ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 025: Antropologia(s) Contemporânea(s) e Sofrimento Psíquico
Sofrer e adoecer na contemporaneidade: uma etnografia dos problemas de saúde mental no contexto universitário
Ao longo das últimas décadas, o sofrimento tem se tornado cada vez mais presente na vida cotidiana das pessoas em todo mundo. Em meio a um período histórico onde o neoliberalismo precariza todos os aspectos da saúde, trabalho e educação nas sociedades humanas (Brown, 2019), o sofrimento e o adoecimento mental se tornaram um sinal físico-moral (Duarte, 1986) de um problema mais amplo, evidente nos índices estatísticos alarmantes de diagnósticos que apontam para um problema global (WHO, 2017; 2021). Entre os diferentes mundos que compõem o sofrer/adoecer na contemporaneidade, está o mundo universitário, notável pelos diferentes cruzamentos entre gerações, áreas do conhecimento, gostos de classe, sem falar no caráter elitista e cosmopolita pelo qual a sociedade percebe a prática de produzir ciência (Stengers, 2018; 2020). A partir do trabalho de campo realizado entre estudantes de pós-graduação em Nova Iorque e Recife, pretendo desenvolver de maneira comparativa como o sofrimento e adoecimento é feito, ou melhor enacted (Mol, 1999) nas trajetórias acadêmicas, e diante desse sofrer/adoecer, de que maneira surgem estratégias que produzem uma coreografia do cuidado-controle acadêmico (Pols et al., 2023). Na atual fase do neoliberalismo, produtividade, competitividade e meritocracia se tornaram conceitos centrais que pretendo investigar nesse artigo, produzindo pela doença mental uma versão oposta do sujeito depressivo no chamado "self-made man": um sujeito autossuficiente, realizado e merecedor, fruto de um individualismo enraizado no colonialismo ocidental (Dumont, 1997). Partindo dos dados etnográficos de entrevistas, observação participante e autoetnografia, pretendo analisar como o sofrimento se transforma em um processo de saúde e doença pelo diagnóstico, como estudantes de pós-graduação desenvolvem um sentimento de solidão e abandono pelas universidades, e quais as consequências da molecularização do sujeito em reações bioquímicas manipuláveis pelo cérebro (Rabinow, 1999; Rose e Abi-Rached, 2013; McKinnon, 2021), e como essas tecnologias da indústria farmacêutica tiveram papel central em colonizar a diversidade cultural do sofrimento humano em um modelo altamente lucrativo de doença (Davies, 2013; Halliburton, 2020). Por fim, pretendo concluir esse artigo apontando as estratégias institucionais de acolhimento e tratamento clínico aplicadas, avaliando como as perspectivas entre Norte e Sul global destacam diferentes compreensões sobre o fazer político nos processos saúde e doença mental, e como compreender o adoecimento mental no contexto acadêmico abre possibilidade para a aplicação de uma pluridisciplinar e integrada dos sistemas de saúde, capaz de efetivamente contribuir na vida da comunidade acadêmica.