ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 025: Antropologia(s) Contemporânea(s) e Sofrimento Psíquico
A produção empírica de Transtornos Mentais a partir de uma etnografia realizada em ambulatórios para cuidados em dependência de drogas
Durante minha pesquisa de doutorado realizei etnografia em dois ambulatórios para tratamento/cuidado de dependência de drogas, ambos vinculados ao departamento de psiquiatria de duas universidades público-estatais da cidade de São Paulo. Um dos momentos da tese trabalhou com a construção empírica dos transtornos mentais, partindo tanto das definições feitas pelos profissionais de saúde, quanto da afirmação dos usuários de que eles tinham algum transtorno específico e como esta relação era descrita. Este tipo de diagnósticos parte das definições encontradas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) produzido pela Associação Americana de Psiquiatria, que, no momento da pesquisa, estava em sua quinta edição. Ambientes para cuidados em dependência de drogas são espaços privilegiados para pensar este tipo de construção. Quando se trata do Transtorno de Uso de Substâncias, a psiquiatria compreende que comorbidades são a regra de sua produção, o que implica uma prevalência de outros transtornos acoplados a este diagnóstico. Para a construção de cada um desses transtornos os conceitos de escolha e responsabilidade em relação aos atos individuais de cada pessoa são fundamentais. A dependência de drogas é comumente apresentada como uma patologia da liberdade de escolha, e um olhar empírico de sua construção é capaz de nos dizer algo sobre o próprio conceito de transtornos mentais. A partir da etnografia foi possível notar os transtornos se formando e se movendo a partir de sua produção relacional em cada uma destas instituições. Neste sentido, de um lado, os possíveis diagnósticos relacionados ao uso problemático de drogas comumente são realizados pelas próprias pessoas que buscam cuidados nos ambulatórios, antes mesmo de ingressarem nos serviços de saúde. De outro, existe uma circulação e estabilização de outros transtornos compreendidos como estas comorbidades, estabelecendo uma racionalidade clínica articulada com a medicalização da pessoa convertida em paciente. Um diálogo em que dois psiquiatras conversam sobre a dupla hipótese diagnóstica de Dependência de cocaína e Transtorno Bipolar Tipo 1 de um paciente é emblemática neste sentido. Um dos psiquiatras questiona por que seria possível, neste caso, entrar com uma medicação chamada carbamazepina. A resposta foi a de que: “Não tem nada comprovado para dependência de cocaína, mas tem pesquisas que indicam, de todo modo, uma medicação que a gente testa para um diagnóstico que a gente não tem certeza de que ele tem”. Esta comunicação pretende revisitar estes momentos para repensar a construção empírica do diagnóstico junto aos conceitos de escolha e responsabilidade, articulando esta relação por meio da construção de uma racionalidade neoliberal.