstico psiquiátrico que abstrai os sofrimentos e os sintomas de sujeitos singulares, no caso específico desta pesquisa, estudantes de graduação e pós-graduação da FFLCH. Mais do que entender seus transtornos, o objetivo é observar as características sociais dos sujeitos que, de alguma forma, sofrem ou sofreram no meio universitário, procurando entender como os sintomas que se apresentam neste meio se dão mediante os seus processos de vida e suas experiências subjetivas, isto é, olhando para o sofrimento não sob uma perspectiva estritamente ontogênica, mas, acima de tudo, sob uma perspectiva sociogênica, para o contexto social. Defende-se o ímpeto de desbravar a relação esgorregadiça entre o coletivo e o individual. Assim, não apenas tratando das dores e sofrimentos dos discentes, mas mostrando as diferentes formas como suas vidas cotidianas enquanto o espaço do ordinário encerra em si as violências presentes em nossa sociedade e, mais especificamente, no ambiente universitário estudado. Diferentes cenas de violência são retratadas nesta pesquisa - seja como racismo, machismo, LGBTfobia, elitismo, dentre outras -, violências que nem sempre são percebidas enquanto tais pelos interlocutores, mas que podem influenciar, de forma complexa, em questões em torno do sofrimento psíquico e do suicício.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O vínculo na construção do cuidado na saúde mental.
Haylla Chastinet Pimenta Sampaio (PMC), Thais Rodrigues Penaforte (UFBA)
Resumo: Em atendimento a uma paciente de 51 anos, casada, acompanhada por um centro de atenção psicossocial, há oito anos, ela relata sua história, as adversidades familiares e diversos outros abusos que forjaram a sua relação com o álcool. “Bebo pra não me sentir sozinha, a cachaça é como uma amiga!” Sua trajetória clínica possui uma inflexão importante, a partir da sua relação com seu técnico de referência. “Ele é como um amigo, com ele eu tive confiança de poder dizer as coisas (...) com ele posso me abrir!”. Essa relação paciente-profissional, no desenho assistencial da saúde brasileira, se sedimenta pelo conceito vínculo. Um tipo de prática institucional, que organiza e delimita as ações de cuidado, constituindo um processo de corresponsabilização que impulsiona o processo terapêutico. Não obstante, quando tomado pelas lentes da antropologia, o vínculo se desdobra como um conceito aberto, que é mobilizado pela e na vida das pessoas. Um caminho intersubjetivo que engendra circuitos e movimentos que propicia novas conformações e associações. E na trajetória dessa paciente, essa relação afluiu, não para estratégias focadas na redução do consumo de álcool, mas, para transformações individuais. “Está nascendo uma nova pessoa, por que antes era como se eu fosse uma personagem inventada”. Assim, orientado pelas redes de significados e experiências, o vínculo potencializa novos paradigmas ao cuidado, cujo regime de produção se efetiva pelas tramas da própria vida.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Juventudes em tempos de crise: a "turma de amigos" como espaço de reconhecimento social e promoção da saúde dentro da escola
Higor Breno Cagnoni Silva (USP)
Resumo: A proposta deste trabalho é discutir o processo de aprendizado emocional vivenciado por estudantes secundaristas com base nas redes de apoio que compartilham entre si e com professores(as) ou funcionários(as) da instituição escolar. O trabalho parte do princípio que a escola pode funcionar como uma mediadora de passagens culturais ao tornar possível a experimentação afetiva de outros núcleos de sociabilidade, de modo a se posicionar como um dos poucos espaços de solidariedade inter e intra geracionais disponíveis à juventude. De fato, a maior parte desse intercâmbio afetivo ocorre não naquilo que a institucionalidade educacional propõem enquanto regra ou norma de comportamento, cujo teor disciplinador apenas em pequena parcela é capaz de pautar os diversos circuitos de interações que existem dentro do seu ambiente, e sim nos grupos de amizade construídos de maneira alternativa à ordem pedagógica. Na verdade, entende-se que a própria turma de amigos(as) exerce um papel de educação sentimental ao aproximar contextos relacionais de vida que, potencialmente, compartilham de um grande conjunto de preocupações. Nesse sentido, há uma gramática do reconhecimento sendo gestada no interior dessas comunidades de afinidade, que propiciam o desenvolvimento de habilidades sociais ligadas à gestão das emoções e ao manejo do sofrimento psíquico. Alguns estudos têm chamado atenção para a notável piora nos índices de saúde mental dos(as) jovens durante o período de fechamento das escolas, devido a pandemia de COVID-19, sobretudo nos casos de adolescentes em situação de alta vulnerabilidade social. Depreende-se disso, portanto, que os anos de afastamento significaram uma perturbação no ciclo de formação da juventude, que não só instalou um cenário de incertezas a respeito do futuro, mas suspendeu parte do processo interpessoal de passagem da infância para a idade adulta. Logo, defende-se que os grupos de pares, ainda que crivados de violências e micro-agressões, fornecem canais de envolvimento relacional que seriam improváveis de acontecer no meio familiar, o que também articula práticas de cuidado e de promoção da saúde inerentes aos vínculos de amizade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sofrer e adoecer na contemporaneidade: uma etnografia dos problemas de saúde mental no contexto universitário
Igor Holanda Vaz Arcoverde (UFPE)
Resumo: Ao longo das últimas décadas, o sofrimento tem se tornado cada vez mais presente na vida cotidiana das pessoas em todo mundo. Em meio a um período histórico onde o neoliberalismo precariza todos os aspectos da saúde, trabalho e educação nas sociedades humanas (Brown, 2019), o sofrimento e o adoecimento mental se tornaram um sinal físico-moral (Duarte, 1986) de um problema mais amplo, evidente nos índices estatísticos alarmantes de diagnósticos que apontam para um problema global (WHO, 2017; 2021). Entre os diferentes mundos que compõem o sofrer/adoecer na contemporaneidade, está o mundo universitário, notável pelos diferentes cruzamentos entre gerações, áreas do conhecimento, gostos de classe, sem falar no caráter elitista e cosmopolita pelo qual a sociedade percebe a prática de produzir ciência (Stengers, 2018; 2020). A partir do trabalho de campo realizado entre estudantes de pós-graduação em Nova Iorque e Recife, pretendo desenvolver de maneira comparativa como o sofrimento e adoecimento é feito, ou melhor enacted (Mol, 1999) nas trajetórias acadêmicas, e diante desse sofrer/adoecer, de que maneira surgem estratégias que produzem uma coreografia do cuidado-controle acadêmico (Pols et al., 2023). Na atual fase do neoliberalismo, produtividade, competitividade e meritocracia se tornaram conceitos centrais que pretendo investigar nesse artigo, produzindo pela doença mental uma versão oposta do sujeito depressivo no chamado "self-made man": um sujeito autossuficiente, realizado e merecedor, fruto de um individualismo enraizado no colonialismo ocidental (Dumont, 1997). Partindo dos dados etnográficos de entrevistas, observação participante e autoetnografia, pretendo analisar como o sofrimento se transforma em um processo de saúde e doença pelo diagnóstico, como estudantes de pós-graduação desenvolvem um sentimento de solidão e abandono pelas universidades, e quais as consequências da molecularização do sujeito em reações bioquímicas manipuláveis pelo cérebro (Rabinow, 1999; Rose e Abi-Rached, 2013; McKinnon, 2021), e como essas tecnologias da indústria farmacêutica tiveram papel central em colonizar a diversidade cultural do sofrimento humano em um modelo altamente lucrativo de doença (Davies, 2013; Halliburton, 2020). Por fim, pretendo concluir esse artigo apontando as estratégias institucionais de acolhimento e tratamento clínico aplicadas, avaliando como as perspectivas entre Norte e Sul global destacam diferentes compreensões sobre o fazer político nos processos saúde e doença mental, e como compreender o adoecimento mental no contexto acadêmico abre possibilidade para a aplicação de uma pluridisciplinar e integrada dos sistemas de saúde, capaz de efetivamente contribuir na vida da comunidade acadêmica.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Neoliberalismo, felicidade e sofrimento
Jainara Gomes de Oliveira (UFGD)
Resumo: Nas sociedades capitalistas avançadas, o neoliberalismo tem sido encarado, de maneira analiticamente ampla e fundamental, como o resultado de um processo histórico-social cuja racionalidade política pressupõe uma noção de liberdade assentada na forma-propriedade e generalizada para os mais variados estratos culturais. Por meio dessa noção de liberdade, o neoliberalismo produz e gerencia o sofrimento psíquico, na medida em que enfatiza modos de subjetivação cujo modelo de sujeito presume um indivíduo livre, independente e autônomo, que deveria ansiar e buscar, de maneira persistente, pela felicidade meritocrática. Na fronteira entre a Antropologia e a Psicologia, discuto neste trabalho o processo de individualização e psicologização que constitui a relação entre neoliberalismo, felicidade e sofrimento. Trata-se de um processo cultural em que o individualismo foi reinstitucionalizado e, por conseguinte, a responsabilidade pela felicidade e pelo sofrimento individuais foi reforçada.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Biblioterapia e Redução de Danos: por emancipação de sujeitos.
Jairo Nascimento Santos (Prefeitura de Camaçari), Thais Rodrigues Penaforte (UFBA)
Resumo: A ideia de criar o Grupo de Cidadania em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS ad) surgiu, a partir da reflexão acerca de uma frase dita por paciente: "ninguém presta atenção ao que um bêbo fala". Tal afirmação revelava um sentido de invisibilidade e, assim, buscou-se constituir um espaço terapêutico voltado à socialização, que tivesse como dispositivo a promoção de atenção e cidadania. Para tanto, adotou-se como recurso terapêutico a leitura biblioterápica. Com essa escolha, buscamos instigar relações e produções que emergem, não de sugestionamentos ou identificações, mas, propriamente como devires. Um processo que propicia linhas de fuga, desviando-se de modelos, para produzir libertação de fluxos e espaços de criação. Desse modo, a partir de encontros semanais, as discussões produzidas engendram um cuidado, que é delineado como um código aberto, que se abre a novas (e ilimitadas) interpretações e conexões. E, apoiados em textos literários, poemas, contos e letras de música, que privilegiem histórias e autorias negras, como Conceição Evaristo e Cuti Silva, suscitamos o espelhamento de histórias pessoais e reinserções em outras temporalidades. Assim, estabelecendo outras redes dialógicas e interpretativas, abre-se caminho para novas possibilidades terapêuticas, quer seja pacificando emoções ou restabelecendo fluxos vitais, que visem a regenerescência do sujeito e da subjetividade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
QUANDO O SOFRIMENTO SE OBJETIVA: Automutilação e tentativa de suicídio entre jovens estudantes em São Luís / MA.
Karlene Carvalho Marinho de Araújo (UFMA)
Resumo: Este trabalho busca trazer para o cenário dos estudos antropológicos, o debate sobre a prática da automutilação e tentativa de suicídio entre jovens estudantes de escolas públicas no município de São Luís /MA . O suicídio é um fenômeno que ocorre em todas as regiões do mundo, estima-se que, anualmente, mais de 800 mil pessoas morram por suicídio e, a cada adulto que se suicida, ao menos 20 atentam contra sua própria vida. Segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, no período de 2011 a 2018 foram notificados 339.730 casos de violência autoprovocada, dos quais 154.279 (45,4%) ocorreram na faixa etária de 15 a 29 anos, representando 6% das mortes violentas no Brasil. Face a essa realidade a presente pesquisa, busca verificar conexões de cunho socioantropológico destes fenômenos na intenção de trazer para o debate acadêmico um tema tão pouco debatido no cenário das ciências Sociais. Assim procedendo, avaliei que poderia desconstruir as análises ligadas apenas à explicações dessas práticas pelo viés médico, que, em geral, muitas vezes suprime a relação do indivíduo com a coletividade. A partir dessa ideia, busco submeter o fenômeno da automutilação juvenil e suas tentativas de suicídio, ao crivo de uma análise socioantropológica a partir de relatos dos sujeitos etnográficos construídos no ambiente da escola.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Deixar de SER, para TER? Impacto do Neoliberalismo nas Condições psíquicas : Uma investigação sobre as pressões socioeconômicas contemporâneas, e o sofrimento psíquico.
Lorraine Carla C. Cordeiro (UFES), Marcia Barros Ferreira Rodrigues (UFES)
Resumo: A presente proposta irá analisar como os discursos neoliberais embricaram-se na sociedade brasileira, funcionando como mecanismos de interpelação da busca do inalcançável e infindável projeto de sucesso individual e perfeito. O estudo apresentará digressões historicizadas das características deste projeto neoliberal individualista e narcísico, observando como narrativas do alcançar o sucesso são utilizadas como instrumento de avaliação do sujeito na sociedade. Isto posto, o exame conjugará as bases da Teoria psicanalítica freudlacaniana almejando interpretar a ruptura que atravessam os sujeitos na contemporaneidade e as consequências psíquicas coletivas e singulares podem causar. O artigo interpretará esses discursos, principalmente utilizando concepções internalizadas como, consumo e/ou capacidade econômica aquisitiva, que são utilizados pela sociedade, como régua avaliadora de um sucesso na condição de humano, dentro deste processo civilizatório. As ferramentas de investigação privilegiarão a revisão das características basilares do projeto neoliberal e sua construção histórica baseada em peculiaridades encontradas na cena social brasileira. Tomaremos como referência a afirmação utilizada em pesquisa conduzida pelo instituto IPSOS, que destacava: Eu meço o meu sucesso pelo que possuo, com o Brasil ocupando o 4º lugar, em aceitação desta premissa. Ademais, por meio da análise de discursos, será examinado como os discursos acerca do neoliberalismo e do conceito de "sucesso" são elaborados e assimilados pelos sujeitos. Com este propósito, a investigação abrangerá a análise de textos, mídia e discursos políticos e culturais, fundamentadamente selecionados, com o objetivo de identificar padrões de linguagem e representações simbólicas pertinentes ao tema. Ao integrar a psicanálise à análise das dinâmicas sociais e econômicas do neoliberalismo, esta pesquisa propõe conceder insights importantes sobre os processos psíquicos subjacentes ao sofrimento psíquico contemporâneo, contribuindo para uma compreensão mais abrangente das interações entre o contexto socioeconômico e a saúde mental. Assim, podemos pensar, como os ideais de sucesso material e competição promovidos pelo neoliberalismo influenciam os desejos e fantasias inconscientes das pessoas, e como isso pode contribuir para sentimentos de inadequação e insatisfação.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mal estar escolar e a expectativa de afinação da subjetividade
Mario Pereira Borba (UFF)
Resumo: Neste ensaio reflito sobre sofrimento psíquico no contemporâneo desde algumas considerações transversais de uma etnografia que realizei em uma escola pública do Rio de Janeiro. Nela observei, ao longo de um trabalho de campo diário de um ano e três meses, a incidência de diagnósticos psiquiátricos, a prescrição e consumo de medicamentos psicoativos, episódios de automutilação, dentre outros fenômenos que afetavam estudantes do segundo ciclo do Ensino Fundamental. Aqui pretendo abordar tais incidências entre corpo e subjetividade, explorando disciplinamentos e recalcitrâncias diante do que se apresentava (pelos e para os jovens) nestes contextos. Diante de uma ampla gama de situações, tal como ganham visibilidade dentro de uma escola, é notória a incidência de uma racionalidade psiquiátrica (catalogada em seus manuais de diagnóstico) nas formas como problemas ganham concretude (laudos) e expectativas de tratamento (medicamentos). Nisso, proponho abordar uma expectativa de microafinação tecnocientífica da subjetividade, em tecnologias de microcontrole das formas de ser e estar, no contexto da adequação a um regime corporal e cognitivo (escolar) entre contenções e incitações. Aqui pretendo refletir criticamente sobre como essa conformação dos problemas em diagnósticos e suas prescrições (prêt-à-porter) pode subsumir complexidades e temporalidades que não caibam na realidade produzida a partir dos tratamentos hegemônicos. Não se trata de negar esta realidade, mas explorar analiticamente tanto sua ampla incidência quanto a eventual resistência ou recusa dela por alguns jovens, concebendo esses fenômenos como uma entrada para pensar sobre subjetivações no contemporâneo. Exploro analiticamente também os efeitos dessa ampla incidência, na forte adesão a alguns diagnósticos mais comuns dentro da escola (como TDAH e TOD), que eventualmente parecem ou pretendem dar sentido a processos complexos na subjetivação escolar, tais como problemas de atenção (que aprofundei na tese) e comportamento. Como se a subjetividade passasse a ser afinada (bioquímica ou tecnocientificamente) de acordo com esses diagnósticos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"O Estado é o nosso maior inimigo": formas de defesa contra perseguições na administração pública
Monique Florencio de Aguiar (UFAL)
Resumo: A partir da interação com funcionários técnico-administrativos, entre os anos de 2008 a 2015, pude notar a preocupação que tinham com as perseguições no ambiente de trabalho. Assim, escolhi como tema de estudo as situações persecutórias existentes em um tipo autoritário de gestão das instituições. Os funcionários com os quais interagi estavam locados em instituições estatais situadas no estado do Rio de Janeiro. Atentando aos argumentos apresentados por eles, examinei as estratégias que usavam para se defender, evitar ou resistir às perseguições desencadeadas por seus superiores hierárquicos. Analisei cinco estratégias, entre as mais usadas, que indicavam uma aproximação progressiva dos núcleos de maior autoridade dentro do sistema político-estatal. Essas estratégias evidenciaram a grande desigualdade de poder entre os lados envolvidos e o uso do poder coercitivo como meio de gestão. Em consonância, aponto como questão norteadora: como a maioria dos funcionários reagia para sobreviver num ambiente entendido como persecutório? Com o passar do tempo, essas perseguições foram entendidas como assédio moral ou organizacional, que levam a comprometimentos psíquicos, desencadeando uma série de transtornos emocionais, psicológicos e psiquiátricos aos alvos dos assédios. Nas administrações públicas, os indivíduos se relacionam articulando ou confrontando seus poderes, que são de diferentes intensidades. Este aspecto foi teorizado por Bailey (2001: 71), para quem as burocracias são arenas políticas e os burocratas são competidores em suas organizações. Nesses ambientes, observamos a realpolitik, ou seja, a política que é feita com base em interesses privados de acumular poder dentro das instituições (2001: 6). Neste texto, procurarei abordar as estratégias que os funcionários com os quais interagi usavam para driblar o ambiente opressivo e não serem alvos de perseguições a partir da literatura sobre o campo burocrático, a antropologia das instituições e o assédio organizacional.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Quilombos, saúde mental e conflitos socioambientais: apontamentos sobre a desigualdade em saúde como expressão da qualidade ambiental do território
Priscila Soraia da Conceição (UTFPR), Maria Janaína Silva dos Santos (UFRN), Rosimeiry Florêncio de Queiroz Rodrigues (UERN), Anaxsuell Fernando da Silva (UNILA)
Resumo: Esta comunicação se propõe discutir a relação entre saúde mental e ambiente em comunidades tradicionais a partir da confluência do debate entre diferentes projetos de investigação em curso. O ponto de partida se dá na utilização de metodologias participativas, não-extrativistas e de pesquisa-ação, em três comunidades quilombolas do nordeste brasileiro, duas no Rio Grande do Norte (Jatobá e Nova Esperança) e uma na Paraíba (Talhado). Do ponto de vista metodológico, estas investigações etnográficas partilham do testemunho e da experiência de marginalidade, subalternidade e subjugação, de onde emergem estes sujeitos políticos e suas perspectivas a respeito do impacto das questões ambientais na saúde mental da comunidade. Essa proposta de análise e compreensão desafia as narrativas hegemônicas, ao mesmo tempo que promove o interesse em estabelecer as relações entre história, memória, saber e poder em uma perspectiva contra-colonial, que permita pensar aspectos comunitários em saúde mental como expressão da qualidade ambiental do território onde vivem. Para este trabalho, priorizaremos a relação destas comunidades com a questão do acesso à água para abastecimento doméstico, do gerenciamento dos resíduos sólidos domiciliares e dos impactos decorrentes da geração de energia eólica. Entendemos que este debate propicia evidenciar os processos reveladores da determinação social da saúde mental e ambiental em comunidades quilombolas, assim como os processos geradores de desigualdades socioespaciais e raciais em saúde e sua articulação com movimentos sociais envolvidos em processos de mobilização e resistência. Reconhecer tais processos, a partir das vozes dos moradores, contribui para o enfrentamento das desigualdades e injustiças por intermédio de uma promoção emancipatória da saúde mental.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Saúde Mental e Sofrimento Psíquico: reflexões de uma Etnografia de Hospitais Psiquiátricos
Sabrina Melo Del Sarto (UEMS)
Resumo: Neste estudo, apresento um fragmento de uma etnografia que investiga a vida social de moradores permanentes de alas asilares em dois hospitais psiquiátricos públicos de Santa Catarina. O objetivo principal foi observar as experiências singulares desses indivíduos diante da institucionalização, destacando como a realidade restritiva e coercitiva desses ambientes influencia suas possibilidades micropolíticas de movimento. Além disso, buscou-se analisar a inserção desses locais nos processos de institucionalização, examinando a presença ou ausência de orientações para a implementação de potenciais mecanismos de desinstitucionalização. Em termos gerais, adotou-se uma abordagem etnográfica para compreender de que maneira a construção social do cotidiano institucional contribui para reforçar a perspectiva manicomial da doença mental. O enfoque da investigação concentrou-se nas experiências e vivências dos moradores que permanecem institucionalizados por, pelo menos, 35 anos em hospitais psiquiátricos. Questões interdisciplinares foram também exploradas, destacando as diversas formas de conduzir uma pesquisa etnográfica dentro do campo psi, com o intuito de construir novas perspectivas sobre a institucionalização psiquiátrica permanente no Brasil. Ao final, a complexidade das histórias de vida compartilhadas por essa população emergiu como um elemento fundamental para a compreensão da atual realidade da institucionalização no país.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Da Antropologia à Psicanálise: Relato da conversão de um antropólogo ao mundo dos psicanalistas
Ulisses Corrêa Duarte (UFF)
Resumo: A proposta de trabalho se baseia na trajetória pessoal do autor que, após o Doutorado em Antropologia, iniciou uma formação em Psicanálise em andamento. A entrada na Escola de Psicanálise no Rio de Janeiro no ano de 2019, associação com formação na abordagem lacaniana, proporcionou o encontro com o aparato epistemológico e conceitual de Freud e Lacan, e produziu nesta imersão a possibilidade de reflexão sobre as constantes interfaces entre os respectivos campos do saber. A noção de pessoa, a construção da alteridade, o registro do simbólico e a ética da diferença, - assim como a variação possível na balança entre a preponderância dos fenômenos socioculturais sobre os individuais ou, por outro lado, a tônica da subjetividade sobre o coletivo nos processos psíquicos do inconsciente -, marcaram a mediação conversiva do olhar antropológico até o desejo do analista. Nestas buscas pelas interlocuções possíveis entre Antropologia e Psicanálise, é importante ressaltar o diálogo no estudo de Freud Totem e Tabu (1913), sobre a gênese das sociedades e o parricídio, e as propagações das teses freudianas nas ciências sociais e as consequentes críticas a respeito de suas ideias em Bronislaw Malinowski; assim como a influência de Lévi-Strauss e a função simbólica no discurso lacaniano. Outrossim, há dois importantes autores que produziram Antropologia e Psicanálise com o mesmo rigor ao avançarem na construção de uma possível conjunção entre os dois campos: a Antropologia Psicanalítica do húngaro Géza Róheim (1891-1953) e a Etnopsicanálise do francês George Devereux (1908-1985).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A produção empírica de Transtornos Mentais a partir de uma etnografia realizada em ambulatórios para cuidados em dependência de drogas
Wander Wilson Chaves Junior (Programa de Orientação e Atendimento ao Dependente (PROAD) - UNIFESP)
Resumo: Durante minha pesquisa de doutorado realizei etnografia em dois ambulatórios para tratamento/cuidado de dependência de drogas, ambos vinculados ao departamento de psiquiatria de duas universidades público-estatais da cidade de São Paulo. Um dos momentos da tese trabalhou com a construção empírica dos transtornos mentais, partindo tanto das definições feitas pelos profissionais de saúde, quanto da afirmação dos usuários de que eles tinham algum transtorno específico e como esta relação era descrita. Este tipo de diagnósticos parte das definições encontradas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) produzido pela Associação Americana de Psiquiatria, que, no momento da pesquisa, estava em sua quinta edição. Ambientes para cuidados em dependência de drogas são espaços privilegiados para pensar este tipo de construção. Quando se trata do Transtorno de Uso de Substâncias, a psiquiatria compreende que comorbidades são a regra de sua produção, o que implica uma prevalência de outros transtornos acoplados a este diagnóstico. Para a construção de cada um desses transtornos os conceitos de escolha e responsabilidade em relação aos atos individuais de cada pessoa são fundamentais. A dependência de drogas é comumente apresentada como uma patologia da liberdade de escolha, e um olhar empírico de sua construção é capaz de nos dizer algo sobre o próprio conceito de transtornos mentais. A partir da etnografia foi possível notar os transtornos se formando e se movendo a partir de sua produção relacional em cada uma destas instituições. Neste sentido, de um lado, os possíveis diagnósticos relacionados ao uso problemático de drogas comumente são realizados pelas próprias pessoas que buscam cuidados nos ambulatórios, antes mesmo de ingressarem nos serviços de saúde. De outro, existe uma circulação e estabilização de outros transtornos compreendidos como estas comorbidades, estabelecendo uma racionalidade clínica articulada com a medicalização da pessoa convertida em paciente. Um diálogo em que dois psiquiatras conversam sobre a dupla hipótese diagnóstica de Dependência de cocaína e Transtorno Bipolar Tipo 1 de um paciente é emblemática neste sentido. Um dos psiquiatras questiona por que seria possível, neste caso, entrar com uma medicação chamada carbamazepina. A resposta foi a de que: “Não tem nada comprovado para dependência de cocaína, mas tem pesquisas que indicam, de todo modo, uma medicação que a gente testa para um diagnóstico que a gente não tem certeza de que ele tem”. Esta comunicação pretende revisitar estes momentos para repensar a construção empírica do diagnóstico junto aos conceitos de escolha e responsabilidade, articulando esta relação por meio da construção de uma racionalidade neoliberal.