ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 009: Antropologia da Economia
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Coordenação
Eugênia de Souza Mello Guimarães Motta (UFRJ), Gustavo Gomes Onto (UFRJ)

Resumo:
Os intercâmbios de objetos e riquezas, as formas de valoração e o provimento das condições materiais de manutenção da vida foram assuntos destacados nas etnografias que estiveram no nascedouro da nossa disciplina. A mediação pelo dinheiro, as hierarquias sociais geradas pelo acesso desigual a ele e as técnicas e saberes de gestão desses recursos são elementos centrais na compreensão do mundo moderno e da contemporaneidade. Os estudos sobre economia se renovaram nas últimas décadas, acompanhando a complexificação do mundo social, a expansão dos mercados e dos meios de circulação de coisas, pessoas e ideias. A proposta neste GT é seguir com o espaço - aberto desde 2018, quando foi organizado pela primeira vez - para os estudos sobre economia e todos os diálogos que este campo suscita com: o papel da ciência, dos saberes técnicos e dos especialistas; as moralidades e a ética das transações; a constituição dos mercados; as regulações estatais e não estatais; as assimetrias associadas ao engajamento desigual na circulação de riquezas e os objetos e infraestruturas dos intercâmbios. Nos interessam debater as interseções entre a circulação de dinheiro e os âmbitos do afeto, da intimidade e da família, nas quais as dádivas expressam as ambivalências das trocas. O GT, portanto, concerne a uma multiplicidade de objetos, temas e possibilidades de abordagem que implicam, sempre, o questionamento sobre a própria definição de "economia” ou que caracterize algo como “econômico”.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A luta é no básico: Práticas econômicas ordinárias entre motofretistas no estado do Rio de Janeiro.
Ana Raquel Rosa Do Couto (UFF)
Resumo: Este trabalho se propõe a destacar as práticas econômicas ordinárias entre as motofretistas cariocas, também chamadas de motogirls. A partir da vida de Rose, motogirl, diarista e artesã, e de outras motogirls, viso explicitar etnograficamente uma série de estratégias utilizadas para a marcação dos dinheiros. Estas práticas podem ser pensadas através dos conceitos de earmarking (ZELIZER 2009,2011), os dinheiros da casa como nexo prático-valorativo de conexão entre as relações na e via a casa (MOTTA 2014, 2023), e dos usos sociais do dinheiro para ganhar a vida (NEIBURG, 2022). Boletos caseiros, listas e tabelas fazem parte de um cotidiano de incertezas e instabilidades agravadas pela pandemia da COVID-19, mas vividas constantemente. Traço inicialmente um breve panorama da trajetória das experiências laborais de Rose, seu início das entregas e algumas motivações de suas escolhas. A experiência de minhas interlocutoras demonstra que o trabalho com entregas se iniciou a fim de suprir as necessidades da casa, a qual não pode ficar descoberta. Este aspecto se relaciona com a necessidade de manter a reprodução e manutenção da vida material e social. Categorias como “dinheiro das entregas”, “coisinhas dos filhos”, “contas grandes e/ou pequenas aparecem frequentemente em seus relatos. Tais categorias convergem para a noção de dar conta, habilidade que recebe múltiplos significados e direcionamentos morais, e que também remete ao equilíbrio necessário para pilotar uma motocicleta. Palavras-chave: Motofretistas, dinheiros da casa, earmarking.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Dinheiro da pensão: entre o direito, a necessidade e a moralidade
Ananda da Silveira Viana (IESP-UERJ)
Resumo: A presente proposta parte de uma etnografia que articula vida, economia, gênero e favela e traz como foco as tensões, articulações e possibilidades a partir do dinheiro de pensão alimentícia. Em dezembro de 2023, ouvi circulando pela família de minha interlocutora uma fofoca de que ela estaria recebendo R$5.000,00 de pensão alimentícia. Já conhecendo os desdobramentos da luta judicial de Pâmela, minha principal interlocutora em minha etnografia, bem como as fofocas que passam pela família, levantei algumas indagações sobre o valor: “mas ela está recebendo cinco mil? Pensava que fosse menos”. As afirmações sobre o valor continuaram, seguidas de algumas narrativas as quais já havia escutado, tanto pelos familiares, quanto por minha interlocutora. Destas narrativas, os questionamentos sobre o “alto valor” da pensão e o que Pâmela faz com esse dinheiro são corriqueiros. A partir de uma etnografia dos dinheiros cotidianos realizada com uma família no Complexo do Alemão, conjunto de favelas situada na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, este trabalho tem como objetivo pensar etnograficamente o “dinheiro da pensão” a partir de seu caráter legal, moral e propriamente financeiro. Viso desdobrar, então, como o dinheiro da pensão, por sua própria origem, desencadeia uma rede de moralidades e disputas. E não apenas sua origem, como também o seu valor intensificam tais redes de fofoca, que se desdobram com questionamentos sobre como Pâmela estaria “sempre enrolada com dinheiro” já que recebe um valor “tão alto de pensão”. Minha interlocutora hoje recebe R$2.500,00 de pensão alimentícia para sua filha mais velha, fruto de seu primeiro casamento. Após alguns anos de acordo no “boca a boca”, Pâmela percebeu a necessidade de reivindicar um aumento na pensão. De início, tentou negociar o aumento de maneira informal e amigável com o ex-marido, pedindo R$500,00 a mais, proposta negada por ele, que entendia que o valor era “o suficiente” para criar a menina. O embate foi para a justiça e minha interlocutora, após cinco meses, conseguiu um aumento de mil reais, recebendo 13% do salário de seu ex-marido, dono de uma rede de pizzarias na zona norte da cidade. Ademais, minha interlocutora defende o dinheiro da pensão como um direito não apenas por suas razões legais, mas também por ser ela quem “cuida” do dinheiro e organiza as atividades de manutenção da casa e do cuidado, cujo dinheiro da pensão é enquadrado, aqui, como um “dinheiro certo”, nos termos de Motta (2023). Desse modo, desenvolverei neste trabalho a relação moral perpassada por esta forma de rendimento, bem como as estratégias que são construídas a partir de sua regularidade.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"O Caju é uma mãe": estratégias de vida e práticas econômicas da reciclagem no bairro do Caju no Rio de Janeiro
Barbara Da Costa Amoras (UERJ)
Resumo: O estudo investiga as práticas culturais e econômicas da reciclagem no bairro do Caju, no Rio de Janeiro, com foco nas estratégias de vida adotadas pelos moradores do entorno da Estação de Transferência de Resíduos situada neste bairro. Esse investimento interpretativo conduz a novas questões ao debate, através das formas de vida e de ganhar a vida por meio dos produtos descartados, e pela prestação do serviço de recuperação dos recicláveis. O estudo questiona os efeitos da experiência de vida em torno de um dos mais evidentes dilemas ambientais urbanos, as infraestruturas de transbordo de resíduos. Assim, o objetivo da investigação é apresentar e discutir a experiência no Caju a partir do ponto de vista dos interlocutores que traçam estratégias e que ganham a vida por meio da reciclagem realizada por formas populares de trabalho. O estudo foi conduzido por métodos qualitativos e diferentes técnicas de pesquisa, com ênfase na observação participante. E como resultado, a contribuição apresenta uma análise interpretativa da trajetória dos interlocutores, destacando os sentidos, significados e experiências no âmbito da cadeia de reciclagem.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A valsa da revendedoria: uma etnografia dos modos de sustento e reprodução social da vida no bairro Vida Nova de Campinas-SP
Bruna Lousado de Paula (UNICAMP)
Resumo: O presente trabalho é produto das reflexões etnográficas do projeto de pesquisa PIBIC em que estou atualmente inserida cuja temática é a revendedoria de cosméticos no bairro Conjunto Habitacional Vida Nova de Campinas-SP. Ele se insere em uma série de reflexões contemporâneas da antropologia econômica (L’ESTOILE 2020, NAROTZKY y BESNIER 2020, ÁLVAREZ y PERELMAN 2020) que propõe uma saída analítica às explicações abstratas em que a economia se confunde com o mercado. A abordagem etnográfica das “formas de ganarse la vida” (ÁLVAREZ y PERELMAN), busca capturar a complexidade da reprodução social da vida, dando ênfase às múltiplas relações não necessariamente econômicas que constituem e orientam a economia “por baixo” (L’ESTOILE). No caso da revendedoria de cosméticos, realizada por meio da venda direta por milhões de mulheres no mundo, existe uma centralidade nas relações e vínculos sociais que de um lado são mobilizados pelo branding das marcas e de outro são cultivados pelas revendedoras em forma de estratégias de venda. São elas as responsáveis por garantir que os produtos adentrem nos mais diversos espaços através do vínculo, de modo que a compra e venda de produtos adquire sentidos extra monetários, em especial por se enquadrar em uma relação trabalho-consumo-relações de vizinhança cujos lucros, são dificilmente mensuráveis. Busco levantar indagações em relação às percepções de realização pessoal-profissional no contexto de transformações das formas-trabalho no contexto de flexibilização neoliberal, marcado pela centralidade do trabalho feminino na reprodução social da vida. A partir da etnografia coloco em perspectiva a esfera da economia do lar (oikonomia) em seus sentidos de construção de “vidas que valham a pena serem vividas” (NAROTZKY y BESNIER), dado que o ritmo flexível da revendedoria segue a valsa da incerteza (L’ESTOILE, 2020): característica estrutural que no contexto da financeirização da economia e da vida, com a tendência de privatização de serviços básicos - tensiona as formas de produzir valor e existir com dignidade.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Dinâmicas econômicas, práticas alimentares e cuidados de saúde no Complexo da Maré, Rio de Janeiro/RJ
Bruno Guilhermano Fernandes (UFRJ), Thais Lopes Silva (UFRJ)
Resumo: Neste trabalho, apresentamos uma análise que entrelaça dinâmicas econômicas, alimentação e saúde. Nosso ponto de partida é um projeto de pesquisa coletiva, realizado em duas comunidades do Complexo da Maré, Rio de Janeiro/RJ. A partir da abordagem etnográfica, situamos como dinâmicas econômicas e práticas alimentares se articulam com cuidados de saúde, sobretudo em casos nos quais interlocutores necessitam fazer tratamentos contínuos de doenças crônicas, em contextos urbanos de baixa renda. Com a pesquisa, visualizamos como diferentes modos de gerir o dinheiro nas casas levam em conta despesas, previsíveis ou não, com alimentação, remédios, tratamentos e demais formas de cuidado. Além da busca por tratamentos contínuos, que podem estar indisponíveis ou disponíveis na rede pública de saúde, os nossos interlocutores demonstraram como os gastos com as doenças influenciam em seus orçamentos e na composição do dinheiro da casa. Essa situação gera efeitos em suas práticas alimentares, já que restringe os valores de dinheiro destinados à comida e demais despesas, repercutindo em maior consumo e uso de alimentos processados de baixo valor nutricional, ou aumentando a dependência de outros cuidadores. Na luta cotidiana pela gestão de recursos escassos, a farmaceuticalização da saúde se associa a diferentes estratégias calculativas (pesquisar e calcular os valores dos remédios) e experiências inflacionárias, temporalidades de políticas públicas, tecnologias médicas e relações territoriais específicas. Outro aspecto analisado se refere ao plano discursivo e que gera efeitos práticos ao cotidiano. Em alguns casos, observamos como percepções sobre as restrições, impostas pela inflação e pelas doenças, fomentam a necessidade de ser ajudado, fazendo com que familiares, amigos e vizinhos se envolvam na alimentação e no preparo de comida, ou na compra de produtos e insumos ao adoentado. Alguns interlocutores, sobretudo idosos e inaptos às atividades laborais, empregam o vocabulário dos sofrimentos psíquicos e corporais para justificar a impossibilidade de preparação de sua própria comida, revelando como o “não cozinhar é parte fundamental da expressão de aflições, comorbidades e/ou de traumas oriundos de eventos críticos. Assim, as maneiras de lidar com as aflições e doenças servem, por vezes, como motivadoras à circulação de alimentos entre as casas, fomentando diferentes circuitos de cuidado, estratégias, cálculos e fluxos de dinheiro. Palavras-chave: Dinâmicas econômicas; alimentação; saúde; Complexo da Maré/RJ.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Dívidas, dinheiro e moralidades. Um olhar desde a feira municipal de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas
Caio do Amaral Mader (UNB), Paula Cristina Correa Bologna (University of Leeds), Flavia Melo da Cunha (UFAM)
Resumo: Esta proposta nasce de uma experiência etnográfica compartilhada entre as/o autor/as na feira municipal de São Gabriel da Cachoeira, cidade transfronteiriça do noroeste amazônico brasileiro, com uma das maiores porcentagens de população indígena autodeclarada do país. Situada no centro da cidade, a feira municipal é um dos principais pontos de comercialização de gêneros agrícolas e de outros produtos, e reúne diferentes categorias de vendedores, em sua maioria mulheres: artesãs, revendedoras, produtoras,merendeiras, representantes comerciais e agiotas. Nosso objetivo é descrever as relações comerciais protagonizadas por mulheres nesse particular contexto amazônico, dedicando especial atenção ao modo como estas produzem e são produzidas por diferentes formas de dívidas e de circulação de dinheiro, e de moralidades sobre ambas. Mais detidamente, abordaremos essas relações a partir de quatro eixos descritivo-análiticos: (i) a dinâmica de relações econômicas, sociais e morais entre revendedoras e produtoras, cuja relação é marcada por conflitos referentes à legitimidade de se vender e revender produtos; (ii) os regimes de "legalidade" e "ilegalidade" que regulam as transações econômicas; e (iii) o processo de precificação construído por valores não exclusivamente monetários, como, por exemplo, valores morais e mnemônicos; (iv) sua relação com a dívida. Embora seja extensa a bibliografia sócio-antropológica na interface entre relações de dívida e transações econômicas nessa região, há uma lacuna em como gênero se entrelaça a essa discussão. Assim, buscaremos fornecer uma análise etnográfica das complexas interações entre gênero, dinheiro, dívida e moralidades naquele contexto, com vistas a suprir, ainda que parcialmente, essa lacuna.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O que está em jogo quando raça é estratégia de negócio? Desenhando uma pesquisa a partir de uma agência criativa.
Everton Rangel Amorim (PUC-RIO)
Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar a trajetória de jovens negros e/ou periféricos que foram beneficiários de políticas de ação afirmativa e, hoje, são sócios majoritários de uma agência criativa que nasceu na favela do Jacaré, no Rio de Janeiro, e promovia concursos de beleza que tinham como intuito transformar a cara da moda nacional em termos raciais, embora não somente. É também objetivo deste trabalho descrever a própria trajetória desse negócio, com foco nas condições de possibilidade de sua emergência e continuidade. A agência em questão, após se reposicionar no mercado criativo, deixando de ser apenas uma produtora de casting, passou a realizar parcerias comerciais com grandes marcas, muitas delas globais com forte atuação no mercado "Latam". Para essas parcerias, jovens negros de periferias urbanas espalhadas pelo Brasil são contratados como PJ porque, segundo os sócios, apesar do negócio ter faturado mais de 3,5 milhões em 2021, os custos associados à CLT ainda não fazem parte da realidade da agência. A busca pela descentralização das atividades é vista, internamente, como uma forma de fazer o dinheiro circular em lugares que não somente o Sudeste, podendo ter gerado transferência de cerca de 2 milhões, também no ano 2021, para mãos não-brancas. Por que grandes marcas querem se associar a esse negócio, sem, no entanto, investir nele as cifras transferidas para agências criativas de grande porte? Como o tamanho dessa agência influencia a circulação de dinheiro? Atualmente, a agência promove, politicamente e comercialmente, discursos sobre o "Brasil real" produzidos pelo "Brasil real", o que se materializa em campanhas de comunicação, estratégias de branding, treinamentos, guias, pesquisas, casting, frameworks etc. Desde 2021, atuo na produção de alguns desses materiais, ora gerindo projetos, ora desenvolvendo pesquisas e estratégias metodológicas, mas sempre como corpo / trajetória imerso em uma teia político-comercial da qual depende o negócio em questão e que em muito o excede. Essa agência atrai companhias que, na última década passaram a investir no que chamam de ESG (Environmental, Social and Governance)? São empresas que contrataram e promoveram jovens negros a cargos de liderança? A continuidade dessa agência criativa depende dessas lideranças? É verdade que diversas marcas estão realizando esforços (estratégias de branding) para mudar não só a forma como se apresentam publicamente no Brasil, mas também o modo como fazem negócios? Por que raça parece ser politicamente e comercialmente interessante para algumas marcas? Em última análise, este trabalho, a partir de um estudo de caso, pretende analisar contemporaneamente a relação entre capitalismo e raça, sem deixar de considerar dinâmicas políticas mais amplas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Agoniados: ética e moralidades no trabalho para levar água às casas no bairro da Chatuba
Gustavo Silva de Azevedo (IESP UERJ)
Resumo: Em um bairro da Baixada Fluminense, a Chatuba de Mesquita (RJ), há uma rede complexa de sistemas informais de abastecimento produzida através do trabalho monetizado de autoconstrução dos moradores. Essa rede é formada principalmente por ligações feitas de maneira clandestina nos troncos distribuidores de água do sistema formal e pela perfuração de poços artesianos. Contudo, os moradores que trabalham na construção destas infraestruturas, são muitas vezes, desprestigiados Um dos moradores chegou a defini-los como “agoniados”. Este desprestígio se fundamenta principalmente no fato de que estes trabalhadores cobram um valor de seus vizinhos para a execução de seus serviços. Os agoniados seriam, portanto, uma categoria desprestigiada de trabalhadores, que supostamente se aproveitam da fraqueza e da agonia dos vizinhos por estarem sem acesso à água, para “arrancar” algum dinheiro deles. Em casos extremos estas práticas podem até mesmo carregar uma conotação de covardia. O termo faz referência ao fato de que estes sujeitos, em agonia financeira, se aproveitam da agonia hídrica do próximo. É possível observar, assim, um circuito específico que nos mostra formas de ganhar e gastar dinheiro, que, nesse caso, podemos chamar de dinheiro que se gasta ou se ganha com a agonia. Porém, a má fama desses indivíduos perante seus vizinhos se contrasta com a forma como eles enxergam seu próprio trabalho: alguns deles falam orgulhosamente do feito de ter “colocado água” nas casas do bairro, em momentos de falta extrema do recurso. Tentando não cair em romantizações comuns ao falar sobre autoconstrução, meu argumento é que estes trabalhadores, visto muitas vezes por outros moradores de maneira negativa, na realidade produzem o bairro da Chatuba e, tendo em vista que a água é um bem essencial para a vida humana, é a agonia e o agoniado que tornam a vida possível no bairro.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Arranjos de mercado: Categorizando o mercado a partir do mundo cafeeiro
Igor Mayworm Perrut (UFRJ)
Resumo: O presente paper se debruça sobre processos de coordenação, valoração e categorização dos mercados na vida social, apresentando um conjunto inicial de reflexões de minha tese de doutorado, ainda em andamento, sobre a relação de duas famílias produtoras de café, no Espírito Santo, com compradores de grãos com perfis distintos, desde os voltados à negociação dos cafés de maior valor agregado – chamados de cafés especiais – até os de menor valor – conhecidos como cafés commodity. A partir de uma abordagem etnográfica de cerca de um ano com as referidas famílias e com dois compradores de café, trato o mercado por uma abordagem comparativa que o entende como um objeto de valoração, julgamento e interpretação dos próprios atores sociais, antes que como uma modalidade fixa de interação, buscando produzir um arranjo analítico sociológico que dê conta de delimitar de maneira exaustiva como os mercados coordenam ações humanas e são categorizados de maneiras diferenciadas pelos atores, assentando hierarquizadas e políticas próprias de interação social que, a partir do mundo cafeeiro, espelham a maneira pela qual o mercado é instituído no ceio da sociedade.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Trabalho e intimidade na perspectiva patronal: empregadoras domésticas e a hibridez das relações de trabalho doméstico remunerado
Júlia Vargas Batista (UNICAMP)
Resumo: O presente trabalho se trata de um recorte de minha dissertação de mestrado (financiada pela Fapesp, processo n. 2021/03417-6), defendida em 2024, que buscou compreender perspectivas patronais no trabalho doméstico remunerado (TDR), especialmente na região de Campinas-SP. Durante a investigação, pude realizar uma série de entrevistas semiestruturadas com empregadoras domésticas com o fim de identificar como elas se posicionam e compreendem vários aspectos da relação com as trabalhadoras, com a legislação e com os sindicatos patronais. Aliando a análise das entrevistas e discursos das empregadoras com toda a incursão etnográfica realizada na pesquisa, foi possível observar que pensar as demandas das patroas na contratação de TDR implica considerarmos as relações de gênero em articulação ao acúmulo de capitais, os modelos de família, as noções e expectativas sobre trocas econômicas e domesticidade, e também às identidades de classe e de raça. Nesse sentido, o tema do profissionalismo a partir da perspectiva patronal surge como tema fundamental. Esse “proficionalicismo”, além de conservador, meritocrático, classista e servilista (Brites, 2000; Monticelli, 2017; Oliveira, 2007), também se relaciona a um forte tecnicismo ligado à ideia de produtividade e/ou otimização do TDR, onde o “como se fosse da família” parece caminhar em direção a algo mais próximo de uma “gestão de recurso humano”. Sob a veste científica das práticas inovadoras e das tecnologias eletrodomésticas, esses discursos ainda implicam desvalorização do TDR e do conhecimento nele presente, inferindo uma noção hierarquizada entre saberes. Para as empregadoras, ter uma relação “profissionalizada”, além de se conectar a ideais e expectativas de controle e poder sobre as trabalhadoras, parece também ser um instrumento de manutenção da distância social e emocional. Nesse sentido e a partir de autores como Sahlins (2003), Zelizer (2012), Monticelli (2017) e Canevaro (2020; 2018), busco tensionar o conceito de “ambiguidade” no TDR, pensando termos como "hibridez" e "ambivalência" como possibilidades analíticas para pensar as imbricadas relações entre afeto e trabalho, dinheiro e intimidade, técnica e amizade, profissionalismo e pessoalidade, público e privado. Por fim, buscarei ainda tratar sobre etnografia e as posicionalidades de raça e classe em um campo marcado pela identidade racial branca, analisando criticamente os modos como os discursos patronais em torno do TDR são construídos diante de uma pesquisadora negra.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“Hay que ahorrar”: notas etnográficas sobre as transformações econômicas em casas de renta, em Camagüey (Cuba)
Juliana Silva Chagas (UNB)
Resumo: As notas etnográficas apresentadas neste texto trazem reflexões iniciais sobre alguns pontos observados ao longo do meu trabalho de campo, fruto de uma pesquisa realizada junto a trabalhadores de casas de renta, na cidade de Camagüey, em Cuba. A primeira fase da pesquisa etnográfica, realizada entre abril e agosto de 2023, meses de baixa estação para o turismo no país, objetivou verificar as transformações econômicas em curso na economia interna cubana, denominada Economia Socialista de Estado em transição, sob o recorte temporal pós-pandêmico. Ao me preparar para a viagem de campo, ao chegar à minha primeira parada, em Havana, antes de me deslocar até o destino final, e, em seguida, ao viver em uma casa de renta (ou simplesmente renta), conviver com V. e B. como hóspede de longa duração, e entrevistar outros cuentapropistas – isto é, trabalhadores por conta própria – deste ramo não estatal do turismo, pude analisar, em conjunto às perspectivas dos anfitriões de pesquisa, as continuidades e descontinuidades entre os discursos e práticas econômicas e políticas sobre a economia cubana. Além de ter a oportunidade de acessar um ponto-chave de toda a cadeia econômica da ilha, a qual se materializa por meio da dolarização interna da economia. Como ocorre em outras ilhas ao redor do mundo, Cuba, mesmo com seu sistema de governança singular, tem no turismo uma fonte significativa de entrada de divisas e de trocas socioeconômicas com outros países do mundo. Assim, o tipo de turismo viabilizado pela presença das casas de renta revela como ocorrem transações e adaptações no dia-a-dia da gestão do negócio e da moradia em si, em que cuentapropistas precisam mediar operações financeiras com os dólares advindos dos turistas – e, muitos deles, com as remessas oriundas das famílias que vivem no exterior – e uma complexa rede de trocas econômicas, na qual câmbio oficial, câmbio paralelo, cotação, flutuação de preços, sistemas oficiais de precificação, sistemas próprios de medida, precificação e meios de ahorrar são assuntos diários.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Antropologia da Economia: Financeirização da cultura
Maria Eduarda Ribeiro Taques (UFG), Letícia Sued de Souza (Estagiária)
Resumo: Neste artigo, buscamos compreender a partir do programa social, bolsa família, o auxílio prestado pelo Estado com objetivo de amortizar os efeitos da extrema pobreza de famílias no Brasil. A análise deste trabalho tem como foco famílias indígenas que estão inseridas em um processo de financeirização que contempla a operação do dinheiro e sua dinâmica com os bancos. Como percurso metodológico, é feito uma revisão de literatura em bancos de dados de produção científica, a destaque para a base de tese e dissertações e periódico capes, sobre a utilização do programa em comunidades indígenas como instrumento de financeirização pelos bancos, além de realizar um levantamento de dados estatísticos, taxas e índices que evidenciam uma crise sistemática sutil que afeta os territórios, os corpos e os saberes. Nesse contexto, conceitos como endividamento, propriedade privada, assalariamento, monetarização do tempo, alienação, fetichismo e consumismo servem de base para entender como o setor privado utiliza-se de uma política pública como meio para obtenção de riqueza. Dessa maneira, é possível perceber como essa relação produz transformações no cotidiano das comunidades e escancara um processo de destruição criativa da terra, evidenciando as faces do etnocentrismo e estimulando um consumo capitalista.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Articulações dos circuitos econômicos, de cuidado e comida no Complexo da Maré (RJ)
Maria Fernanda Maciel Aguiar (IESP-UERJ)
Resumo: Apresento nesta proposta aspectos relacionados às dinâmicas econômicas e aos circuitos de comida e de cuidado em uma comunidade do Complexo da Maré, Rio de Janeiro (RJ). Suas considerações partem de uma pesquisa coletiva – ainda em andamento – realizada pelo Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia (UFRJ) e pela organização Redes da Maré, na qual se busca compreender as dinâmicas de circulação, produção e armazenamento de alimentos a partir das casas e das relações entre elas. A comida e o ato de comer se mostram entrelaçados com diferentes dimensões da vida socioeconômica dos indivíduos. Aqui, enfocaremos sobre como se relacionam com o dinheiro, a família e os circuitos e práticas de cuidado. Partiremos, então, de uma interlocutora principal. Rosa é uma mulher de 43 anos, mãe de 4 filhos e avó de dois netos. Atualmente encontra-se desempregada e suas rendas advém principalmente do dinheiro do Bolsa Família – o qual recebe um valor de R$600,00 – e de biscates que faz como faxineira – e nos informa que, em um bom mês, consegue fazer em torno de R$1.300,00. A partir de conflitos com sua filha do meio, Camila, Rosa tomou a decisão de expulsar a filha de casa, junto à sua companheira, assumindo os cuidados e responsabilidades com o neto, um bebê de seis meses. Além de cuidar do neto, moram com ela também dois outros filhos, uma neta de 11 anos e seu companheiro. Nas dinâmicas econômicas e familiares da casa de Rosa, é ela a responsável por arcar com as despesas e fazer a gestão financeira, recebendo pouca ou nenhuma ajuda dos demais membros. Quando estávamos realizando a entrevista, Camila chegou com a atual companheira e prontamente Rosa questionou a filha sobre o “dinheiro do Mucilon” da criança. Na sequência, nos contou que era ela quem tinha que “se virar” para comprar os itens e alimentos do bebê. A partir desta interlocução, o presente trabalho tem como objetivo desdobrar a relação entre alimentação, dinheiro e cuidado. Com o aumento do custo de vida e com a percepção da alta dos preços dos alimentos, novos movimentos são realizados: buscar trabalho fora de casa, e em consequência intensificando a necessidade de redes de apoio; solicitar auxílio ou empréstimos de familiares e amigos; ir na casa de familiares ou vizinhos para fazer refeições; compartilhar, doar ou emprestar insumos alimentícios e botijões de gás; e reconfigurar a relação no núcleo familiar, como a expulsão de casa da “filha que não quer nada”, a cobrança sobre as necessidades dos membros dependentes e a assunção dos cuidados e responsabilidades com o neto, que, nesta ocasião, passa a ser entendido como “filho”.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mulheres Indígenas, Dinheiro e Comércio na Tríplice Fronteira Amazônica - Brasil, Peru e Colômbia
Marilene Aicate Peres (UFAM)
Resumo: A circulação e mobilidade entre Brasil, Peru e Colômbia é recorrente e intenso, tal circulação e mobilidade acontece por diversos motivos, um deles é para comercialização de produtos alimentícios agrícolas e industrializados, realizados por agentes dos três países que fazem o circuito diariamente, seja homens e mulheres, indígenas e não indígenas, residentes nas sedes dos municípios ou que moram nas comunidades. Deste modo, minha proposta é apontar, a partir de uma perspectiva etnográfica, como gênero, dinheiro e comércio se entrecruzam e como se fazem presente na realidade local. Com esse intuito, o objetivo que norteia este trabalho é reconhecer a partir das mulheres indígenas Kokama como dinheiro e comércio se relacionam no processo de comercialização de produtos principalmente alimentícios advindos da roça para a cidade bem como da cidade para comunidade. O lugar da pesquisa é marcado pela tríplice fronteira, á sudoeste do estado do Amazonas, na mesorregião do alto Solimões, onde o fluxo de pessoas dos três países é intenso, produzindo assim uma conjuntura de transnacionalidade e transfronteiriça, onde os diferentes contextos são tanto de colaboração quanto de conflito. Olhar para este lugar nos permite apreender como ocorrem as interações entre as/os agentes que vivem na região e partilham um mesmo território e intensas trocas. Nesse sentido, a grande diversidade étnica e o fluxo de nacionais dos países que compõe essa tríplice fronteira nos revelam uma intrincada rede de relações culturais, sociais e econômicas, marcadas por diferenças de nacionalidade, classe social, gênero e raça/cor/etnia. Palavras-chave: Mulheres indígenas, dinheiro, comércio.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Casas em circuito: deslocados pela guerra síria e comida em São Paulo
Natalia Neme Carvalhosa (Fiocruz)
Resumo: O trabalho discutirá as configurações múltiplas das casas e suas relacionalidades ao se converterem e se reconverterem simultaneamente em local de consumo e de produção no que denomino de circuito das comidas com deslocados pela guerra síria em São Paulo. Diante das dispendiosas condições de abertura e manutenção de restaurantes, dos valores elevados de aluguéis e custo de vida em São Paulo, as casas (alugadas) tornam-se espaços e meios estratégicos de produção de comidas. A partir desse cenário, argumento que o esforço teórico de reconhecimento dos tipos de trabalho para além da fábrica, pelo trabalho reprodutivo nas casas, trazem avanços para o entendimento do trabalho feminino, mas, quando privilegiam contextos específicos norte-americanos ou eurocentrados, acabam por reforçar a dicotomia entre espaços produtivos e reprodutivos. O entendimento de cálculos econômicos para além da circunscrição do dinheiro em si, isto é, de uma economia imanente, que não está à parte em uma formalidade restrita, nos permite ir além de esquemas analíticos que ratificam espaços e relações em uma dicotomia entre produção e consumo. Em contexto brasileiro, etnografias sobre transformações nas relações sociais em áreas rurais no Nordeste Brasileiro ao longo dos anos 1970, nas discussões sobre trabalho familiar e economia camponesa inspiradas em Chayanov e Bourdieu, já apontavam reflexões nesse sentido. As mesmas mostravam que, embora nem sempre as mulheres fossem remuneradas com o dinheiro valorizado socialmente pelos homens na comercialização dos produtos agrícolas, suas atividades eram fundamentais para o funcionamento das trocas produtivas. Partindo dessas contribuições, baseio-me em estudos que revelam campos inventivos de valores, inclusive dentro das casas - em vez de visões homogeneizadoras sobre dinheiro - e que identificam a sobreposição de espaços de produção, consumo e armazenamento nas múltiplas formas de conversão da casa. Somado a esses, argumento que pensar a partir das relacionalidades das casas ajuda a compreender a construção ativa de um novo cotidiano através da comida. As receitas canalizam memórias, “referências”, “metonímias imaginadas” de afetos constantemente atualizados em rituais que envolviam produções coletivas de comidas pelos meus interlocutores na Síria. Por sua vez, as relacionalidades das casas nos permitem acessar as “matérias primas” mnemônicas/sensoriais basilares para a formação dos cardápios e como as mulheres assumem maior centralidade nas encruzilhadas cotidianas em torno do controle dos alimentos e ganhavam maior poder na obtenção de renda familiar.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Negociando valores, conciliando direitos e deveres: notas sobre indenização e reparação civil
Paula Mendes Lacerda (UERJ)
Resumo: O presente trabalho faz parte da pesquisa mais ampla, intitulada “A política de indenizações como forma de reparação de direitos humanos no Brasil: Estado, grandes empresas e mobilização social”, cujo objetivo principal é mapear e analisar as políticas e as práticas em torno das indenizações no Brasil em situações consideradas de violações de direitos humanos em que setores do estado e/ou empresas são apontados como responsáveis por violações. Apesar de as indenizações estarem, cada vez mais, associadas a políticas de reparação no contexto dos direitos humanos, ainda há poucos estudos sobre os sentidos e os efeitos dessas práticas. Nessa apresentação, analiso o processo de conciliação promovido pela Advocacia Geral da União no processo de reparação civil da comunidade indígena Ashaninka, em que responderam como réus empresas madeireiras e seus proprietários, por invasão na terra indígena, extração ilegal de madeira e danos morais durante a década de 80. A partir de entrevistas e análise documental, discuto os parâmetros utilizados e as tensões na proposição do valor da indenização, bem como as percepções dos agentes envolvidos sobre direitos, dinheiro e compromissos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Capitalismo selvagem: princípios, valores e regras que regem o mercado ilegal de apostas da loteria do jogo do bicho nas ruas e esquinas da cidade do Rio de Janeiro.
Rômulo Bulgarelli Labronici (FAPERJ/CONICET)
Resumo: No Rio de Janeiro as apostas feitas na loteria do jogo do bicho costumam ser realizadas nas ruas e esquinas da cidade. Tal fato a torna uma atividade privilegiada de interpretação sobre a forma pela qual se expressam as contradições legais e morais no cotidiano urbano carioca. Com isso, este trabalho busca analisar como a relação ambígua e contraditória do jogo é posta à prova quando os sujeitos que o praticam, em muitos casos, não entendem esta atividade na chave da transgressão. Deste modo, procura-se aqui investigar alguns dos princípios, valores e regras inseridas nos jogos de apostas que vão ser suas bases de sustentação e continuidade. Idéais como honra, dívida, racionalidade, previsibilidade e sorte serão discutidas aqui a luz da antropologia econômica e que permitirá enxergar esta atividade sob a chave de um Mercado. Para alcançar tais objetivos, busca-se, a partir de um trabalho etnográfico sobre o jogo, realizado em diferentes pontos espalhados por diversos bairros do Rio de Janeiro, explorar como a relação entre jogadores e operadores se estabelece nesse mercado de apostas ilegais. Esta observação do cotidiano do jogo permitirá compreender como estão construídos alguns dos entrelaçamentos entre a lei e a ilegalidade no mercado de jogos praticado no meio urbano carioca.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Afluência das economias naturais
Samuelson Xavier de Lima Silva (Prefeitura de Fortaleza)
Resumo: Este trabalho investiga as críticas sociais de Jack London e Oswald de Andrade sobre o problema da afluência das economias naturais e da carência das economias capitalistas, e acompanha a discussão correlata de Karl Polanyi e Marshall Sahlins em suas reflexões sobre a riqueza nas sociedades originárias. Tenta aproximar-se da abordagem metodológica da história intelectual, seguindo a referência de metodólogos como Ludvik Fleck e Reinhart Koselleck, para indicar a historicidade das noções e dos conceitos. Em seguida, discute a abrangência da ideia de economia natural nos autores. Seguindo o raciocínio sobre a relação de convergência e proporcionalidade entre o desenvolvimento científico-técnico e o desenvolvimento social-ecológico que constitui as economias naturais, busca no argumento da economia orientada à função social da comunidade e à adaptação ambiental ao lugar uma compreensão da utopia social presente nos clássicos modernos identificados com as teorias socialistas e progressistas. Assim, consideramos dois pressupostos nos autores como princípios para um modelo antropológico: (1) A afluência das economias naturais desde as sociedades originais, (2) a perspectiva de uma nova economia natural para as sociedades presentes e futuras. Estes pressupostos tornam nítida a existência de um modelo afluente, uma hipótese social e ecológica fundada na crítica da metafísica mercantil da modernidade e no elogio das variedades da experiência humana de longa duração. Concluímos com o exame do modelo e a indicação tanto de sua antiguidade quanto de sua persistência na literatura social contemporânea.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Auxílios e autonomia: Impactos das políticas governamentais de auxílio financeiro na comunidade de Laranjal
Suelton Vinícius Costa Pereira (UFOPA)
Resumo: As comunidades rurais amazônicas, também conhecidas comunidades tradicionais, são em geral associadas a uma quem em seu cerne a produção familiar e o extrativismo para subsistência aliadas a quaisquer outras práticas produtivas ou empregatícias para o complemento da renda familiar, tais como venda de peixe, trabalho em olarias, diárias de roçado ou de doméstica, entre outros, tornando assim a comunidade rural ou tradicional um local de equilíbrio entre as práticas econômicas tradicionais e o capitalismo crescente. No entanto, em antropologia sabemos que o equilíbrio e a coesão são sempre categorias suspeitas, e, aos nos debruçarmos sobre alguns contextos rurais vemos que as comunidades já passaram do estágio de absorção dessa economia capitalista em sua dinâmica específica, para serem elas quase que absorvidas pela economia mundial capitalista, tendo a sua autonomia alimentar e estrutural colocada em cheque e a sua diferenciação ao contexto urbano cada vez mais opaca. Meu objetivo neste trabalho será o de expor dados colhidos em campos no ano de 2023 juntamente com a ONG Saúde e Alegria, em parceria com a Cooperativa Agroextrativista do Oeste do Pará, a ACOSPER, para a aplicação de diagnósticos socioprodutivos nas regiões da Resex Tapajós/Arapiuns e do PAE Lago Grande, no município de Santarém, Pará. Esses diagnósticos revelaram uma crescente dependência de auxílios governamentais, tais como aposentadorias e bolsas para a subsistência das famílias. Estes dados vêm a complementar um estudo etnográfico mais focado na comunidade de Laranjal, no Lago Grande, região de Arapixuna, que num continuum entre autonomia camponesa e integração à economia urbana se encontra muito mais próximo do segundo caso, tendo abandonado quase que completamente a produção de farinha e de outras culturas todas como intrínsecas ao modo de vida rural na Amazônia, a comunidade se apresenta como um desafio analítico da categoria rural. Essas transformações decorreram de diversos fatores históricos, como chegada da rede elétrica no ano de 2009, a desvalorização dos produtos da agricultura familiar na economia local e, como analisarei neste trabalho, a entrada de um novo modelo de economia que liga o camponês diretamente ao estado, os auxílios, bolsas e aposentadorias. Como essa nova dinâmica econômica afeta a reprodução social da população dessa comunidade? Que arranjos econômicos e sociais a comunidade encontra para mitigar esses impactos? Onde nesses ainda cabe a categoria "rural"?, visto que esta se emprega sempre em um contexto de relação de um povo com o território, principalmente sob o prisma produtivo? São essas e outras questões que buscarei desenvolver neste breve trabalho.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Onde comprar história em quadrinhos: uma abordagem etnográfica dos mercados
Victoria Perfeito dos Santos (UFRGS)
Resumo: Este trabalho parte de uma etnografia que seguiu os fluxos das histórias em quadrinhos na cidade de Porto Alegre/RS. O que implica dizer que a etnógrafa, em construção de campo empírico, seguiu as HQs por onde elas circulavam. No entanto, as HQs não fluem ao acaso se não intermediadas por diferentes “agenciamentos (Callon, 2013) que orientam estes fluxos materiais e sociais ensejados por relações de troca de tipo mercantil. Dito isso, a etnografia tomou forma e se sucedeu em arenas de mercado - sebo, gibiteria e feira de quadrinhos - que organizam encontros que qualificam variadas HQs - usadas, editoriais-tradicionais e independentes - e engendram distintas modalidades de valoração e vínculo entre os atores engajados na troca - livreiros, gibiteiros, quadrinistas e público consumidor. Desse modo, neste trabalho, busco argumentar como as arenas mercantis são capazes de produzir dissonantes práticas de venda, consumo e diferenciação de bens e mercados.
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A comercialização de artesanato pelas mulheres Guarani no litoral de Santa Catarina
Viviane Coneglian Carrilho de Vasconcelos (UFSC)
Resumo: São frequentes nas narrativas Guarani do litoral de Santa Catarina relatos que associam as ocupações atuais das porções litorâneas do território, designadas por Yvy Rembe, com as atividades de comercialização de artesanato. Tal recorrência sugere a relevância desta prática na garantia do acesso aos recursos econômicos fundamentais que asseguraram desta maneira, a manutenção do território litorâneo na contemporaneidade. Melià (1990) indica que as áreas Guarani do interior do continente parecem estar mais frequentemente ligadas à agricultura, caça e pesca no que se refere a atender às demandas básicas de subsistência do que aquelas do litoral, que apresentariam maior ênfase sobre a produção de artesanato. Isso indicaria para o autor, uma inversão das práticas produtivas nas áreas de ocupação Guarani do interior do continente sul-americano em relação aos locais de ocupação litorânea. O maior interesse na produção de artesanato nas áreas do litoral, pode ser sugestivo, e mesmo consequência, de menor acesso às terras para plantio e áreas de caça e pesca se consideradas em relação àquelas do interior do continente. Soma-se a isso, uma maior disponibilidade de mercado de compra de artesanatos indígenas. Em todo caso, isso volta às atenções para pensar a importância desta atividade na garantia da manutenção do território guarani litorâneo. O caso abordado nesta pesquisa traz ênfase para as mulheres Mbya Guarani e uma prática, muito comum no estado de Santa Catarina, e principalmente na cidade de Florianópolis que se refere à comercialização de artesanatos nas calçadas do centro da cidade. Abordo nesta pesquisa alguns pontos relacionados às práticas comerciais e econômicas intrínsecas às relações sociais entre mulheres Guarani e não indígenas e indico um primeiro ponto relacionado às trocas e ajudas mútuas que elas estabelecem através de recebimento de doações e repasses destas para outras pessoas que necessitem.
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